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Ironia
Valdir Gomes

Trabalhar é uma atitude nobre.
    Colher os frutos sensatos de um trabalho é o alvo que todo humano deve ter. Digo isso porque roubar é pobre, é baixo, é medíocre. Que prazer há em usufruir de um bem, coisa ou algo surrupiado de quem nobremente exerceu o direito de possuí-lo? Ah, mas não nos esqueçamos que o fruto maior será usufruído se a ocupação profissional for prazerosa. Esta introdução não tem a intenção de lançar uma discussão ou um fundo moralista quanto ao que se deve ou não fazer; se trabalhar ou roubar. O fato que transcreverei ocorreu. Como disse, é um fato. Coisa que pode ou deve estar acontecendo a todo instante neste solo terrestre.
    Onde tem solo produtivo, tem gente. Onde tem gente, pessoas felizes. Tem problemas, tem constrangimento, tem solução. Onde tem gente tem agonia, tem lirismo, tem alegria e tristeza. Onde tem gente mora Alex.
    Não é um Alex qualquer. É Alexfanser Dalmottienerg. Complicado? O próprio também o achava. Tanto que a esquisitice do nome já lhe rendara algumas saias justas. Por exemplo: quando enviara um currículo ao RH de uma grande empresa, perdera a vaga porque o profissional que avaliara seu perfil, entendera que intencionalmente Alex havia omitido o nome. Filosofia da empresa, candidato que oculta o nome, oculta o que realmente é. Portanto, voou a oportunidade pelo simples fato de o nome assemelhar-se a uma sopa de letrinhas. Outra situação, ainda mais constrangedora foi na colação de grau do seu tão sonhado curso de contabilidade.
     Que felicidade! Cada colega sendo anunciado e se dirigindo ao paraninfo para receber o canudo! Antonio, Maria, José... e, por fim Alexfanser Dalmottienerg! Realmente era esse o nome que nosso amigo esperava ouvir, mas pasmem! o que se ouviu naquela noite, nem ele, tampouco os convidados esperavam ouvir do locutor. Anunciara-se para se dirigir à bancada, o formando Alfonse Dal Morto! Isso soou como um péssimo presságio. É óbvio que todos os presentes olharam-se de um lado para o outro, catando o tal formando misterioso. Como ninguém se habilitara manifestar-se, levantou-se Alex. Era o próprio. Como haviam grafado tão erroneamente o seu nome, somente mais tarde soubera. De Alexfanser Dalmottienerg para Alfonse Dal Morto! Que horror! Estava vivinho da silva! Pronto, agora, após a formatura, lançara-se Alex numa busca incansável pela correção do nome. Tinha de fazê-lo. Primeiro teve de procurar o setor responsável pela confecção dos certificados da universidade. É digno de nota que a luta fora árdua. Ninguém se propusera assumir o erro. Grafar Alexfanser Dalmottienerg para Alfonse Dal Morto era uma ofensa! E como tal, ninguém assumira a responsabilidade. Ah, até que enfim, alguém de bom coração resolveu o problema de Alex. É claro quer a culpa recaíra sobre o computador. Coitado do computador! Como se defenderia? Um violão não toca música sem que alguém lhe dedilhe as cordas...
    Enfim, o pesadelo de Alexfanser Dalmottienerg chegara ao fim. Bem, não ao fim como cogitara ele, coitado! Depois de mais de 180 dias de andanças, cobranças e audiências, a justiça obrigara a correção de seu nome.
    De posse de seu certificado, agora sim, pode preencher um currículo e distribuí-lo. “Agora”, pensou ele, “é só aguardar e choverá entrevistas de emprego”. Alex sabia que enfrentaria uma grande concorrência, mas preparara-se bem. Era jovem, saudável, perspicaz, e ocupara-se muito em cursos de treinamento para entrevistas de emprego. Coisa que está em voga. O tempo prosseguiu urgindo e, para não ficar totalmente a mercê de um toque de telefone, Alex ocupara o tempo em fazer biscates. Um free lance aqui, uma assessoria ali, declarações de imposto de renda via internet acolá... e o tempo foi passando. A expectativa minando, sonho se esmigalhando, dívidas acumulando e locador o aluguel cobrando.
    Certo dia, feliz, Alex recebeu uma ligação para entrevista de emprego. Se contratado, teria uma carreira promissora. Mas o sonho logo turvou-se quando no endereço chegou e descobrira que havia mais de mil candidatos por umazinha vaga! Que absurdo! Era essa proporção de candidatos/vagas que existia no curso que escolhera? Tristemente ficou o rapaz, quando lhe confirmaram que sim.
     Passado o tempo, mais desenxabido ficou Alex ao ver o sonho de uma carreira profissional de alegria se tornar uma longínqua expectativa humilhante de probabilidade ínfima.
    Quando tudo lhe parecia perdido, Alexfanser Dalmottienerg leu uma notícia no jornal. Era uma esperança macabra, por assim dizer, mas, se surtira efeito com o personagem da reportagem, imaginou que também seria positiva consigo. Num átimo se dirigiu ao viaduto mais estratégico da cidade e lá se pendurou, numa posição de alto risco, com um cartaz onde se lia: “ Eu preciso de um emprego.” O que Alex cogitava era um emprego ou a morte. Um emprego pela sua vida. Não era um ato heróico por benignidade, mas egocêntrico. Imaginara ele que, como ocorrera com a personagem que lera no jornal, na reportagem, alguém de bom coração logo surgiria montado em um cavalo branco e lhe proporia um belo emprego. Expectativa errada.
    Alexfanser Dalmottienerg ficou lá, naquela ingrata e arriscada posição a tarde toda. Ninguém o viu, exceto um pombo que voando por lá, despejou sobre seu ombro o seu excremento e o vento que lhe arrancara o cartaz e o lançara longe. A decisão de forçar um suicídio não deu certo. Agora estava faminto, humilhado, cagado e sem dinheiro para tomar um ônibus de volta pra casa. O vento soprava forte. Alex saiu do local e foi atravessar a rua. Não viu um caminhão que vinha; o vento ensurdecera-o. O veículo buzinou. O atropelamento foi inevitável.
    Quando acordou, já no leito de um hospital, Alex descobriu que ficara mais de um mês em coma! Ainda entubado, perguntara a enfermeira o que lhe havia ocorrido. Resposta? Havia sido atropelado gravemente e perdido as duas pernas!
    Que sina a de Alexfanser Dalmottienerg! Formado em contabilidade, endividado, sem emprego e, pior, sem as pernas! Agora, Alex mudava de estatística. Além de desempregado, entrava na fila dos desempregados deficientes! Fila? Que fila? Feliz da vida o homem ficou, quando certo dia, tomando sol na companhia de sua cadeira de rodas, lendo um artigo numa revista de grande circulação, uma reportagem dizia que empresas de grande porte, por força de lei, tinham de contratar deficientes qualificados para ocuparem cota de funcionários especificados em lei. Alex ligou, foi contratado imediatamente.
    Que ironia! Está desempregado? O que acha de perder uma perna, um braço, a cabeça...?


Biografia:
Escrevo. Sonho. Canto. Vivo. Escrevo. Amo escrever; sou apaixonado por letras, livros. Quando estou feliz, sou Cronista. Quando estou assustado, sou contista Quando sonho, escrevo um livro Quando estou triste escrevo poesia. --- Meu e-mail: valdirgomesescritor@gmail.com Twitter: @valdirgomes14 - Siga-me Blog: valdirgomes.wordpress.com
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