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Tinta vermelha
Rafaela de Oliveira Pinto Alves


Já passava da meia-noite quando notou os dedos doloridos. Quantas horas tinha ficado ali escrevendo? Três? Quatro? Doze? Havia há muito perdido a noção de tempo. Piscou com força, repetidas vezes, tentando voltar à realidade. Onde estava mesmo? Olhou em volta, reparando, pela primeira vez em horas, no cômodo em que estava. As paredes descascadas, as goteiras no teto, a mobília gasta e envelhecida lembraram-lhe de que não estava em casa. Remexeu-se na cadeira, desconfortável. Esta respondeu com um rangido irritante. Pensou em todas as coisas que andara escrevendo. Será que tinha conseguido dizer tudo? E se tinha, porque o bolo ainda não sumira de sua garganta? Onde estava o alívio com o qual tanto sonhara? A leveza? Sentia a cabeça pesar, os olhos doerem, a garganta arranhar... Sentia tudo menos alívio. Tocou a arma que pesava em seu bolso, dura e fria como gelo, seca como a morte. Ele não tinha mais dúvidas do que queria, havia chegado a hora. Ela não merecia mais viver! Não depois de tudo que havia lhe feito! Seu coração virou pedra, sua alma, cinzas. Só o que restara fora a dor. Levantou-se rápido demais, o que lhe provocou tontura. Sentiu a visão embaçar. Mas não podia desistir agora, estava tão perto de se libertar! Foi quando reparou no corpo. O corpo inerte que ao seu lado jazia, num sono muito profundo. Percorreu os olhos pelos cachos ruivos recém-pintados, descendo a visão pela testa estreita. Demorou-se nos lábios. Lábios carnudos, frescos e muito vermelhos. Vermelhos cor de sangue. Aliás, tudo nela era sangue: O cabelo, os lábios, a roupa... Como se estivesse predestinada. Lembrou de todas as vezes que aqueles lábios haviam lhe sussurrado palavras doces. Vacilou. Mas aquilo havia sido em outro tempo, em outra vida- lembrou. Aproximou-se para um último beijo. Um último adeus. Quando tocou seus lábios, um choque! Estavam frios, rígidos, nada da suavidade a qual tanto estava acostumado. Então reparou na ferida. O buraco grotesco que se abria em seu doce ventre. Mas como? Levantou-se horrorizado. Foi aí que se lembrou: da bebida, dos comprimidos, da carta. Olhou para suas mãos, embebidas em sangue seco. A tinta! Vermelha, viscosa... A tinta era sangue! O sangue dela! Desmaiou, caindo com um baque no chão.


Biografia:
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