A dificuldade em se contextualizar a psicologia no contexto hospitalar, dentro de um paradigma científico, deixou lacunas na tarefa profissional diária do psicólogo no hospital, como também na inter-relação com outros profissionais de saúde.
A psicologia hospitalar utilizou-se muito tempo, de recursos metodológicos “emprestados” de outras áreas do saber psicológico, esbarrando em dificuldades estruturais que tornaram pouco clara e confusa a prática do psicólogo.
Diante disso, fica difícil estabelecer uma forma adequada de atuação do psicólogo no contexto hospitalar, embora muitos profissionais da área tentem resolver o problema à sua maneira.
Com esse impasse, o questionamento do que é psicologia hospitalar, como inserir o trabalho do psicólogo, seus objetivos e os limites de sua prática no hospital, são questões que merecem uma análise acurada e que podem permitir uma minimização das lacunas teóricas que prejudicam o trabalho do psicólogo no contexto hospitalar.
No que concerne à prática da psicologia hospitalar, verificou-se múltiplas demandas, diferentes níveis de populações atingidas, variados recursos técnicos ou teóricos, ou seja, fragmentos em torno de um mesmo problema. Tudo isso fez com que a Psicologia adquirisse diferentes interfaces, gerando profissionais com saberes, práticas, destinações, linguagens, alianças e limites muito específicos. Os efeitos dessa pluralidade podem ser preocupantes, porque os psicológos que atuam nos hospitais podem perder seus objetivos, diluindo a assistência psicológica aos doentes e com isso aumentando ainda mais as lacunas.
Com esta indefinição do campo de atuação do psicólogo, em virtude da complexidade e pluralidade epistemológica que ampliou e diversificou os diferentes campos de ação em psicologia e em saúde, sugere-se um diálogo inter e transdisciplinar com outras categorias de profissionais, caso contrário, seu trabalho pode ser confundido com incapacidade e imprecisão. Desta forma, qualquer tentativa de contextualização de um novo campo de saber dentro da psicologia, como é o caso da referente ao hospital, precisa considerar a fragmentação de métodos e do objeto em si da própria psicologia.
Na tentativa de buscar um eixo de referência dessa pluralidade, buscou-se as origens da psicologia. No Brasil, as práticas psicológicas já existiam desde o início do século passado, mas foram regulamentadas em 1962, através da Lei n. 4.119, que definiu suas funções: a de ensinar psicologia e o exercício da profissão de psicólogo, demarcando três grandes áreas de atuação, além do ensino: a clínica, a escolar e a industrial.
Contudo, a diversidade de práticas trazidas para a nova profissão, dificultou a possibilidade de se submeter a uma problematização e confronto com outras matrizes teóricas, encaminhando-se para critérios avaliativos (e errôneos) de senso comum, criando-se até uma aura “mística” em torno dos fenômenos ou estudos psicológicos.
Conhecedor dessa diversidade de “especialidades” do psicólogo, o Conselho Regional de Psicologia elaborou um documento integrante do Catálogo Brasileiro de Ocupações do Ministério do Trabalho estabelecendo várias áreas de atuação do psicólogo: psicólogo clínico, do trabalho, do trânsito, educacional, jurídico, do esporte, psicólogo social e professor de psicologia. Com essa interdisciplinaridade de funções, o profissional é instado a responder pela especificidade do seu conhecimento na saúde mental, na saúde pública, na escola, na empresa e na fábrica. Contudo, diante de novas áreas consideradas emergentes, o psicólogo defronta-se com a desintegração entre a prática profissional e sua própria formação, apontando para um consenso: a psicologia ainda não atingiu o estágio paradigmático, pois dividida em escolas de pensamento, onde a maioria de seus membros não consegue estabelecer um consenso acerca de questões teóricas e metodológicas, apesar de tentarem buscar, acolher e rejeitar diferentes definições, sem conseguir unificar as várias posições, apresentando-se como uma ciência multiparadigmática, em que vários arcabouços teóricos estabeleceram-se com linguagens particulares, seus métodos, seus conceitos e suas comunidades.
No contexto hospitalar a psicologia enfrenta problemas de toda ordem, principalmente aos referentes a dificuldade de se aliar a teoria e prática. Seria interessante se na psicologia hospitalar o conhecimento estivesse ao lado do objeto de estudo (o ser doente, o paciente, a doença, etc), assim, o conhecimento seria construído pelos métodos, procedimentos e conceitos da psicologia hospitalar.
Busca-se assim, a elaboração de uma psicologia separada de suas raízes filosóficas e investida no rigor científico, ao desenvolvimento de novas ciências psicológicas, considerando-se a diversidade dos campos de investigação e dos métodos, convergindo para o estudo do homem em sua totalidade, sem esquecer da ética que deve conduzir os psicólogo a um exercício de questionamentos de aspectos fundamentais, abrangendo sua postura diante dos outros e de si, a moderação, a conduta, a educação, o trabalho na construção de uma subjetividade realizada e bem sucedida.
Por sua vez, a psicologia clínica é distinta das demais áreas pela maneira de pensar e atuar, pois o estudo do comportamento, personalidade, normas de ação constituem-se objeto de estudo de muitos campos da psicologia e também das ciências humanas em geral. Contudo, a psicologia clínica estuda o comportamento dos indivíduos em seus mais variados contextos, distinguindo a observação, a compreensão e a intervenção, em razão das contínuas transformações inerentes ao equilíbrio psicológico dos indivíduos.
Nos hospitais, o trabalho do psicólogo clínico nem sempre é bem sucedido, seja pelo distanciamento da realidade institucional, pela inadequação na assistência, pelo exercício do poder, ou mesmo pelas peculiaridades a que o mesmo está submetido, como aos tipos de pessoas a serem atendidas, as relações interpessoais do ambiente, aos pacientes que deve atender. Além disso, o próprio psicólogo na sua prática nos hospitais, chega muitas vezes a duvidar da eficiência de sua tarefa, devido ao que ele aprendeu na sua formação acadêmica, que não lhe proporcionou o respaldo necessário para enfrentar as situações de um hospital.
Assim, é consenso que o psicólogo deve seguir os requisitos mínimos, teóricos e práticos, para a atuação, orientação e supervisão, formação específica nas áreas clínica e hospitalar, em nível de graduação, especialização ou pós-graduação e experiência pertinente e adequada na área.
Muito se tem debatido através de pesquisas, reformas curriculares, acompanhamento dos cursos de graduação, à respeito da formação do psicólogo, combatendo-se a formação individualista e egocêntrica, onde ele permanece fechado, principalmente aos problemas referentes à sua classe e à sociedade como um todo. No campo da psicologia hospitalar muito pouco se tem feito.
É em contato com o hospital, que o psicólogo percebe a necessidade de reaprender suas práticas, que devem ser voltadas à constante investigação, ao trabalho colaborativo e articulado, porque um hospital é caracterizado por regras, rotinas, condutas específicas, dinâmicas que devem ser respeitadas, o que de certa forma, limita a atuação do psicólogo. O psicólogo no hospital, deve inserir-se nas equipes de saúde, necessitando-se de uma avaliação do aspecto teórico-prático próprio de sua função, que discrimine atividades exercidas em hospitais. No hospital, o psicólogo precisa transpor os limites de seu consultório, mantendo contato obrigatório com outras profissões, o que determina multiplicidade de enfoques ao mesmo problema e, em conseqüência, ações diversas.
O trabalho em equipe num hospital tem de funcionar de maneira uniforme e colaboradora e o resultado dessa relação deve atingir sempre, o paciente. Neste dinâmica, o psicólogo deve inserir suas avaliações e seus atendimentos, respeitando e sendo respeitado por outros membros, sempre atento às normas internas.
A atuação do psicólogo num hospital não deve sempre estar limitada à atenção direta aos pacientes, mas a tríade paciente-família-equipe de saúde, no qual o mesmo deve fundamentar a sua atuação profissional. Outrossim, deve-se levar em conta que esta atuação abrange uma multiplicidade de solicitações: tentativas de suicídios, pacientes terminais, pacientes que não aceitam tomar a medicação, ora um familiar desestruturado, ou mesmo, um membro da equipe de saúde “estressado”.
É nos hospitais que são reconhecidos os transtornos mentais orgânicos, causados por drogas utilizadas no tratamento de doenças primárias, complicações psiquiátricas de doença orgânicas, e vários outros distúrbios psicossomáticos. O doente, torna-se psicologicamente frágil, pois se confronta com os conflitos entre a vida e a morte. Dessa forma, surge o medo, estimulando a produção de fantasias irracionais que afetam o comportamento do doente.
Esses exemplos, servem ilustrar a enorme amplitude de situações as quais o psicólogo está exposto, e para enfrentar tudo isso, ele deve estar preparado com formação específica, objetividade e coerência que abrangem reformulações teóricas e metodológicas.
Outro fator importante que afeta o trabalho do psicólogo hospitalar é o local de trabalho, que passa a ser diferente do ambiente do consultório tradicional, e passa a ser entre macas, no pronto-socorro ou no centro cirúrgico e nas enfermarias. Com essa reformulação do seu ambiente, o psicólogo precisa estar preparado para o desenvolvimento de suas tarefas assistenciais, e o que ocorre? Ora, a estimulação dessas relações, o incentivo à troca de sentimentos entre o grupo do qual o psicólogo faz parte, como também, o exercício de apreensão de suas necessidades psicológicas aliadas à situação de doença e hospitalização do paciente. Desta forma, é interessante ressaltar que não pode haver o distanciamento ou incompreensão do psicólogo das verdadeiras necessidades de sua tarefa.
No contato com o paciente enfermo, o psicólogo hospitalar lida com sofrimento físico sobreposto ao sofrimento psíquico, e pode sentir-se deslocado de seu campo de atuação. Outrossim, o psicólogo defronta-se com a crueldade da fome, da violência, da miséria, da injustiça social e muitas vezes pode dar respostas incompatíveis à realidade, porque sua formação foi mais teórica e sua prática está restrita aos consultórios.
É interessante constatar também, que a psicologia, que pressupõe o estudo da relação do homem com o mundo, praticamente desconsidere, o estudo da morte, ao qual a mesma se mantém distanciada. A necessidade de atendimento psicológico, nestes casos, é bastante procurada, e como o profissional pode resolver isto? Ressalte-se aqui, a necessidade do caráter preventivista da prática do psicólogo no hospital. Esta prática pode evitar dissabores para o psicólogo, porque ele pode prevenir e saber atuar com base em experiências que vai adquirindo ao longo do tempo.
A prática da psicoterapia também pode ser aconselhada, porque ela pode trazer ao paciente, a possibilidade uma adaptação ao seu estado doentio, e é especialmente indicada para situações em que o estado psicológico atual do paciente mostra-se diretamente relacionado com eventos da vida recente, geralmente de natureza traumática, como a situação de doença e hospitalização.
O aspecto “morte” é uma constante nos hospitais. O hospital é a instituição marcada pela luta constante entre a vida e a morte, que, sempre alerta, sempre presente, curiosamente exercitando uma batalha constante diante das condutas terapêuticas, tensionando o profissional de saúde que deve estar sempre preparado para a melhora, para a cura, mas sempre angustiado frente à morte.
É neste contexto que o psicólogo atuará, contaminado pela visão de morte, despreparado e com formação especialmente voltada a construtos de vida e princípios de prazer. Estaria o psicólogo preparado para trabalhar neste contexto? Ao admitir a morte como componente de sua própria realidade, pode despertar no psicólogo as mesmas vivências, ferindo seu narcisismo e a sua onipotência e colocando-o diante do incompleto e do não-terminado. Assim, a posição do psicólogo diante da morte e do morrer, pode significar a tomada de consciência de sua própria finitude, de seu limitado período de vida. Ao contrário, pode reforçar seus medos, exacerba seus mecanismos de defesa e aliena-o da responsabilidade para com a sua própria existência. Outrossim, ao reconhecer as questões que envolvem a morte e o morrer torna-se tarefa difícil, porque sempre o psicólogo reporta aos seus sentimentos, questionamentos e sobre a sua própria mortalidade e até, da sua própria vida.
No caso de morte, o psicólogo hospitalar deve estruturar um trabalho de psicoterapia breve, enfatizando-se a crise da morte e da perda e a atuação deve se dar ao nível da comunicação, reforçando o trabalho estrutural e de adaptação dos pacientes e familiares ao enfrentamento da crise.
A significação da Psicologia no contexto hospitalar tenta firmar-se como uma nova especialidade na psicologia, mas precisa definir novas perspectivas teóricas que redimensionem esse saber emergente. Ao tomar de “empréstimo” outras áreas afins, como Ciências, Medicina, Biologia e Filosofia, a psicologia tem se distanciado da própria psicologia, pois ao operar em dinâmicas mais determinadas, mais exatas e mais claras, o erros tendem a diminuir e a probabilidade de êxito aumenta, conferindo uma falsa sensação de independência e de sucesso. O que se observa é que tudo isso, gera mais fragmentação na psicologia, e em muitos casos, aquilo que poderia ajudar, nortear, dar algum significado tem confundido o profissional, levando-o a tentar resolver o problema à sua maneira, de forma isolada, buscando alternativas na tarefa sem a rpecisa avaliação metodológica.
Neste ponto, ao buscar significar a psicologia no contexto hospitalar, o psicólogo pode seguir dois caminhos: o psicológico e o social. Na primeira, a necessidade de demarcação de um caminho distingue-se pela consideração da psicologia e da psicologia no contexto hospitalar, em seu sentido mais amplo, pois o fenômeno do adoecer e infinito em suas possibilidades. Assim, é que a psicologia determina seu papel no contexto hospitalar, partindo da premissa de que a integração dos conhecimentos deve transformar-se numa tendência e explicá-los. Pressupõe também, o estabelecimento de conexões entre vários fatos ou vários grupos de fatos, referindo uma série de fenômenos, definindo-se a causalidade desses num mesmo domínio.
O novo enfoque da psicologia hospitalar refere-se a uma mudança de estratégias na forma de prover saúde, em seu sentido mais amplo, como também, otimizando o trabalho interdisciplinar, visando a integração das ciências médicas e sociais, estreitanto os vínculos das vertentes assistenciais, de formação e investigativas.
Para atender a demanda dos psicólogos hospitalares é importante lançar mão de recursos teórico-metodológicos disponíveis, emprestando de outras áreas da psicologia ou da medicina conteúdos para implementar suas intervenções. Com estas considerações, pode-se dizer que os psicólogos são protagonistas de um novo pensar em saúde, definidos pela abordagem holística inerente à psicologia, na solução dos problemas mais relevantes da saúde contemporânea, mas, conservando a essência da psicologia e ampliando a atuação do psicólogo em áreas de promoção da saúde e prevenção de doenças.
|