Login
E-mail
Senha
|Esqueceu a senha?|

  Editora


www.komedi.com.br
tel.:(19)3234.4864
 
  Texto selecionado
Lembranças lisboetas
Crônica do livro ´´Sessão da tarde ``, Ed. Edicon
Alexandru Solomon

Talvez não tenha se esquecido ainda da viagem, a respeito da qual escrevi, comentando algumas recordações lisboetas. Pois continuando, aumentarei a gravidade do crime contra as letras, dando prosseguimento a esse relato.
Ao mencionar o incidente C.J. disse que havia um outro episódio menos louvável. Para apreciá-lo, quando eu me decidir a confessá-lo, sem fazer um juízo muito severo, coloque-se por alguns momentos no meio do bando de estudantes formandos. Quase todos sem dinheiro, contando com as diárias oferecidas pela nossa CêVê, (Comissão de Viagens) complementadas por algum reforço proporcionado pelas famílias. Lembro do comentário admirativo: “Pô, o Luís Augusto está levando 300 dólares.” (estamos falando de dezembro 1966, época em que fazia sentido o livro ‘Europa a 5 dólares por dia’).
Como chegamos à Europa? Num possante quadrimotor C54 da FAB, a versão militar do DC4. Poltronas? Nada disso. Apenas os assentos laterais de um avião de pára-quedistas como nos filmes de guerra. Calefação? Deve estar brincando. Mas, a avião cedido não se contam os defeitos, diria meu sábio alter ego, praticamente da mesma idade que eu. E, já que estou lhe escrevendo, não sentirá o pavor que se apoderou de nós ao descobrir a imobilidade de uma das hélices.
Faltava dinheiro; éramos,porém, os donos do mundo. Pode ser que o mundo custasse menos, ou, quem sabe, éramos ricos o suficiente para não ligar para detalhes.
Bem, não é que fomos ao Cassino de Estoril?
Espirito matemático, jogava meus trocados no cara e coroa do vermelho e preto. Para ser mais verdadeiro, preciso dizer que só jogava no vermelho. Aguardava a ocorrência de um preto e logo depois, ignorando – como todo engenheiro, cujo trabalho de graduação relacionara-se com a estatística aplicada – o fato de nada garantir a necessária ocorrência subseqüente de um vermelho, colocava, cheio de confiança, a ficha no ‘encarnado’. Quando perdia, dobrava a parada, sem poder ir além de uma única dobrada, por razões de gestão austera da minha fortuna. Aos poucos fui juntando algo como 50 dólares de lucro. Estava me tornando um milionário. A caprichosa deusa escancarava um sorriso dócil, submisso, encorajador. Nem percebi o tempo voar, fascinado pelo jogo e embalado pelos comentários de um colega menos atrevido, que se limitava a contabilizar meus lucros e perdas. Sem demérito algum, as observações eram tão interessantes quanto aquelas a que nos habituaram nossos locutores esportivos de hoje. ‘Agora vai’, ‘Vamos virar o jogo’, ‘Notou aquela gostosona de azul?’ Como demorava aquele pessoal! Nada a ver com o ritmo endiabrado de Vegas, que vim a conhecer anos mais tarde. Com o saldo positivo da minha particular balança comercial, aquele detalhe não chegava a importunar.
O crupiê anunciou, finalmente, a última rodada. Era chegado o momento do lance magistral. Parado durante algumas rodadas de preto, decidi separar o valor da fortuna inicial mais o valor da corrida de táxi e ‘partir para o tudo ou nada’ com o resto. Não poderia dar errado. Deu. Dizer que deu um inesquecível 26, seria supérfluo. Sim, o 26 é preto, meu caro. Com sono, a Fortuna decidira abandonar-me, sem aviso prévio. Dei adeus ao montão de fichas varridas com implacável zelo pelos profissionais.
Antes de regressar ao glorioso Hotel Atenas, detivemo-nos num pequeno bar, onde fui apresentado ao que me pareceu, naquela época, o néctar surrupiado a Hebe ou a algum substituto de Ganímedes. Gozadores, abstenham-se. Estou falando do capitoso Grandjó, cujo sabor adocicado nos fez esquecer a hora. Precisávamos voltar para dormir ao menos duas horas.
No táxi, junto com mais três colegas, (note, observador implacável – decerto já o notou– que ainda sobejavam, a título de lucro, três quartos do valor da corrida), resolvemos provocar o digno ás do volante.
– Chofer, queremos seu boné.
- Ora, pois, isto é ‘pruibido’. Tenho de usar o boné em s´rviço. –Tudo isso vinha dito com aquele delicioso sotaque, que me obrigou a uma transcrição fonética, para que mergulhe conosco no clima daquela pequena aventura.
- Pelo menos dirija sem boné. Faça essa gentileza.
- Ora, pois, não podemos f´zer isso.
- Chofer, é muita pompa. Seja menos formaL. Diga ao menos um palavrão
- Ora, pois, j´mais falo p´lavrõech!
- Um só! Ao menos um. Com certeza sabe
- Não. De m´neira n´nhuma!
De tanto insistirmos, ele finalmente soltou um sonoro PQP, acolhido por um coro de risadas, até que um de nós conseguiu, fingir uma justa indignação.
- Chofer, perdeu a classe. Que tremenda falta de educação!
- Mas foram os s´nhores que insistiram, pois não? –O retrato pungente da desolação. – Foram necessários longos minutos para explicar ao consternado motorista, ter sido aquilo apenas uma brincadeira, que o palavrão, desastradamente proferido, em nada diminuía a nossa estima e que ele continuava luzindo como estrela de primeira grandeza no firmamento das boas maneiras.
As luzes de Lisboa estavam se aproximando, o sono já reivindicava seus direitos. Nas mãos, o cartão de admissão por um dia no Cassino, doravante inútil. Nessa roleta, ao menos, conseguira descobrir que, se a fortuna sorri aos audaciosos, muitas vezes, o sorriso é banguela.


Biografia:
Alexandru Solomon, empresário, escritor. Formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de ´Almanaque Anacrônico`, ´Versos Anacrônicos`, ´Apetite Famélico`, ´Mãos Outonais`, ´Sessão da Tarde`, ´Desespero Provisório` , ´Não basta sonhar`, ´Um Triângulo de Bermudas`, ´O Desmonte de Vênus` (Ed. Totalidade), ´Bucareste`, ´Plataforma G` e ´A luta continua` (Ed. Letraviva). Livrarias: Saraiva (www.livrariasaraiva.com.br), Cultura (www.livrariacultura.com.br), Loyola (www.livrarialoyola.com.br), Letraviva (www.letraviva.com.br). | E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br http://blogdoalexandrusolomon.blog.terra.com.br

Este texto é administrado por: Celso Fernandes
Número de vezes que este texto foi lido: 55554


Outros títulos do mesmo autor

Cartas Premio Il Convivio Alexandru Solomon
Artigos Plus ça change... Alexandru Solomon
Artigos E as urnas falaram Alexandru Solomon
Crônicas Ababurtinogamerontes à espera de Voronca Alexandru Solomon
Poesias Como sou Alexandru Solomon
Poesias Pessimismo Alexandru Solomon
Frases Frases famosas Alexandru Solomon
Frases Incentivos, todos queremos. Alexandru Solomon
Artigos Refrescando a memória. Alexandru Solomon
Frases Políticos sem bastão Alexandru Solomon

Páginas: Próxima Última

Publicações de número 1 até 10 de um total de 178.


escrita@komedi.com.br © 2024
 
  Textos mais lidos
Minha Amiga Ana - J. Miguel 61120 Visitas
O DESAFIO DA INCLUSÃO - Simone Viçoza 60672 Visitas
A Importância da Educação Digital no Ensino Fundamental - FERNANDO JUNIOR PEREIRA 60557 Visitas
Os Hackers, os Crackers e Nós - Max Bianchi Godoy 60413 Visitas
🔵 Noite sem fim - Rafael da Silva Claro 59279 Visitas
Jazz (ou Música e Tomates) - Sérgio Vale 59170 Visitas
🔵 Só se vive uma vez - Rafael da Silva Claro 59039 Visitas
Sete sugestões úteis para advogados: - Professor Jorge Trindade 59039 Visitas
🔴Madonna de areia - Rafael da Silva Claro 58813 Visitas
O CONTROLE É SEU - Vinicius Pereira Brito 58792 Visitas

Páginas: Próxima Última