Um ano se passou e Júlia crescia com saúde. A falta de um irmãozinho não era problema na hora de brincar, porque, como Judite não teve infância, agora ela aproveitava para ter na companhia de Julia, brincando com a filha da patroa como se fosse uma criança.
O verão havia chegado, depois de um inverno pesado que isolou o lugarejo da cidade e acabou com a única estrada que tinha. Recorrer a quem? Os moradores tinham que contar com a sorte e pouco se falava em buscar ajuda de governantes, num ano de eleição para presidente, que o todo poderoso havia anulado. O Brasil passava por uma séria crise de poderes. Getúlio Vargas já estava oito anos no poder. A eleição de 1930 havia sido invalidada, pois ela era considerada uma fraude e Vargas continuava no poder pela revolução de 1930.
Sem acesso a meios de comunicação, a população vivia à margem da história política do país. Por sorte Júlia era pequena demais para assistir a ambição de Vargas. Ele anulou a eleição de 1938 com o golpe do Estado Novo e instituiu uma nova Constituição para oficializar a ditadura. O povo, sem direito a voto direto, eram marionetes, sofrendo com a repressão, sem direito a um piado.
Indiferente à situação política, Helena precisava viajar para tratar de assuntos do falecido pai.
- Zé, amanhã vou com meu tio Miguel na capital – Disse Helena na mesa de jantar.
- Ué, mas assim, de uma hora pra outra?
- José Petrônio Soares da Costa, eu falei isso pra ti tá com quinze dias! – Falou zangada. Quando Helena chamava o nome de Petrônio completo, era porque estava ficando nervosa. Ele sabendo deste princípio de TPM, tratou de encerrar o jantar, engoliu a última colher de arroz com um rápido...
- Não tá mais aqui quem falou!
- Saio amanhã bem cedinho e vou levar nossa filha.
- Vai precisar de dinheiro? – Ela nem respondeu, pois toda a finança da casa estava com o marido. Helena nunca teve acesso ao cofre, se bem que o cofre eram os bolsos do marido, onde ele guardava toda a renda do comércio.
No dia seguinte, já era quatro da manhã quando se ouve a buzina de um carro. Era seu tio no seu Ford Bigode muito bem conservado que havia herdado do seu irmão, pai de Helena. Esse carinhoso nome era porque o sistema de pedal, mais uma alavanca junto ao volante, formava par com outra, para ajustar o avanço de ignição. As duas alavancas, opostas, formavam a figura de um bigode, o que levou o "T" a ser chamado, no Brasil, de Ford Bigode. Quando o nome pegou, os modelos fabricados no Brasil passaram a mostrar, no ornamento do capô, a figura de um bigode. Detalhes a parte, Helena já estava arrumada com três malas e mais uma só para Júlia.
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