Há uma forte analogia entre a Páscoa e o Carnaval. Páscoa é pessach e quer dizer passagem, conquanto se diga que carnaval é festa da carne, quando se olha as escolas e o povo em fantasias, há uma passagem. O anjo da morte passou pelos egípcios e israelitas; os espíritos (Exus) passam pelo Carnaval; os israelitas atravessaram o mar vermelho, as escolas atravessam a Marquês de Sapucaí; Páscoa e Carnaval ambos têm a ideia de liberdade, guardadas as devidas diferenças.
Na Páscoa havia a colheita da cevada, no Carnaval há a colheita das almas. O povo vai brincar o carnaval crendo em divertimento, mas ali muitos serão colhidos, ceifados. Como? Nessa época os terreiros não funcionam como o de costume, dando consultas a que os procura por que os espíritos como Tranca-Rua das Almas não incorporam em seus médios ou cavalos, como eles mesmos chamam, para se concentrarem nesta festa a fim de colher o máximo de almas. Como sabemos disso?
Deu-se um caso de um homem vaidoso, filho de Tranca-Rua das Almas, chefe dos Exus, recusar pegar uma folhinha que lhe fora dada por um espírito, folha de árvore mesmo. O espírito passava com um alguidar cheio de pequenas folhas onde ele soprava a fumaça de seu charuto e dava uma folhinha a cada um no terreiro e dizia para colocar no bolso. Sem saber o que significava um filho vaidoso de Tranca-Rua, olhou a folhinha de árvore defumada com desprezo, ao recusar foi admoestado pelo exu: o que é que o senhor falou, moço? Que não precisa disso, não? Cuidado por que naquela festa (Carnaval) a gente vai passar por lá, o centro aqui vai fechar, nós não vamos dar atendimento durante esses dias, não, por que a gente vai lá Fazer a Colheita, essa festa é pra isso, e a gente pode passar e não conhecer o senhor e aí ser tarde demais, a gente leva mesmo, moço! Com essa folhinha no bolso a gente passa direto pelo senhor, moço! O homem vaidoso era um desviado da casa de Deus e lembrou-se da Páscoa em que as vergas das portas eram marcadas com sangue e nessas portas marcadas com sangue o anjo da morte passaria direto.
O Carnaval acontece perto da Páscoa e não é em vão, grande é a semelhança, embora com objetivos diferentes: enquanto a Páscoa é uma saída da escravidão para a liberdade, da morte para a vida, porque o escravo é um morto-vivo, o Carnaval faz o sentido inverso, sendo uma saída da vida para a morte. É uma festa onde ocorre todo o tipo de morte, desde a simbólica, morte da paz conjugal, à morte propriamente dita, e o cardápio é próprio folião. Carnaval é a festa da morte. Uma colheita feroz.
Esse texto nada tem de profundo, mas é uma constatação, através da analogia, que muitos não percebem.
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