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Casamento: Da TPM ao VIAGRA - 4 PERSONAGENS
Alcir Nicolau Pereira

Resumo:
RESUMO DA PEÇA: Tudo se passa em uma sala de estar de uma residência onde mora um casal com dois filhos (guria e guri) Os problemas que ocorrem são aqueles comuns numa família brasileira
1.     Monólogo do homem: As queixas do marido em relação às broncas da esposa e as TPMs que acometem as mulheres.
2.     Monólogo da mulher: As broncas da mulher, em relação as coisas que o homem faz no banho, com a roupa suja A conversa do casal (conversa em certos momentos picante)
3.     Mulher quer novas experiências sexuais.
4.     As desavenças de irmãos: As brigas dos filhos.
5.     A semântica da família: As conversas, onde as mulheres se entendem dentro de casa e os homens não.
6.     As broncas do pai: Com filhos e namorado da filha quando a mãe compra um colchão de casa para os dois.
7.     As diferenças homem x mulher: Quando falam ao telefone.
As cenas vão se desenrolando de acordo com o humor de cada um. Existem queixas, afirmações e situações que ocorrem com um casal com filhos e seus problemas: as mazelas, os ranços, os carinhos.

Inspirada em contos publicados pelo autor, no Livro CONTOS PARA BISOLHAR; e em contos publicados no Jornal Tal & Qual e RS Letras.

PERSONAGENS: em nº de quatro
1.Zé Henrique - (Marido)
2.Gertrudes - (Mulher)
3.Chiquinha – (Filha adolescente)
4.Romário – (Filho adolescente)

AMBIENTE ÚNICO
1. Sala de estar de uma residência. Neste local existem quatro saídas/entradas:
•Entrada/saída 1: Interior da casa - (Sem porta) Lado esquerdo do palco, por onde entra e saem os personagens que vão à parte intima da casa.
•Entrada/saída 2: Banheiro - (Com porta) Fundos do palco.
•Entrada/saída 3: Quarto filha - (Com porta) Fundos do palco.
•Falsa porta e falsa janela: Lado direito do palco.

2. Poltrona 3 lugares (Com almofadas, cobertor em cima, latinha vazia de cerveja e controle remoto de TV embaixo do cobertor).
3. Poltrona 1 lugar
4. Mesinha ao lado da poltrona {várias revistas em cima)
5. Mesa ou similar (com telefone sem fio), Rádio. Uma sineta e um pacotinho tipo de presente (contém Viagra) e um copo com água}.
6. Outros móveis de acordo com necessidades ou para fazer ambiente.
7. Aparelho de televisão, em um dos cantos da sala. Este aparelho (pode ser somente o móvel externo de uma TV) está de costas para o público. Dentro pode-se colocar sistema de luz como se a televisão estivesse ligada.
8. Material adicional: Latinhas cerveja, copo, duas maças, bandeja com pratinho de salgadinhos (que fica na coxia), revista normal, revista mulher pelada na sala e no banheiro, cobertor, travesseiros, pacotinho de presente.


Cena 1 – Monólogo do homem
Personagem em cena:
•     Zé Henrique

•     AO ABRIR AS CORTINAS A SALA ESTÁ VAZIA.
•     APARELHO DE TELEVISÃO ESTÁ LIGADO.
•     ZÉ HENRIQUE ENTRA NA SALA. ESPREGUIÇA-SE. OLHA O TELEVISOR.

Zé Henrique olha televisor
Televisão ligada! Tá certo, a luz quem paga é o trouxa aqui. Ninguém esta assistindo. (PAUSA) Mas querem ver uma coisa? Basta eu sentar pra olhar meu programa preferido e lá vem alguém querendo cortar meu barato. Ou os filhos, ou a dona Gertrudes, minha mulher, sargentona desta casa.

Zé Henrique indo ao televisor.
Isso é coisa da Chiquinha. Minha filha é assim. Liga a TV, mas quando chega aquele filho da mãe do namorado, ela se tranca no quarto. (PAUSA - PENSA) Será que ele já está aí? (APONTA PARA QUARTO) Sei lá! O desgranido vem e vai. O filho da mãe parece um ioiô. Vai e vem! Vai e vem! Me preocupa é o vai e vem na horizontal lá no quarto (FAZ GESTO COM A MÃO IMITANDO SEXO) Isso aqui parece a casa da mãe-Joana. Mãe-Joana! Pois sim! (APONTA O DEDO PARA O PEITO) Casa do João-Bobo. Ou Zé Henrique bocó. Além disto, aquele safado faz todas as refeições aqui. Come na mesa e come lá. (APONTA QUARTO DA FILHA)

Zé Henrique tenta trocar de canal.
Tem mais. Ele faz piadas sobre o meu time, toma a minha cerveja. E o pior é que não aguento o olhar de tarado pra guria. E quando eu falo, a dona Gertrudes, a sargentona, vem e diz que isso é moderno. Moderno? Pois sim! Agora namoro é um tal de namorido. Na-mo-ri-do, que é uma cruza de namorado com marido. Pode isso? Na verdade esta bandalheira é pura safadeza. Namora pra isto (FAZ GESTO DE SEXO), sem as responsabilidades de botar comida na casa. Coisa moderna uma pinóia.

Zé Henrique vai à passagem para interior da casa.
Até colchão a sargentona fez com que eu comprasse. Eu falei que o colchão seria de solteiro. Para o sacana dormir lá nos fundos, onde está cheio de mosquito. (PAUSA) Sabem o que a Gertrudes respondeu sem pestanejar: (IMITA VOZ DE MULHER) Vai ser colchão de casado! E o namorado dela vai dormir no quarto da Chiquinha. (PAUSA – VOZ DE HOMEM) E para completar jogou sujo. (IMITA VOZ DE MULHER): E se o filho fosse teu? E o pai da namorada dele mandasse nosso filho dormir num quartinho sujo e cheio de baratas? (PAUSA). Nosso querido filho não. (VOZ DE HOMEM) Fiquei quieto! O que mais podia dizer! (PAUSA) Mas é diferente, na filha da gente nada né, na dos outros, (SACODE OS OMBROS) eu com isso. O pai dela que cuide da cabrita dele que o meu bode anda solto. (PAUSA) Ah! Tem outra! Disse na hora: não vou comprar colchão de casal porcaria nenhuma! (ÊNFASE) Só por cima do meu cadáver.

•     BARULHO NA COXIA – LADO ESQUERDO
•     ZÉ HENRIQUE SE ASSUSTA E CAMINHA PELA SALA

Zé Henrique
Será a jararaca? É melhor esquecer! Já chega as incomodações com a sargentona. (PAUSA) Ontem fui fazer a barba. Sabem o que aconteceu? A Gertrudes tinha se depilado com minha gilete. Depilou as axilas, as pernas e as virilhas. Quando fui fazer a barba, a gilete tava cega. Me ralei todo! (PAUSA) Ela e a filha me matam. (PAUSA) E Quando vamos sair, nem me falem! Elas ficam andando pra cá e pra lá, e o trouxa aqui esperando. (IMITA VOZ DE MULHER) Pai, tenho que fazer xixi! Benhê, espera que vou tomar água! Espera cinco minutos. Cinco minutos! (PAUSA) Mas agora estou me vingando. Quando vamos sair, eu me sento à frente da tv. Só levanto quando as duas estão dentro do chevete. (PAUSA – OLHA PRA PLATÉIA) Sim, tenho um chevete. E daí? (PAUSA) Finjo que não vejo que elas estão no carro. Deixo as duas gritarem umas dez vezes. Daí, fecho a porta da casa, e entro na porcaria do chevete. (ESFREGA AS MÃOS). Vingança, meu nome é vingança. (DÁ RISADA)

•     ZÉ HENRIQUE CAMINHA PELO PALCO – VAI À FRENTE DO PALCO

Zé Henrique
Depois de tudo isso tenho que aguentar os chiliques. As malditas fases da mulher? Sabem quais são? Nós, homens, sabemos! T... P... M (PAUSA) Elas têm esses trecos e nós é que pagamos o pato. (PAUSA) Tem a fase meiguinha. Fácil de identificar. Ela fica dengosa, pegajosa, grudentinha. Uma sarna mesmo. Se a gente está assistindo ao futebol, ela te abraça por nada, fala com vozinha de criança e com as palavras tudo com inho: (IMITA VOZ DE MULHER) Amorzinho, fofinho queridinho, bizuquinha. (VOZ DE HOMEM) O que será que é bizuquinha? Vê se pode! (PAUSA) Quando a gente pensa que tá tudo legal? Lá vem mais. De repente ela diz: (IMITA VOZ DE MULHER) Zé Henrique! Amor, eu quero um sorvete de chocolate, com mahsmelon e pitadas de amora. Busca pra mim? Busca, benhê? (VOZ DE HOMEM) Saco! Até que sorvete é legal. (PAUSA) Mas, às três da madrugada? E onde vou arrumar essa porcaria de amora? (PAUSA). Outro dia, às duas da madrugada, pediu pra beber água mineral. (PAUSA) Sai da cama com um frio de lascar e levei a água. Ela me olhou e disse: (IMITA VOZ DE MULHER) Quero sem gás, viu! (VOZ DE HOMEM) Pode isso? Aí lembrei que não tinha água sem gás em casa. Sabem o porquê não tinha? Quando fomos ao supermercado eu quis comprar água mineral sem gás. Ela logo falou: (IMITA VOZ DE MULHER) Zé Henrique! Eu já não falei que água é com bolinha? Tu sabes que eu só bebo água com gás. (VOZ DE HOMEM) Comprei água com bolinha, a pedido da jararaca. E agora ela queria água sem bolinha! Onde eu ia conseguir água sem gás? (PAUSA - RI) Sabem o que fiz? Peguei uma garrafa de água com gás e sacudi até o raio do gás sair. Funcionou, porque ela não reclamou. (PAUSA) É assim mesmo! Pra qualquer destas coisas, se eu me nego, ela faz carinha de dengues. E o beicinho? (PAUSA – CARA DE SAPECA) Hunnnnn, o beicinho! (ESFREGA AS MÃOS) Já saiu coisa boa depois destes famosos beicinhos. (RI) Mas, neste momento temos que ficar atentos, pois é o sinal de mudança de fase. É quando inicia o temperamento depressivo. A coitadinha fica sensível, sensível. Fica dodói por qualquer coisinha.

•     ZÉ HENRIQUE CAMINHA PELO PALCO

Zé Henrique
É o início da famigerada fase dois. Sabem como é? Não sabem? Pois é outro inferno que os homens têm que aguentar. Elas se emocionam com qualquer coisa. Querem ver? Ontem aconteceu uma boa. Ela estava no banheiro e gritou: (IMITA VOZ DE MULHER) Zé Henrique? (VOZ DE HOMEM) O bobo aqui, imaginando coisa grave, correu pra lá. Ela está de pé olhando para o chão. Olhei e enxerguei um raio de uma toalha molhada. Uma porcaria de uma toalha. Quase enlouqueci, a Gertrudes apontava a toalha e chorava. (VOZ DENGOSA DE MULHER) Não parece um bebezinho? (PAUSA - VOZ DE HOMEM) Procuro a tal de bebezinho. Não vejo nada. A não ser uma porra de uma toalha suja e molhada no chão. Ela me olhou raivosa e aos prantos pegou carinhosamente a toalha e disse: (IMITA VOZ DE MULHER) Nana nenê, nana nenê que o bicho vem aí. (VOZ DE HOMEM) Só faltou ela dar de mamar à toalha. (GRITANDO) Mas vai ela entender que para mim aquilo era apenas uma toalha toda enrolada, amassada e molhada, porque alguém se enxugou nela. Para nós, homens, aquilo é o raio de uma toalha molhada. Mas pra ela, não. É um bebê. E chora emocionada.

•     ZÉ HENRIQUE MEXE NA TELEVISÃO

Outro dia apareceu na televisão uma reportagem onde um leão corria atrás de um macaquinho. Pronto! A Gertrude pulou no meu colo e choramingando sacramentou a fase sensível (IMITA VOZ DE MULHER) Corre macaquinho, corre macaquinho! (VOZ DE HOMEM) Vou confessar, fiz cara de pena do macaquinho, mas torci para que o leão pegasse aquele macaco desgraçado. (PAUSA) Mas tem mais. O ápice desta fase é quando ela chega e diz: (IMITA VOZ DE MULHER) Beennhê, tu não achas que eu estou ficando enorme de gorda? (VOZ DE HOMEM) O problema não é a frase, mas sim a entonação. Ao em vez de dizer estou ficando gorda, já diz: estou gorda. E fico eu pensando: digo ou não digo algo sobre a gordura dela. Se falo que está gorda ela diz com voz dengosa: (IMITA VOZ DE MULHER) Tu não me ama mais. (PAUSA - VOZ DE HOMEM) Se não falo nada, ela diz: Se fosse a boazuda aí do aldo eu notava, não é? (VOZ DE HOMEM) O que tem que ver a boazuda... quero dizer... a vizinha do lado com nossa conversa? (PAUSA) Nunca olho pra ela. Ontem, por exemplo, quando ela estava de vestido curto azul com bolinhas amarelas, eu nem vi. Nem enxerguei a blusa decotada! Quem é que notou que a vizinha pintou o cabelo? Eu não! Eu não! (PAUSA) Mas, vamos ao que interessa! Quando mulher pergunta se está gorda, realmente não existe resposta. (OLHA A PLATÉIA) Se alguém souber, me conta o segredo. (PAUSA) Com estas atitudes começa a pior e mais perigosa fase da TPM. A famigerada fase explosiva.

•     ZÉ HENRIQUE CAMINHA PELA SALA

Zé Henrique
Eita fase danada. Nem Deus de mete nesta bronca. E o diabo, nestes dias, se esconde no quinto dos infernos. Querem um exemplo? Tu chega em casa e ela está de robe, pantufas. (RI) Aquelas pantufas ridículas com um gatinho no bico. (PAUSA) Alem das pantufas ela está com uns malditos bobs na cabeça. (PAUSA) A cara, então, não é das melhores. O beijo é bem rápido, seco e sem língua.

•     ZÉ HENRIQUE MEXE NA TELEVISÃO

Zé Henrique
Ela faz tudo isso sem tirar os olhos da tv. Aí a gente cai na asneira de perguntar: Tá tudo bem? A resposta é curta e seca: (IMITA VOZ DE MULHER) Tá! (VOZ DE HOMEM) Sem olhar na nossa cara. Inocente a gente pergunta: tem certeza? Ela responde com um rosnado cavernoso: (IMITA VOZ DE MULHER) Teeenhoooo. (VOZ DE HOMEM) Bom, nesta hora a gente deve desconfiar que ela não está a fim de papo. De repente ela grita: (IMITA VOZ DE MULHER) Merda, viu! (VOZ DE HOMEM) E tu, inocentemente pergunta: bem, que foi? Pronto! É gatilho pra fase explosiva. (IMITA VOZ DE MULHER) Tu não liga pra mim! Tá vendo que eu tô aqui quase chorando e tu não pergunta o que eu tenho! Claro! Tu só pensa em ti mesmo. Ah! Se teu dia foi uma bosta lá no serviço? Sabe de uma coisa? O meu também! E nem por isso eu fico aqui me lamentando pra ti. (VOZ DE HOMEM) Aí ela manda mais: (IMITA VOZ DE MULHER) Para de me olhar com essa cara que tu faz só pra me irritar, Zé Henrique. Sabes por que estou de robe? Pois te digo: aquele vestido que tu compraste pra mim ficou apertado! Eu até acho que foi indireta tua pra dizer que eu estou gorda. Tu só pensa em ti, não quis ir comigo no shopping trocar essa porcaria! Ah, não quero nem lembrar de shopping. Quando tu resolve ir, fica todo o momento dizendo: vamos embora! Vamos embora! Vamos embora, que tô com dor nas pernas. Dor nas pernas! Pra jogar bola tu não sente nada. (VOZ DE HOMEM) E o que posso fazer? Ficar quieto, bem quietinho. E ela continua com a sua TPM. (IMITA VOZ DE MULHER) Ontem o vizinho, aquele tarado do 26 assoviou pra mim. Por que tu não estavas comigo naquela hora pra me defender! Hein, Zé Henrique? Não precisa dizer! Já sei! Tu tava com alguma vagabunda de tuas colegas de trabalho. Só pode ser aquela loira sirigaita mesmo! Loira! Pois sim, uma oxigenada! (PAUSA) Nem pra ir buscar uma porcaria um chocolate tu presta, não é Zé Henrique. Tu me irrita! Vai embora antes que eu faça alguma besteira. Some da minha frente! (VOZ DE HOMEM) Desnorteado, a gente tenta dar um beijinho de boa-noite e quase leva um bofete. À noite ela dorme Na posição 96. Sabem o que é posição 96? É o contrário daquela outra. Ou seja, o casal dormindo um de costa para o outro. Isto é, os dois de bunda. Se tentamos algo, só se ouve um resmungo. Daí, a gente que não é bobo se ajeita na cama e dorme. Quando acordamos, ela fica deitada. Pra não complicar o homem sai e vai trabalhar na Santa paz. (PAUSA) Anrã! O pior está para vir. Isso tudo é a encenação para a fase da cólica. Meus Deus! O corpo humano da mulher é diferente do homem: cabeça, tronco, membros e... cólicas.

•     ZÉ HENRIQUE CAMINHA PELA SALA SACUDINDO A CABEÇA

Zé Henrique
A fase da cólica começa bem no meio do expediente de trabalho. O telefone toca na minha sala e eu tenho arrepios. Corro e atendo. É que, se alguma colega atender e a minha mulher estar nesta fase da TPM, coitado de mim. Quando identifico no bina a chamada, ela, com uma voz chorosa vai logo avisando: (IMITA VOZ DE MULHER) amor, estou com uma cólica que nem consigo caminhar. Foi só colocar os pés no chão, me subiu uma dor de baixo pra cima. Nem me levantei ainda! (VOZ DE HOMEM) Preocupado aviso no serviço e volto ao lar. Para minha surpresa ela me recebe mais dócil e superamável. (PAUSA) E faz uma cara de coitada, como se nada tivesse acontecido na noite anterior. Sem perguntar vou à farmácia comprar um remédio pra cólicas. (PAUSA) Tu sai pra buscar o tal antispasmódico. Quando chego com o medicamento ela pega o vidrinho e fala toda melosinha: (IMITA VOZ DE MULHER) Isso eu não quero, prefiro um chazinho! (VOZ DE HOMEM) E eu caio na asneira de perguntar qual chá. E ela diz: (IMITA VOZ DE MULHER) Quero um chá de folhas de boldo, folhas de cidreira, folhas de laranjeira e um pouquinho de jurubeba. (VOZ DE HOMEM) Ju-ru-be-ba. Pena que não tenha supositório de jurubeba. E ela acrescenta: (IMITA VOZ DE MULHER) sem açúcar, só com adoçante, viu Zé Henrique. Açúcar me causa gases. (VOZ DE HOMEM) Gases, pois sim. Pacientemente saio à procura destas plantas. Duas horas depois eu venho que as folhas pra fazer o chá. Ela diz: (IMITA VOZ DE MULHER) Amor, não coloca jurubeba não. (VOZ DE HOMEM) Justamente a jurubeba que fui encontrar a vinte quadras de casa. (PAUSA) Fico quieto, pois me parece que ela esta um pouquinho melhor. Com isso fico pensando o que será que aconteceu?

•     ZÉ HENRIQUE VAI À PORTA DE ENTRADA – ESPIA - VOLTA

Mas a parte pior, o ápice mesmo, é quando ela cisma com alguma coisa. A simples troca de uma lâmpada. Haja saco pra aguentar. Elas começam com a clássica frase: (IMITA VOZ DE MULHER) Eu sou sozinha nesta casa. Ninguém sabe como trocar uma lâmpada! Nem os filhos, nem o incompetente do meu marido. É um bando de imprestável. Na verdade eles ficam vendo televisão e nem percebem que a lâmpada queimou! Esses inúteis ficam no escuro por três dias antes de notar que a bosta da lâmpada queimou! (VOZ HOMEM) Eu não troquei a lâmpada pois achava que a luz estava apagada por causa da dor de cabeça dela, que a TPM causa. Aí ela contínua. (IMITA VOZ DE MULHER) Quando notam, vão passar mais cinco dias esperando que eu troque a porcaria da lâmpada. Eles acham que eu sou a escrava aqui da casa. Dois dias depois se dão conta de que eu não vou trocar a porra da lâmpada. Sabem porque? Eles não sabem que as lâmpadas novas ficam dentro da merda do armário da cozinha. Na verdade, nem lembram que temos que comprar lâmpadas. Mas se, por um aborto da natureza, os infelizes encontrarem as lâmpadas novas, sabem o que acontece? Arrastam a poltrona da sala até a lâmpada queimada e arranham todo o chão. A cambada não é capaz de saber onde a escada fica guardada! (VOZ HOMEM) Como vou saber da escada. Ela vive emprestando pra vizinhança! (PAUSA) Aí ela inventa de trocar, só pra justificar a TPM, E fica falando: (IMITA VOZ DE MULHER) Então sou eu mesma que vou trocar. Sou independente, vou lá e troco! (VOZ DE HOMEM). E eu, que não sei de nada e recém-estou chegando, ela fuzila: (IMITA VOZ DE MULHER) Zé Henrique! Some da minha frente! (VOZ DE HOMEM). E eu saio, né! Não sou bobo.

•     ZÉ HENRIQUE CAMINHA PELA SALA SACUDINDO A CABEÇA

Mas graças a Deus, de repente ela muda de gênio. (PAUSA) Acho que ela se livra da possessão do capeta! A paz reina novamente. (PAUSA) Parece mentira, mas uma colicazinha doma o monstro e a gente volta a ser um casal feliz. (PAUSA). Bom, não vamos exagerar. Elas ficam legais duas semanas até nova crise.

•     ZÉ HENRIQUE CAMINHA PELA SALA – OLHA TV DE PERTO

Zé Henrique
Mas tem outras coisas de mulher que irrita. É a semântica do palavreado feminino. Quando a mulher usa o termo (IMITA VOZ DE MULHER) Está tudo bem (VOZ DE HOMEM) é que o perigo está por chegar. É uma das mais perigosas frases que elas falam. Tudo bem significa que elas vão pensar muito antes de decidir como, quando e quanto nós vamos pagar por alguma coisa que elas acham que fizemos. A pior palavra de todas é quando ela diz (IMITA VOZ DE MULHER) Esquece (VOZ DE HOMEM). Na verdade ela está dizendo: foda-se, foda-se.

•     OUVE-SE - EM OFF - BARULHO DE ALGO CAINDO – LADO ESQUERO
•     ZÉ HENRIQUE CORRE ATÉ PORTA LADO ESQUERDO

Zé Henrique com medo
Será que a megera me escutou falando estas coisas.

•     ZÉ HENRIQUE FICA BREVE TEMPO ESCUTANDO NA PORTA ESQUERDA - CAMINHA PELA SALA - VAI À FRENTE AO PALCO E OLHA PLATÉIA

Zé Henrique
Ah! Já ia esquecendo da história do colchão. Aconteceu no sábado! Eu estava em casa fazendo nada como é de costume. Claro, é minha folga. De repente toca a campainha. Espio pela janela e vejo um caminhão de entregas. Penso: se o caminhão está bem à frente da minha casa, deve ser algo pra nós! Fiquei imaginando o que seria? (PAUSA) Eu não tinha comprado nada! Vai ver que é coisa da Gertrudes. Espiei pela janela. Os caras vieram com um colchão novinho em folha. Quase desmaiei. Na verdade era uma cama e um colchão de casal. De casal, entenderam? Ai! Ai! Ai! (PAUSA) Fiquei de tocaia. Eles apertam a campainha e entraram com o raio do colchão. E com a cama, de casal é claro. Perguntei se tinham certeza que era aqui. Com uma cara mais do que sem-vergonha eles afirmaram que era. Fui indicando o caminho do meu quarto. (PAUSA) Coisa de casal só pode ser pra Gertudres e eu. Cama de casal é em quarto de casal. Casal casado, não é? Quando falei pra ela abrir a porta ela gritou: (IMITA VOZ DE MULHER) espera aí, este colchão não é pra nós. (VOZ DE HOMEM) Me assustei. Pra quem seria? Aguentei firme. (PAUSA) Sabem onde a desgranida da mulher mandou colocar o raio do colchão e a maldita cama? No quarto da Chiquinha. (PAUSA) No quarto da nossa filha Chiquinha! Foi quando um dos entregadores me olhou com uma cara safada e perguntou: (VÓZ ROUCA) Patrão! Onde coloco a cama de casal? O que eu poderia responder? Enfia esta porcaria no... no... só não disse porque o brutamontes me olhou de cara feia. Falei bem fraquinho: Coloque no mesmo lugar onde colocaram o colchão de casal. Quando os entregadores foram embora, disfarcei, e na esperança de ter uma resposta que me alegrasse, perguntei pra quem era a cama e o colchão. E a dona Gertrudes repetiu num ranço só: (IMITA VOZ D MULHER) é pra nossa filha! (PAUSA) Perdi a batalha. O filho da puta do namorado da minha filha vai dormir aqui em casa. (PAUSA) Dormir. Pois sim! Aquele viado tá é comendo esta guria. E eu que pago o pato. Pagar o pato! Pois sim! Vou é pagar o colchão! E a maldita cama. (PAUSA) Só tenho que esperar os carnês da loja. (PAUSA) Eu é que vou pagar as prestações! (PAUSA) É o pago e pegue! Eu pago e ele pega minha filha. (COMEÇA A TREMER DE RAIVA – FALA CONSIGO MESMO) Te acalma, Zé Henrique, te acalma, olha as coronárias. (PAUSA) Tá certo, não posso enfartar. Se morro, quem vai pagar estas porcarias de colchão e cama?

•     ZÉ HENRIQUE CAMINHA PELO PALCO E VAI SE ACALMANDO - MEXE E DÁ PANCADINHAS EM CIMA DA TV

Zé Henrique faceiro
Domingo é folga. Adoro domingo. Cervejinha, televisão, futebol no canal dos esportes. Ah! Poltrona! Papo pro ar! Preguiça! (PAUSA) Será?

ZÉ HENRIQUE LEVANTA E CAMINHA PELA SALA

Zé Henrique muda de humor
Domingo! (PAUSA – MUDA DE HUMOR) É uma droga. Tá certo, eu disse que é legal. Mas pode se tornar um pesadelo. Primeiro: o domingo é a ante-sala da segunda-feira. Chefe chato! Ônibus. (PAUSA) Pensam que vou dar o vexame de ir de chevette para o serviço? Nunquinha! Vou é de condução com motorista particular. Isto é, de ônibus. (PAUSA) Viajar de pé! Segundo: o domingo é uma droga mesmo. Daqui a pouco vem a jararaca da minha mulher. Na certa vai querer assistir àquele gordo que só e gordo do umbigo pra cima. (OLHA PARA PÚBLICO) Quem? Aquele que não deixa ninguém responder as perguntas. Orra, meu! (PAUSA) A Gertrudes se julga dona da tv. (PAUSA) Pois hoje não vai ter. Vai ser futebol ou rebento esta tv. (PAUSA) Rebento nada, depois quem paga o prejuízo sou eu. Pago a prestação da TV, pago o maldito colchão e a porcaria da cama. (PAUSA) Ah! Tem mais. Dia de folga tem as tarefas impostas pela sargentona. Uma ditadora cruel. Vive me enchendo o saco, (IMITA VOZ DE MULHER) Zé Henrique, troca a lâmpada do quarto que queimou. Zé Henrique arruma a tomada do ferro elétrico! (VOZ DE HOMEM) Ferro é o ela vai levar hoje à noite. (IMITA VOZ DE MULHER) Se tu não trocar não passo a tua calça. (VOZ DE HOMEM) Pode até não passar, eu vou com elas amarrotadas mesmo. (PAUSA) A desgranida espera eu ligar a televisão pra pedir coisas. (IMITA VOZ DE MULHER) Zé Henrique, ajeita o carro na garagem. Amanhã eu levanto cedo e não posso colocar o lixo na rua. (VOZ DE HOMEM) Lixo! Eu vou é colocar a desgramada no lixo. O perigo será o lixeiro devolver esta jararaca. Ou a prefeitura me multar por não colocar as coisa no lugar certo. Ainda mais se for dia de coleta de lixo especial. (DÁ RISADA) Ou lixo orgânico, isso sim. (PAUSA - PENSA – SE ARREPENDE DO QUE DISSE) Não, na verdade ela ainda tá muito apetecível. (RI E SACODE OS OMBROS). Já cansei de olhar a Gertrudes e dizer: não tem tu, vai tu mesmo. (PAUSA- PENSA – OLHA PARA SI) Também olhem pra mim! Nós nos merecemos!

•     ZÉ HENRIQUE CAMINHA PELO PALCO

Zé Henrique
Ela vive reclamando que eu largo as cuecas em todo lugar. Me digam! Quem me ensinou isso? Mamãe! Minha mãe! Que é mulher. (PAUSA) Os homens são vítimas eternas das mulheres. A mãe nos ensina que mulher faz tudo para o homem. E as esposas quebram este encanto. Não querem que a gente faça aquilo que aprendemos com a mãe da gente (PAUSA) A Santa Mãe, que é mulher! (PAUSA) Depois tem a filha! Ela se tranca no quarto com o namorado. Coisa que não concordo, mas a Gertudres me corta toda vez que eu falo. Ela esquece que, quando namorávamos, eu queria ir pro quarto dela, e ela não queria ir. Que droga!

•     ZÉ HENRIQUE CAMINHA PELO PALCO -ARRUMA AS CUECAS ENFIANDO AS MÃOS PELA CINTURA

Zé Henrique
Se fico com mesma cueca três dias, lá vem bronca. Se tiro a cueca, lá vem bronca! (IMITA VOZ DE MULHER) Zé Henrique, bota esta cueca imunda na roupa suja. (VOZ DE HOMEM) O pior é quando não puxo a descarga no banheiro. (PAUSA – DÁ RISADINHA) Uma vez, quando fui ao banheiro, dei descarga umas dez vezes. O raio do negócio ia até o fundo. Quando eu ouvia um barulho, lá estava o treco de volta. Parecia um io-iô. Sabem como é. Vai e volta. Volta e vai. Ia lá no fundo e regressava triunfante à tona. Parecia que a porcaria queria respirar. Na última ele foi água abaixo. Sai descansado. Não levou dois minutos a sargenta gritou: (IMITA VOZ DE MULHER) Zé Henrique, vem cá. Vem ver teu submarino que voltou à tona! (VOZ DE HOMEM) E o pior, a voz indicava que ela estava no banheiro. Pois fui. Quando entrei, ela apontava o vaso. Olhei e lá estava o raio do torpedo boiando. Mirei aquela bosta de cocô e gritei: Jeison! (PAUSA) Só pode ser o cocô tipo jeison. Aquele dos filmes que não morre nunca. É verdade! Dava descarga o treco dava mil voltas na água e sumia. Logo a seguir voltava triunfante.

•     ZÉ HENRIQUE CAMINHA PELO PALCO

Zé Henrique
Sabem a última? Não sabem a bronca que levei dias atrás? (PAUSA) Só porque coloquei erradamente as meias na cestinha de papel higiênico. Tava distraído, sentado no vaso lendo uma revista. (PAUSA) Não sei usar o vaso sem ler algo. (PAUSA) Não tem homem que consiga ir no vaso sem ler alguma coisa. Se não o treco não sai de jeito nenhum. Parece que existe uma pacto evacuatório entre a revistas, os olhos que leem, o parelho digestivo e o fiofó. Sem revista ele não abre. (PAUSA) Como estava quente retirei as meias e distraído coloquei na cesta do papel higiênico. Colocar as meias ali foi um pequeno engano. Uma distração. Mas a bronca foi como se eu tivesse cometido o maior crime do mundo. E sabem o que ela disse: (IMITA VOZ DE MULHER) Tira estas meias fedorentas da cesta de papel higiênico. (VOZ DE HOMEM) Me pareceu que ela deu uma indireta que as minhas meias fediam mais do que o resto que estava no cestinho. (PAUSA) Mas tem pior. Muito pior. Quando a sargentona limpa a casa tem uma regra. E aí de mim se não acato! Quando chegou em casa, ela grita: (IMITA VOZ DE MULHER) Zé Henrique não vai pisar no chão limpo. (PAUSA) Pelo jeito vou ter que aprender uma maneira de caminhar com os pés na cabeça. (PAUSA) Outro dia, quando sentei sem cueca na cama lá veio o sermão: (IMITA VOZ DE MULHER) Zé Henrique, não senta na cama, tira esta bunda suja daí. (VOZ DE HOMEM) Quando perguntei o que tem a minha bunda ela lascou: (IMITA VOZ DE MULHER) Zé Henrique, a bunda não tem nada, o perigo é o que tem no meio dela (FAZ GESTO FECHANDO DEDO INDICADOR COM POLEGAR) Aquilo sela o lençol limpo da cama. (PAUSA) Mas não adianta! Se ela não quer que eu sente é definitivo: não posso sentar. Nesta ocasião eu disse que faria uma coisa drástica. Avisei que ia colocar na porta de entrada da sala um cabide. (PAUSA – DÁ ÊNFASE NA FRASE) Um cabide de pendurar bumbum (PAUSA – FAZ GESTO DE PENDURAR) Entro em casa. Tiro o (MOSTRA O TRASEIRO), e deixo-o pendurado no cabide. Sem bunda talvez ela permita que eu sente na cama. A gente sem (MOSTRA TRASEIRO) não pode sujar a cama, né? (RI) Meu medo é que o cabide vire moda. E todos que nos visitam inventem de usar o cabide e colocarem suas devidas bundas nele. Sabem como é! Se for novidade e não ter custo, sempre aparece um louco para entra numa fila e para experimentar a bunda no cabide. (PAUSA) E se a gente, quando vai sair de casa, em alguma confusão, pega o (MOSTRA TRASEIRO) dos outros. Imagina eu pegar o (MOSTRA TRASEIRO) daquela vizinha gorda! Eu acho que não saberia fazer as necessidades fisiológicas com o fiofó dos outros. (PAUSA – RI) Conhecem aqueles quadrinhos bem antigos onde se lia: Lar doce lar? Eu faria algo quase igual. Ao lado do cabide colocaria um, com o seguinte lema: Cada fiofó na bunda certa! (PAUSA) Pensei ter vencido a batalha. Ledo engano, ela veio e disse: (IMITA VOZ DE MULHER) Certo! Inventa este cabide. E coloca um pino de segurar (FAZ MÍMICA) bem grosso para uso especial do teu fiofó. (PAUSA) Pensando melhor, é melhor não fazer este cabide. Quem vai tomar lá sou eu de novo! (PAUSA) Mas resolvi o problema sem o cabide. Ou fico de pé no quarto, ou tenho uma cueca reserva pra sentar na cama. Imagine, inventei a cueca estepe. Ou acabei de inventar a cueca regra três. Pode?

•     ZÉ HENRIQUE CAMINHA PELO PALCO - DÁ RISADAS

Zé Henrique
Tem outra. A dona Gertrudes é a que mais protesta sobre o que vou falar. Falo de gazes, gente. Do simples e saudável ato de soltar pum. (PAUSA) Soltar é humano. Humano? É mais que isso. Ultrapassa a raça humana. Até nosso cachorrinho faz. E o Papa? Será que Vossa Santidade não solta uns traques vez que outra? E garanto que coloca a culpa no primeiro sacristão que aparece. E o Paixão Cortez. Solta? Mas claro! Solta um daqueles guascas uma barbaridade, tchê! E ele vai deixar preso no curral um bicho que foi feito para andar solto. Pum é pra soltar, né! (PAUSA) Tenho uma tese. Aquele do tipo trovoado tem menos cheiro que aqueles que ninguém ouve. Isso eu tenho certeza. (PAUSA) Sabem por quê? É que o tipo trovoada gasta toda a munição no som.

ZÉ HENRIQUE CAMINHA PELA SALA

Zé Henrique
Nosso namoro quase foi pro beleléu quando, na primeira visita à casa dela, soltei um. Foi sem som e fiquei quieto. Levantei e fui para outro canto. Mas a porcaria do cheiro foi atrás. Cheiro de pum parece que reconhece o dono. Parece até o melhor amigo do homem. Tá solidário sempre. Aonde a gente vai, ele vai atrás. (PAUSA) Naquele dia, o avô dela tava na sala e eu olhei para o velho, tentando botar a culpa nele. Mas o desgranido olhou para mim e disse: (VOZ DE VELHO) Pode parar, pode parar! Conheço os puns aqui de casa. Ninguém comeu feijoada hoje. E apontando pra mim, disse categórico: Assume que o som é teu. Parece que o velho tinha premonição. Ou é parente do Nostradamus. Ele, antes de eu soltar, já sabia que era meu. (PAUSA) Quem nunca soltou pum na cama? Homem faz isso. (OLHA PRA PLATEIA) Que atire a primeira pedra quem nunca soltou um. Nem que seja daquele fininhos. Mas que soltou, isso lá, soltou. Só que aqui em casa a dona Gertrudes fica fula da cara.

•     ZÉ HENRIQUE CAMINHA PELA SALA

Zé Henrique
Homem em casa sofre com a ditadura feminina. Outro dia quase levei uns trancos. Ela, pra apimentar o casamento, foi ao banheiro e voltou toda sexi com uma máscara preta no rosto. Ela perguntou: (IMITA VOZ DE MULHER) Sabe quem eu sou? (VOZ DE HOMEM) Eu caí na asneira de responder. Tu eu não sei. Mas eu bati no peito e disse: sou o Robin. (RI) Entenderam? Aquele rapaz que é amigo daquele mascarado de morcego. (PAUSA) Mulher às vezes custa a entender piadas. Mas essa, a Gertrudes entendeu de cara. Foi o demônio. Tive que dormir na sala.

•     ZÉ HENRIQUE CAMINHA NA SALA

Zé Henrique
Na verdade, tudo é confusão aqui em casa. Os filhos que brigam um com o outro. Se eu dou umas xingadas num deles, cinco minutos estão os dois se unem contra mim. E com apoio de Gertrudes. No meu tempo de jovem se eu dizia isso pro meu velho, levava um bofete de virar a cara pra trás. Mas hoje tem a tal psicologia. Quando eu era guri a psicologia era diferente. Meu pai usava a psicologia em volta da barriga. Era a psicologia da cinta. Eu errava, meu pai me colocava no caminho certo, tudo psicologicamente apoiado pela cinta paterna. (PAUSA) Hoje tudo mudou. Se faço algo para os filhos, corre o risco deles ficarem maluquinhos. E tenho que aguentar a jararaca defendendo os dois. Minha geração está presa entre duas gerações. Antes eu ficava quieto na mesa. Quando pequeno, ai de mim que falasse alguma coisa. Hoje, eu é que fico quieto. Os filhos são os que dão a letra.

•     ROMÁRIO ENTRA



Cena 2 – Pai tenta apaziguar os filhos
Personagens em cena:
•     Chiquinha
•     Romário
•     Zé Henrique

Zé Henrique
Viram! Falei no diabo e vejam quem aparece.

•     ZÉ HENRIQUE FICA À FRENTE DO FILHO

Romário
Que foi pai? Tava falando com quem? Garanto que falava em mim e na Chiquinha?

Zé Henrique
Ai, aí, ai! Já vai começar.

Romário
Garanto que estavas dando razão à Chiquinha nas nossas brigas?

Zé Henrique
Não começa, guri! Tu sabes que eu só dou razão para quem tem razão.

Romário
Umas pivicas. Se tenho razão e a mamãe fica do lado da Chiquinha, tu fica quieto.

Zé Henrique
Eu sei! E quem tem coragem de enfrentar a tua mãe?

Romário
É mesmo. Mamãe é fo...

•     ENTRA CHIQUINHA PELA PORTA ESQUERDA COM DUAS MAÇAS NA MÃO -BOTA A LINGUA PARA O ROMÁRIO

Romário
Olha ela aí, pai! Olha ela!

Zé Henrique
Não comecem, não comecem.

Chiquinha
Que guri chato.

Romário
Pai, olha ali. Ela pegou duas maças. E uma delas era minha.

Chiquinha
As maças estavam na geladeira.

Zé Henrique
Chiquinha. Uma destas maças é do Romário.

Chiquinha
Mas, pai!

Zé Henrique
Entrega a maça, Chiquinha.

•     CHIQUINHA ENTREGA MAÇA AO ROMÁRIO

Zé Henrique
Viram! Irmãos têm que se entenderam. Vou sair, e não briguem.

•     ZÉ HENRIQUE SAI PELA PORTA ESQUERDA




Cena 3 – brigas de irmãos
Personagens em cena:
•     Chiquinha
•     Romário

•     CHIQUINHA E ROMÁRIO FICAM VENDO TV
•     ROMÁRIO LEVANTA E VIRA-SE PARA CHIQUINHA

Romário
Chiquinha, segura minha maça. Eu vou no banheiro. Mas presta atenção. Não come a minha maça. Viu!

•     ROMÁRIO ENTRA NO BANHEIRO
•     CHIQUINHA PEGA REVISTA - - JOGA REVISTA NO CHÃO - OLHA A REVISTA SEM LARGAR AS MAÇAS - DISTRAÍDA DÁ UMA MORDIDA NUMA MAÇÃ E LOGO A SEGUIR NA OUTRA - LEVANTA E CAMINHA NA SALA – VAI À FRENTE DA PLATÉIA

Chiquinha
Porcaria de revista! Nada de bom. Hoje vai ser um saco! (PAUSA) Nesta revista só tem porcaria. Tem só coisa careta. E eu sozinha aqui. Nem o Genivaldinho, meu namorado chegou. (PAUSA) Por falar nele, onde será que ele anda. Ai ai ai ai ai! Será que aquela sirigaita da Marlene deu em cima dele? Não dá pra confiar naquela guria. No Genivaldinho eu confio. (PAUSA - PENSATIVA) Será que dá pra confiar? Homem eu sei como é. Tudo igual. Vê um rabo de saia e já vai se arreganhando todo. (OLHA RELÓGIO) Todo mundo sabe! Todo mundo sabe! Homem quando endurece lá embaixo, o juízo vai lá parar no fiofó! (PAUSA) Se eu pego o dois. Eu mato aquela zinha! Nele eu sei o que faço! Eu capo, eu capo!


•     CHIQUINHA ANDA NA SALA - MORDE MAIS UMA VEZ UMA MAÇA E DEPOIS A OUTRA

Chiquinha
Ah! Por falar no Genivaldinho lembrei de uma coisa. A mãe dele ensina tudo errado pra ele. Ele até parece o papai ontem e o Romário hoje! Larga tudo no chão, vive me chamando pra fazer isso, ou aquilo. Ele tá muito enganado. Quando casarmos ela vai dividir as tarefas comigo. Foi-se o tempo que a mulher era uma boba. Guria moderna tem seu lugar no mundo. Sabem o que ele queria ontem? Queria que eu fizesse os temas da escola. Ele que vá se lascar. Faça ele. Tem outra: ele adora olhar as outras meninas. Se eu olho para um, ele fica todo emburradinho. (PAUSA) Mas ele é lindinho emburradinho. (RI – CAMINHA PELA SALA).

•     ZÉ HENRIQUE TOSSE FORTE EM OFF – LADO ESQUERDO
•     CHIQUINHA - COM AS MAÇAS NA MÃO - OLHA PARA PORTA ESQUERDA

Chiquinha
Ah, é a tosse do papai. Por falar nele lembrei. Nunca vi mais quadrado! Não quer que eu coloque piercing no umbigo. Ele diz que ali não é lugar. Que umbigo não é pra andarmos mostrando a torto e a direito. (RI) Se ele visse o lugar onde a minha colega Maria colocou o piercing! (OLHA PARA BAIXO) O véio ia ter um enfarte. (PAUSA) Ele também se invocou com as minhas tatuagens. Coloquei dois beija-flores no bumbum. Bem aqui, ó! (MOSTRA) Quando ele soube virou uma fera. Sabe o que ele falou: (IMITA VOZ DE HOMEM) Quando tu envelhecer, com as rugas, os beija-flores vão virar uns morcegos. (RI) Ah! Isso vai acontecer só se eu não malhar bastante.

•     CHIQUINHA CAMINHA PELA SALA

Chiquinha
Ah! A mamãe é igual a mim. Diz as coisas na lata. Um dia escutei uma vizinha perguntar pra mamãe se eu era virgem. Sabem o que ela respondeu? (RI – IMITA VOZ ADULTA DE MULHER) Claro que É virgem. No signo, no signo.

•     CHIQUINHA OLHA PARA O BANHEIRO

Chiquinha
Mas o pior deles é meu irmão. Vive brigando comigo (PAUSA - GRITA) Romário! Romário!

•     CHIQUINHA VAI À PORTA DO BANHEIRO - COLA OUVIDO NA PORTA - FICA ESCUTANDO – VAI À PLATÉIA.

Chiquinha
Viram o Romário, ó? (FAZ GESTO DE MASTURBAÇÃO). Este sem-vergonha tá ali no banheiro.

•     CHIQUINHA VOLTA Á PORTA DO BANHEIRO - COLA OUVIDO NA PORTA - FICA ESCUTANDO.

Chiquinha
Romário!

•     CHIQUINHA VAI À PLATÉIA

Chiquinha
É só o que este guri faz. Não arranja namorada e todo dia é a briga dos cinco contra um. (GRITA) Romáriooooooooo!

•     ROMÁRIO SAI DO BANHEIRO RESMUNGANDO E ESFREGANDO AS MÃOS NA CALÇA. VAI ATÉ O SOFA – SENTA AO LADO DA CHIQUINHA – OLHA AS DUAS MAÇAS MORDIDAS

Romário
Olha ai o que tu fizeste!

Chiquinha
Fiz o quê?

Romário
AS maças! Tu mordeste a tua e a minha!

Chiquinha
Eu não!

•     CHIQUINHA OLHA APAVORADA UMA MAÇA E DEPOIS A OUTRA

Romário
Viu!

Chiquinha
Não fui eu!

Romário
Quem foi então? Vais dizer que baixou o caboclo come-come aqui.

Chiquinha
Já disse, não fui eu! Não fui eu e pronto (PAUSA – TENTA DESVIAR ASSUNTO) Essa maça comeu-se sozinha.

Romário
Vou te esganar, guria!

•     CHIQUINHA REAGINDO E DISFARÇANDO

Chiquinha
O que tu tava fazendo no banheiro?

Romário
Nada! Nada! E não desvia o assunto. E as maças?

•     CHIQUINHA LARGA MAÇAS NA MESA - LEVANTA E VAI AO BANHEIRO – VOLTA COM REVISTA DE MULHER NUA NA MÃO - MOSTRA POSTER CENTRAL DA REVISTA

Chiquinha
Nada é? E esta revista de mulher pelada?

Romário
Tava lendo uma reportagem interessante.


Chiquinha
Reportagem? Com a foto da mulher Melancia?

•     CHIQUINHA VAI À PLATÉIA E EXIBE O POSTER DA MULHER PELADA VOLTA À FRENTE DO ROMÁRIO

Romário
O que eu tava fazendo tu não tem nada com isso!

Chiquinha
Não, é? Vai lavar essas mãos, seu relaxado!

•     ROMÁRIO OLHA AS MÃOS – CHEIRA TODA A MÃO DIREITA - FAZ CARA DE NOJO - CORRE – ENTRA NO BANHEIRO
•     CHIQUINHA JOGA A REVISTA ATRÁS DO SOFÁ

Chiquinha
Viram?

•     ROMÁRIO VOLTA DO BANHEIRO

Chiquinha
Vou contar pra mamãe o que tu faz no banheiro.

Romário debochado
Eu também tenho coisas a contar

•     ROMÁRIO VAI EM DIREÇÃO À POLTRONA

Chiquinha
Fica longe de mim! Senta longe de mim!

•     ROMÁRIO SENTA NUMA PONTA DO SOFÁ
•     CHIQUINHA SENTA NA OUTRA PONTA
•     ROMÁRIO E CHIQUINHA FICAM VENDO TV
•     CHIQUINHA FUNGA
•     ROMÁRIO OLHA A CHIQUINHA COM FISIONOMIA DE BRAVO
•     CHIQUINHA FUNGA
•     ROMÁRIO OLHA A CHIQUINHA COM FISIONOMIA DE BRAVO
•     CHIQUINHA FUNGA
•     ROMÁRIO LEVANTA – VAI À PLATÉIA

Romário
Ah! (DÀ TAPA NA PRÓPRIA CABEÇA) Já sei o que vou fazer pra acabar com esta fungação.

•     ROMÁRIO VOLTA À POLTRONA – SENTA – OLHA PARA FRENTE
•     CHIQUINHA FUNGA COM ACARETAS PARA ROMÁRIO
•     ROMÁRIO FAZ PIGARRO FORTE COM A GARGANTA
•     CHIQUINHA FUNGA
•     ROMÁRIO FAZ PIGARRO COM A GARGANTA
•     CHIQUINHA FUNGA
•     ROMÁRIO FAZ PIGARRO COM A GARGANTA

Chiquinha
Para com este barulho!

•     ROMÁRIO OLHA PRA CHIQUINHA – DÁ RISADINHAS

Romário
Eu paro! (RI) Mas tu tens que parar com esta fungação

•     CHIQUINHA E ROMÁRIO BOTAM A LÍNGUA UM PARA O OUTRO

Romário
Olha que eu conto

Chiquinha
Conta o que, abobado? Tu não tens nada pra contar.

Romário
Não é?

Chiquinha
Não!

Romário
E o que tu fazia com teu namorado.

Chiquinha
Euuuuuuuuuuuuuuuu?

Romário
Sim, senhora! Tu mesmo!

Chiquinha
Tu não viste nada!

Romário
Garanto que vi. Pelo buraco da fechadura do teu quarto.

Chiquinha
Tu anda me espiando, sem-vergonha!

Romário
Hum! Sem-vergonha? Coisa sem-vergonha era o que tu e ele faziam, né?

Chiquinha
Acho melhor tu ficares quieto.

Romário
Ué, por quê?

Chiquinha
Eu espalho na escola o que tu faz no banheiro com revista de mulher pelada.

Romário
Pode parar! Pode parar! Tu anda me espiando?

Chiquinha
É, tô! Tu espiaste também! Empatamos! Um a um, né!

Romário
Essa casa está sob o comando das mulheres!

Chiquinha
É o certo, nós mulheres mandamos em tudo.

Romário
Até concordo. Mamãe faz gato e sapato do papai!

Chiquinha
Mamãe ensinou tudo que nós sabemos.

Romário dando risadas
Essa não! Essa não!

Romário vai à frente da irmã
Viu. Ela fala assim mesmo. Tu e a mãe se unem contra os homens da casa.

•     GERTRUDES ENTRA NA SALA PELA PORTA ESQUERDA





Cena 4 – Mãe e filhos
Personagem em cena:
•     Gertrudes
•     Chiquinha
•     Romário

Gertrudes
Já tão brigando é?

Chiquinha
É ele, mãe! É ele!

Romário
É ela, mãe!

Gertrudes
Tá bem, então contem o que está havendo?

Romário e Chiquinha
Nada, mãe! Nada mesmo!

•     ROMÁRIO E CHIQUINHA LEVANTAM E FICAM PERTO UM DO OUTRO
•     ROMÁRIO TENTA PEGAR A MÃO DA CHIQUINHA PRA SAÍREM
•     CHIQUINHA REJEITA A MÃO DIREITA

Chiquinha (com cara de nojo)
Essa mão não. Essa não!

Romário (com cara sapeca)
Ué! Por que, mana querida?

Chiquinha
Te faz de bobo, guri! Já disse: esta mão não!

Romário
Ué, por quê? O que eu fiz?

Chiquinha (ficando atrás na mãe)
Te faz de bobo. Tu fazia... (FAZ COM A MÃO O QUE O GURI FAZIA NO BANHEIRO)

Romário
Viu, mãe! Ela não quer pegar minha mão.

Gertrudes
Já vi que estavam brigando mesmo. (OLHA PARA CHIQUINHA) Pega a mão do teu irmão. Guria!

•     ROMÁRIO RINDO ESTICA A MÃO DIREITA
•     CHIQUINHA SE ESQUIVA - PEGA A MÃO ESQUERDA DO ROMÁRIO
•     ROMÁRIO E CHIQUINHA SAEM DA SALA PELA PORTA DE ESQUERDA - GESTICULANDO UM COM O OUTRO




Cena 5 – Pais e filhos
Personagem em cena:
•     Gertrudes
•     Zé Henrique
•     Vozes na coxia

Romário em off
Eu te pego! Te pego!

Chiquinha em off
Então vem! Então vem!

•     GERTRUDES VAI À CORTINA INTERNA

Gertrudes gritando
Zé Henrique! Dá um pára-te-quieto nestes dois aí.

•     GRITOS CESSAM
•     GERTRUDE VOLTA E SENTA NA POLTRONA
•     ZÉ HENRIQUE ENTRA PELA PORTA ESQUERDA - FAZENDO POSE DE ORGULHOSO

Zé Henrique
Viu! Eu dei uns petelecos e eles se acomodaram.

Gertrudes
Tu bateste neles.

Zé Henrique
Eu não! Não sou louco!

Gertrudes
Por que não és louco.

Zé Henrique
Toda vez que pedes ajuda, Se dou duro neles, tu briga comigo.

Gertrudes
Até parece”

Zé Henrique faz menção que irá até os filhos)
Então vou dar uma exemplada neles.

Gertrudes
Ter faz de besta! Deixa as crianças em paz!

Zé Henrique
Eu não falei!

Gertrudes incisiva
Falou o quê?

Zé Henrique recuando
Nada, não! Nada, não!

•     ZÉ HENRIQUE VAI À FRENTE DA PLATÉIA

Zé Henrique À PLATÉIA
Viram. Não tenho razão?

•     ZÉ HENRIQUE TENTA SAIR DA SALA

Gertrudes
Aonde tu vai?

Zé Henrique
No banheiro! (PAUSA) Posso, dona Gertrudes?

Gertrudes
Pode!

Zé Henrique irônico
Muito obrigado.

•     ZÉ HENRIQUE VAI EM DIREÇÃO AO BANHEIRO FUNDOS DO PALCO

Gertrudes
Zé Henrique! no banheiro da frente não senhor! Vai no banheiro dos fundos.

•     ZÉ HENRIQIE IRRITADO SACODE OS BRAÇOS - PEGA JORNAL E VAI EM DIREÇÃO A PORTA LADO ESQUERDO

Gertrudes
Zé Henrique!

Zé Henrique virando-se para Gertrudes
Quié?

Gertrudes
Pra que este jornal?

Zé Henrique
Ora essa! Pra que seria, Gertrudes.

Gertrudes brava
Olha lá, hein, Zé Henrique. Olha tuas respostas.

Zé Henrique
Também, mulher, Tu pergunta cada coisa.

Gertrudes
È pra ler, né?

Zé Henrique
Não! É limpar a bunda!

Gertrudes brava
Tem papel no banheiro

Zé Henrique
Não pode ser papel higiênico. Tem que ser jornal. Aliás, tô louco que meu fiofó aprenda a ler.

Gertrudes brava
Zé Henrique!

Zé Henrique
Eu sei, mulher. O jornal é pra eu ler. Posso ler no banheiro, não?


ZÉ HENRIQUE TENTA SAIR

Gertrudes
Zé Henrique!

Zé Henrique irritado
Quiéééé, Gertrudes!

Gertrudes
Depois fecha a braguilha, tá


•     ZÉ HENRIQUE TENTA SAIR NOVAMENTE

Gertrudes
Zé Henrique!

Zé Henrique mais irritado
Quiéééé, Gertrudes!

Gertrudes
Dá descarga, viu! Olha o submarino que vai e volta.

Zé Henrique mais irritado
Engraçadinha!

•     TELEFONE TOCA
•     ZÉ HENRIQUE ATENDE TELEFONE

Zé Henrique
Alô! (PAUSA) Tá sim, Vou chamá-la (TAPA BOCA DO TELEFONE – VIRA-SE PARA GERTRUDES) Acho que não vais atender. É a Isaura! Aquela tua amiga que disseste que não gosta mais dela. (PAUSA) Vais atender?

Gertrudes
Vou!

•     ZÉ HENRIQUE ENTREGA FONE PARA MULHER
•     GERTRUDES PEGA O TELEFONE

Gertrudes
Alô! Amigaaaaaaaaa! Como vai


•     ZÉ HENRIQUE VAI À PLATEIA – SEGREDA PARA A PLATEIA

Zé Henrique
Isso que ela não gosta da Isaura. (PAUSA BREVE) Querem só ver o que mulher faz ao telefone!

•     ZÉ HENRIQUE CAMINHA EM DIREÇÃO A PORTA INTERNA – PÁRA - FAZ GESTO DE FIGA PRA GERTRUDES E SAI PELA PORTA LADO ESQUERDO









Cena 6 – mulher ao fone
Personagem em cena:
•     Gertrudes

Gertrudes atendendo o telefone sem fio
Alô! Vou bem e tu? Estás bem, é! (PAUSA COMO SE ESCUTASSE - TAPA BOCAL – DIRIGE-SE À PLATÉIA) Eu quero que esta bruxa morra.

Gertrudes ao fone
Claro, amoreco, mas claro que vi, querida. O corte do teu cabelo ficou uma ma-ra-vi-lha. Aliás, nem precisava. Teu cabelo sem corte e ao natural já é lindo. (TAPA BOCAL – DIRIGE-SE À PLATÉIA)

Gertrudes à plateia, sarcástica
Lindo, pois sim, parece umas espigas de milho. E com caruncho.

Gertrudes ao fone, rindo
Claro, né, só podia, Tu cortaste lá no Manoelito Fru-Fru, aquele mago da tesoura.

Gertrudes tapa o bocal, olha à plateia, zombando.
Mago da tesoura. Pois sim! Para aquele cabelo ele tinha que ser o mago da máquina de cortar grama.

Gertrudes ao fone, sorrindo
O quê? Repita, querida. (PAUSA) Não ouvi porque estava abanando uma mosca. (PAUSA) O que eu achei? Maaaraaaviiilhooosooo. Ficaste uns dez anos mais moça.

Gertrudes tapa o bocal, olha à plateia, rindo
É a mosca! A mosca! (PAUSA) É verdade! Essa baranga ficou dez anos mais moça. Agora parece ter uns setenta e quatro anos.

Gertrudes ao fone, sorrindo
As mechas? Ficaram bárbaras! Vou mandar fazer igualzinho. Foram luzes? (PAUSA) Não? É uma técnica nova de clareamento que ele trouxe de Paris? (PAUSA) Maravilha!

Gertrudes à plateia, desdenhando
Mecha! (RISADA) De Paris. Veio é da estância do coronel Limoeiro. Lá se faz mecha em vaca.

Gertrudes ao fone, sorrindo
Teu vestido? (PAUSA) É divino! Um pouco curto, mas realça teu jeitão.

Gertrudes à plateia, debochando
Curto demais (RISADA) Dava pra ver as varizes até na altura das coxas.

Gertrudes ao fone, sorrindo
Mas claro que achei linda a blusa! (PAUSA) É, realça teus seios. Notei que tu não estava usando sutiã! Como notei? Notando, ué!

Gertrudes à plateia, com escárnio
Quem não notaria. Os bicos estão na altura do umbigo. (RISADA) Sem sutiã estava tudo lá embaixo. Se ela tentasse se suicidar com um tiro no seio, pegava no joelho.

Gertrudes ao fone, rindo
Teu marido gostou de tudo isso? (PAUSA) É merecido. Ele deve ter orgulho da mulher que tem.

Gertrudes à plateia, debochando
Não sei como aquele gato continua casado com ela. Deve ser pelo dinheiro. Só pode!

Gertrudes ao fone, rindo
O quê? Precisas sair (PAUSA) Que pena, tu sabes que eu adoro conversar contigo. (PAUSA) Pra ti também. Te adoro. Qualquer coisa me liga, tá!

Gertrudes à plateia, debochando
Ainda bem, não aguentava mais esta baranga. (PAUSA - PENSA) Será que a bruxa lá do outro lado diz coisas delicadas e fala baixinho pra sim mesmo, me chamando de tudo que é nome? (PAUSA) Só pode! Gentinha que ela é.     

•     GERTRUDES COLOCA TELEFONE NA BASE - VAI À PLATÉIA

Gertrudes
Era uma amiga minha! Amiguíssima!

•     GERTRUDES OLHA EM VOLTA COMO SE PROCURASSE ALGO





Cena 7 – monólogo da mulher
Personagem em cena:
•     Gertrudes

Gertrudes
Ué! Quedele o Zé Henrique? (BATE NA TESTA) Ah! Foi ao banheiro. Deve estar trancado lá. Quando vai parece que aluga o banheiro.

•     GERTRUDES VAI À PLATEIA

Gertrudes
O Zé Henrique fica bravo, mas eu faço as coisas com ele. Só faço pra ver o sujeito zangadinho (RISADA SARCÁSTICA). Ele até que fica lindinho quanto tá zangado. (PAUSA) Mas quem tem que ficar brava sou eu. Querem ver? Pra homem qualquer pano é toalha! Até os lados das próprias calças ou bermudas. Ele lava a mão e, quando lava, enxuga nas calças. Também, não são eles que lavam. (PAUSA) Mas a esposas que têm homem assim devem dar graças a Deus que, pelo menos, estes lavam as mãos. Mas tem aqueles que não lavam as mãos depois de ir ao banheiro. (PAUSA). Como sei? Ora essa! Perguntem pra maioria das mulheres. (PAUSA) Antes acontecia aqui em casa. Certo dia fiquei espiando. Ele não me viu. O sujeito fez xixi. Sacudiu aquela porcaria, e depois, nada de lavar as mãos. Quando chegou perto de mim quis fazer carinho no meu rosto. Essa não! Mão naquilo e depois mão na minha cara? Não mesmo! Jamais! (PAUSA) Mas acham que adiantou? Quando eu não tô por perto, certamente o filho da mãe vai até à pia, joga água no sabonete. (PAUSA) Pra que água no sabonete? Para as mulheres acharem que ele usou o raio do sabonete. Na verdade ele só molha as pontinhas dos dedos. Mas, homem é assim mesmo.

•     GERTRUDES CAMINHA PELA SALA - VAI À FRENTE DO PALCO

Gertrudes
Sabem o que o safado me disse outro dia? Que não lava o dito-cujo do meio das pernas (FAZ GESTO - IMITA VOZ DE HOMEM) Minha filha, o bruto aí debaixo (FAZ GESTO MOSTRANDO) tá sempre bem protegido. Não tem coisa mais limpa que esse coitado. Nem poeira pega de tão tapado que está! Então, se tá bem limpo e protegido, pra que lavar a mão. Entre as mãos e ele, o mais limpo é ele. Dá de dez a zero nas mãos. (VOZ DE MULHER) Mas o Zé Henrique parece que não me conhece. Respondi na hora. Eu falei, os médicos dizem que a mão é suja por natureza. Então, se ele vai pegar o “tá sempre mole” dele, tem que lavar as mãos, pombas!

•     GERTRUDES CAMINHA PELA SALA - VAI À FRENTE DO PALCO FALA ÀS MULHERES

Gertrudes
Amigas, já viram banho de homem? Não finjam que não? (PAUSA) Pois vejam! (PAUSA) Eles já se pelam no quarto. Sentam na cama e jogam as coisas pra todo lado. (PAUSA) Alguns até pum soltam. Pode? (PAUSA) O meu, por exemplo, cheira as cuecas quando tira. Acreditem! Cheira as cuecas. Se não tem cheiro, o danado veste novamente. (PAUSA) Mas isso ele não apreendeu comigo. Sabem com quem? Ah! Adivinharam, né? (PAUSA) Aprendeu com a megera da minha sogra que viciou o filhinho nisso. E tem mais. Depois de usada o dia todo ainda pergunta: (IMITA VOZ DE HOMEM) Acho que esta aguenta mais um round. (VOZ DE MULHER) Como se a coitada da cueca estivesse lutando box com o bigolin (PAUSA) Será que lutam? Pode ser! Pode ser! O treco dele tá sempre nocauteado. (DÁ RISADA – PAUSA) E o banho de homem? Quando vai para o banheiro não leva toalha. Também, tem a bobalhona de plantão pra levar. Ele grita: (IMITA VOZ DE HOMEM) Bennnnnhê, trás a toalha. (VOZ DE MULHER) E lá vou eu levando o raio da toalha. Mas eu levo! Claro que levo! Não por ser serviçal. Sabem por quê? Se não o sacana se enxuga com a toalha de rosto. (PAUSA) Mas não pára por aí, toda vez que entro no banheiro ele tá dando risada. Sabem por quê? Porque soltou um pum. (FALA PAUSADO) Simplesmente soltou um traque. (PAUSA) Faz a nojeira e ri o filho da mãe. (PAUSA). Ele passa espuma na bunda só pra ver o traseiro fazer bolinha. (PAUSA) O pior é quando pego o infeliz fazendo xixi embaixo do chuveiro. (PAUSA) Minhas amigas, se não sabem! Eu vos digo! Homem faz xixi dentro do box. E depois a gente pisa naquilo. (PAUSA) E os pelos pubianos? Eu não agüento mais cabelos que ficam no sabonete. Ele sempre tem uma ou duas respostas. (IMITA VOZ DE HOMEM) Vai ver que só eu que tenho pentelho aqui em casa! (VOZ DE MULHER) Sabem a piada infame que ele me contou quando reclamei? Ele perguntou se eu sabia a diferença de um pentelho no sabonete e uma criança numa festa. Lógico que eu não sabia. Mulher nunca sabe de nada! Ainda mais piada. E ele respondeu com a cara de pau. (VOZ DE HOMEM) Não tem diferença. Pois na festa de criança e no sabonete, ninguém sabe de quem é aquele pentelho! (VÓZ DE MULHER) O safado diz pentelho para a gurizada pequena. E dava risada o desgranido! Até hoje estou em dúvida que ele insinuou que os cabelinhos no sabonete são meus. (SACODE OS OMBROS) Os meus eu raspo. (PAUSA) Tem outra! Não se enxuga direito e deixa pegadas de água pela casa toda. (PAUSA) Deixa a luz do banheiro acesa. E quem tem que ir apagar sou eu. Porque o filho de uma égua não apaga.

•     GERTRUDES CAMINHA PELA SALA E ESPIA PELA PORTA LADO ESQUERDO

Gertrudes
Querem mais uma? (PAUSA) Vejam só. O safado diz que soltar gazes é humano. Pode? Ele diz que até cão solta. Na verdade ele quer é colocar a culpa no Tói. (PAUSA) Quem é o Tói? Tói é nosso cachorro, sabiam: Um dia destes fiquei furiosa. Não é que ele falou que até o Papa solta uns traques. Bom, se solta, deve ser um santo pum. É o que eu acho. O Zé Henrique também anda falando que o nosso querido Paixão Cortes, que serviu de modelo para a estátua do gaúcho, solta uns e outros. Tomara que a gauchada cape o desgranido. (PAUSA) Não o Paixão, o do Zé Henrique. (PAUSA) Esqueçam! Ele capado vai fazer falta aqui em casa. (RI) Querem outra? Ele tem uma tese maluca. Afirma e até jura que pum forte tem mais odor que pum abafado. E nem vou contar por que ele fala isso. (PAUSA) Lembro o primeiro dia que ele foi lá em casa. Não é que ele soltou um na sala. Ainda bem que o vovô disse que ele assumisse. Ele nega, mas vovô ainda falou: (IMITA VOZ DE HOMEM VELHO) Aqui nessa família ninguém pede ninguém em namoro com o fiofó. Normalmente é com a boca. (PAUSA) Eu sempre digo pra ele. Para como isso, olha a camada de ozônio. A última dele não aguentei. Estávamos na cama e ele soltou um. Embaixo das cobertas. E adivinhem: Dez minutos queria fazer sexo. Imaginem! Que romântico: traque com sexo! Mas ele, terminou a noitada (APONTA A POLTRONA) ali ó!

•     GERTRUDES CAMINHA PELA SALA

Gertrudes
Homem não entende mesmo as mulheres. E não entendem nem as coisas mais simples do mundo. Por exemplo, cor abóbora eles não sabem o que é. Esse dia pedi: Zé Henrique, me trás minha bolsa abóbora que esta no guarda-roupa. Ele apareceu com a bolsa de cor abóbora. Bem certinho. Mas sabem o que o infeliz disse? (VOZ DE HOMEM) Amor, a bolsa tá aqui, mas não tem abóbora no guarda-roupa. (VOZ DE MULHER) Como ele não presta atenção no que falo, só ouviu a palavra abóbora. E foi procurar um vegetal dentro do guarda-roupa. Pode isso? (PAUSA) Todo mundo sabe o que é cor fúcsia. Se digo a uma amiga, olha lá que bolsa fúcsia bonita na vitrina. Se errar ela olha para a bolsa fúcsia, porque fúcsia é fúcsia. Se falo para o Zé Henrique ele se atrapalha todo. Só homem não entende que fúcsia é uma cor parecida com... fúcsia. Deixa pra lá. Que raça mais burra.      

•     GERTRUDES CAMINHA PELA SALA E ESPIA PELA PORTA LADO ESQUERDO

Gertrudes
Tem mais! Tem mais! (PAUSA) Domingo! Ah, domingo! Os homens acordam e falam de boca cheia. (VÓZ DE HOMEM) Mulher! A minha querida esposa hoje vai descansar. O almoço quem vai fazer sou eu. (VOZ DE MULHER) Até parece! Churrasco é o único prato que a maioria dos homens sabem fazer. Pra início vou ter que arrumar a esculhambação que ele e o filho deixaram na garagem dos fundos. Limpo a mesa, varro o chão, recolho os badulaques que eles deixaram. (PAUSA) Depois vem o pior. É a fase do “onde é que tá?” Na hora de assar o churrasco, ele não acha nada. (IMITA VOZ DE HOMEM) Mulher! Quedê os espetos? (VOZ DE MULHER) E lá vou atrás dos espetos. Depois de meia hora eu encontro o raio dos espetos. Ainda sujos do churrasco anterior. Sujos porque ele disse que ia lavar e não lavou. Não é que o sujeito, para não lavar, escondeu num buraco atrás da churrasqueira? E a boba aqui tem que lavar. (IMITA VOZ DE HOMEM) Negrinha! Quedele o sal? (VOZ DE MULHER) Não é que o filho da mãe, que disse que iria cozinhar, não comprou o sal grosso. Saio correndo para o armazém, rezando que esteja aberto. (PAUSA) Pra não ter que ouvir mais, já vou colocando junto à churrasqueira todos os apetrechos necessários. (PAUSA) Nem os pratos e talheres ele ajuda colocar. (VÓZ DE HOMEM) Não posso, se saio daqui a carne queima. (VÓZ DE MULHER) E notem bem! Quem vai fazer o almoço é o dito-cujo. Ai ele pega aquele ridículo avental que ganhou de um primo safado. Um avental daqueles que ao levantar a barra aparece um (FAZ GESTO ESPALMANDO AMBAS AS MÃOS MOSTRANDO O TAMANHO - RI) Tem mais, gente! Embora de avental, ele fica limpando as mãos nas bermudas. (PAUSA) E os cinco panos de prato que ele exige. Não sei para que? É só para ir enxovalhando um a um, ou seja, emporcalhando tudo. (PAUSA) E querem ver quem vai ter que lavar tudo? A palhaça aqui, né! Bom, na metade do assado ele já tomou quatro caipirinhas. Quatro, viram. Mais oito cervejas. Depois disto, adivinhem quem fica cuidando para a carne não queimar! (BATE NO PEITO) Eu, né! Na hora de comer ele vai perguntando (IMITA VOZ DE HOMEM) Querida, quedê a maionese? Bem, traga o óleo pra salada. Tem sobremesa? Querida, já que tu tá mais perto, traga mais uma cervejinha. (VÓZ DE MULHER) Abro a geladeira e não tem cerveja ali. Claro! Ele não colocou. E ai, na maior cara de pau ele pede: (IMITA VOZ DE HOMEM) Amor, busca lá na geladeira da cozinha. (VÓZ DE MULHER) E fala fazendo beicinho, entenderam? Bei-cin-nho. (MUDA EXPRESSÃO BRAVA PARA CARINHOSA) Bom, ai até que não resisto e vou buscar. (RI) Ninguém é de ferro, né? (MUDA PARA BRAVA) Depois deste trabalho todo eu pergunto: afinal, quem é que ia cozinhar. (PAUSA) Ai termina o almoço! (PAUSA) Ele, cheio de cachaça, se joga na poltrona e ronca que nem um porco. E lá vou eu lavar a louça. Mas afinal, me respondam? Quem é mesmo que cozinhou? Eu ou ele? Certo? Certo! Nem precisam responder! E depois de três horas roncando, ao acordar, ele pergunta: (VÓZ DE HOMEM) Amor, gostou de não ter que cozinhar? (VÓZ DE MULHER) Filho da...

•     OUVE-SE TOSSE EM OFF – LADO ESQUERDO

Gertrudes
Viram? Falou no burro, apontou as orelhas.

•     ZÉ HENRIQUE ENTRA PELA PORTA LADO ESQUERDO – PIGARREANDO – SENTA - PEGA REVISTA E COMEÇA A LER - GERTRUDES SENTA E COMEÇA A VER TV





Cena 8 – acertos e desacertos
Personagens em cena:
•     Zé Henrique
•     Gertrudes

Gertrudes
– Benhêêê!

•     ZÉ HENRIQUE SE MEXE NA POLTRONA – CONTINUA LENDO A REVISTA.

Gertrudes olha Zé Henrique e aponta a TV
– Amorrrrrrrrr!

ZÉ HENRIQUE SE MEXE - NÃO TIRA OS OLHOS DA REVISTA – NÃO RESPONDE

Gertrudes grita
Zé Henrique.

Zé Henrique sem tirar os olhos da revista
Quié?

Gertrudes
Tu não viste?

Zé Henrique
Viste o que, criatura?

Gertrudes
A propaganda!

Zé Henrique
Qual?

Gertrudes
Daquele automóvel lindo, lindo?

Zé Henrique sacudindo os ombros
Nosso chevete tá bom!

Gertrudes brava
O quê? Nosso chevete tá todo baleado

Zé Henrique
Quer trocar de carro?

Gertrudes
Quero!

Zé Henrique
Só se eu tirar dinheiro do...

Gertrudes rompe bruscamente
Cala a boca! Olha a TV!

•     GERTRUDES VOLTA A OLHAR TV - SE REMEXE NA POLTRONA
•     ZÉ HENRIQUE LÊ REVISTA EM VOZ ALTA

Zé Henrique batendo na revista
Prenderam cinco senadores. (PAUSA – ENFIA O ROSTO NA REVISTA) O queeeeeeeee? Não acredito. (PAUSA – LÊ - SUPRESO) Ah! Nos Estados Unidos. Ah! (PAUSA) Só podia ser em outro país. Aqui no nosso não se prende ninguém! Será? Ah? (CONTA NOS DEDOS) Prenderam o... Não, já soltaram! (CONTA NOS DEDOS) Aqueles da... Também não. Tão soltos. O que colocou a grana na cueca? Tá solto. Essa agente não é presa nunca. Com o roubo compraram até emissora de rádio. (BATE NA RFEVISTA) Olha aqui! Tem um que tem um castelo. (PAUSA) Vinte milhões! (SUPRESO) De euros! (PAUSA – BATE NA REVISTA) Olha aqui, vendiam até selos do governo. O cara vendia selo. Selo ou não selo eis a questão!

Gertrudes
Zé Henrique! Fala baixo, por favor! Não tá vendo que eu tô assistindo meu programa?

•     ZÉ HENRIQUE CONTINUA LENDO A REVISTA

Gertrudes
Zé Henrique!

•     ZÉ HENRIQUE NÃO OLHA PRA GERTRUDES - CONTINUA LENDO

Gertrudes dócil
Mozinho

•     ZÉ HENRIQUE RESMUNGA

Gertrudes
Tu viste como o Antônio Fagundes beijou a ...

Zé Henrique para de ler a revista (fala forte)
Não vi porcaria nenhuma. Tô lendo a revista!

Gertrudes
Seu bruto! (PAUSA) Também, tu nunca vê nada. Tu vive alheio às coisas importantes!

Zé Henrique
Nossa! Eu alheio? O que queres dizer com isso?

Gertrudes
Tu és desligado das coisas importantes. Não olha novela. Não dá bola para os comerciais de que gosto. Não gosta do BBB!

Zé Henrique
O que é bbb?

Gertrudes
Big Brother Brasil!

Zé Henrique sacode a cabeça
E quem assiste isso?

Gertrudes
Todo mundo!

Zé Henrique
Duvido.

Gertrudes
Duvida, é! Tem muita gente boa que chega no serviço e diz: Tava passando pela sala da TV e vi um pedacinho.

Zé Henrique ri
Gertrudes! Gertrudes! E desde quando novela é importante. Que bbb é importante?

Gertrudes
Não são pra ti! Pra mim são!

Zé Henrique
E propaganda, qual a importância disso?

Gertrudes
É, mas quando é propaganda tem mulher gostosa, tu faz zoinho, não é?

•     ZÉ HENRIQUE SE ENGASGA – TOSSE – LEVANTA E CAMINHA

Zé Henrique
Desculpe, amor!

Gertrudes
Nada não, amor eu também sou meio chata!

Zé Henrique
Humm...

Gertrudes
Vamos ver televisão, vem...

Zé Henrique
Depois...

Gertrudes dengosa
Vem agora. Senta aqui pertinho.

Zé Henrique
Eu não quero ver televisão!

Gertrudes bem amorosa
Não é pra ver TV, amorequinho! É pra recordar os tempos de namoro. (MALICIOSA) Aquilo que fazíamos na sala por baixo do cobertor.

Zé Henrique ri
Um dia a tua mãe quase nos pegou.

Gertrudes
É verdade! Mas hoje é diferente. Quando vamos para onde os filhos estão namorando, a gente vem tossindo de longe.

Zé Henrique
É verdade! Pra não pegar nada, né?

Gertrudes dengosa
Vem namorar, vem!

Zé Henrique
E as crianças?

•     GERTRUDES LEVANTA - SENTA

Gertrudes
Sabe quem está internado no hospital. Na U.T.I.?

•     GERTRUDES LEVANTA E VAI ATÉ À TV – BATE EM CIMA DA TV
•     ZÉ HENRIQUE LEVANTA – VAI À FRENTE DA PLATÉIA

Zé Henrique
Mulher vive trocando de assunto. E de canal da tv.

•     OLHA PRA GERTRUDES – OLHA PARA A PLATÉIA

Zé Henrique
Querem apostar que ela vai trocar de assunto novamente?

•     ZÉ HENRIQUE VOLTA AO SOFÁ
•     GERTRUDES SENTA AO LADO

Gertrudes
Sabe da última?

Zé Henrique
Sei! Tu acabaste de dizer.

Gertrudes
Eu?

Zé Henrique
Sim, falaste que tinha alguém na UTI.

Gertrudes
Euuuuuuuuuuu

Zé Henrique
Sim, tu mesmo.

Gertrudes
Tu tá é louco. Eu não.

Zé Henrique
Tá bom! Tá bom! Qual a novidade?

Gertrude
Advinha quem casou?

Zé Henrique
Sei lá!

Gertrudes cutucando Zé Henrique
Fala, vai!

Zé Henrique
Não sei, já disse!

Gertrudes
Faz um esforço, faz.

Zé Henrique irritado
Não sei, pô! Não sei!

Gertrudes
Tenta!

Zé Henrique
Tua mãe!

Gertrudes
Poxa! Já apelou.

Zé Henrique
É verdade! Quem iria querer casar com a tua mãe.

Gertrudes
Olha!

Zé Henrique
Só o louco do teu pai.

Gertrudes
Olha!

Zé Henrique
Brincadeirinha! Afinal, quem casou?

Gertrudes
A Filomena

Zé Henrique fazendo gesto
Aquela...

Gertrudes
Isso!

Zé Henrique
A galinha aqui do lado?

Gertrudes
Essa!

Zé Henrique
Tá brincando?

Gertrudes
É, encontrou um trouxa, né!

Zé Henrique
Mais um corno na rua!

Gertrudes
Mais um corno? Quem é mais corno aqui na rua?

Zé Henrique
Tu não sabia que o Paulinho, ali do 416 tá levando chapéu de vaca?

•     GERTRUDES LEVANTA – VAI A PLATÉIA.

Gertrudes
Viram! E nós é que somos fofoqueiras.

Zé Henrique
O que tu falaste?

Zé Henrique
Nada não, nada, não.

•     GERTRUDES SENTA AO LADO DO ZÉ HENRIQUE.

Gertrudes ansiosa
Conta mais, conta!

•     ZÉ HENRIQUE OLHA PRA PLATÉIA - FAZ GESTO DE “VIRAM SÓ QUEM FOFOQUEIA”

Gertrudes
Conta, conta. Quem te disse?

Zé Henrique
O Armandino que descobriu. Aquele filho da dona Zefa.

Gertrudes
Conta! Conta!

Zé Henrique
Bom, o Armandino, um dia viu o carro do Paulinho num motel.

Gertrudes
Viu só os homens? O sem-vergonha já tava no motel

Zé Henrique
Calma, calma! Foi o que o Armandinho também pensou naquela hora.

Gertrudes
Como assim, homem? O Armandinho viu o carro do Paulinho no motel. E se o carro era do Paulinho, quem era o sem-vergonha que estava no motel se não aquele safado?

Zé Henrique
Burra, tu não entendeste nada.

Gertrudes
Explica, então!

Zé Henrique
O vidro do carro do Paulinho, que estava no estacionamento do motel estava baixado. O Armandinho, só pra sacanear, pegou o rádio do carro.

Gertrudes
E daí?

Zé Henrique
Ontem, quando estávamos no bar, o Paulinho chegou e disse que roubaram o rádio do carro.

Gertrudes
Viu? Bem feito. Quem manda ir pra motel!

Zé Henrique
Amor! Tu não entendeste nada mesmo. (CARA DE SAFADO) Era a mulher do Paulinho que estava com o carro naquele motel.

Gertrudes
A mulher dele?

Zé Henrique
Sim! Quem estava no motel era ela?

Gertrudes
Nossa! Esta rua tá virando a rua da cornalhada. Ainda bem que nós nos amamos, né, bem? (SE ENROSCA NO PESCOÇO DO ZÉ HENRIQUE) Que tu acha de brincar de casinha embaixo do cobertor?

Zé Henrique
Pára, mulher. O que deu em ti!

Gertrudes
Essa conversa me deixou excitada!

Zé Henrique
Fica excitada? Só porque tem corno na história? Olha lá, hein?

Gertrudes
É que estas coisas me dão tesão!

Zé Henrique rindo
Safada!

Gertrudes com cara de safada
Vem!

Zé Henrique
Pára, mulher. Olha as crianças!


Gertrudes
Vamos brincar então de médico! Eu sou a médica e tu o paciente.

Zé Henrique
Que é isso, mulher!

Gertrudes
Não quer? Então tu é o médico e eu sou a paciente.

Zé Henrique
Tá com calor, mulher?

Gertrudes
Calorão!

Zé Henrique
Vai tomá um banho frio que passa.

Gertrudes
Lembra quando casamos. Nós ficávamos abraçadinhos vendo televisão.

Zé Henrique
Faz horas! Faz horas! Para com isso. Quero ler a revista.

Gertrudes
Poxa, amor! Como tu és desligado!

Zé Henrique
É o que dá ficares enchendo a cabeça com novela.

Gertrudes
A televisão ensina muitas coisas pra gente.

Zé Henrique
Só novela com sem-vergonhismo. É mulher com mulher, homem com homem. Vale tudo! Só falta o palhaço do circo transar com a mulher barbada. (PAUSA) Por falar em mulher barbada...

Gertrudes brava
Deixa a mamãe em paz!

•     ZÉ HENRIQUE DÁ RISADAS

Gertrudes
Alguns programas da televisão são instrutivos.

Zé Henrique
Sim! Muito instrutivos tal e qual o programa do ôrra meu! Aquele do domingo!

Gertrudes
Poxa!

•     GERTRUDES LEVANTA - COMEÇA A CHORAMINGAR

Zé Henrique
Tá bom, tá bom!

•     ZÉ HENRIQUE LEVANTA – VAI À PLATÉIA

Zé Henrique
Xiiiiiiiiiiiiii! Vai começar a TPM

Gertrudes
O que tu falaste?

Zé Henrique
Nada, mulher! Esquece!

•     ZÉ HENRIQUE VOLTA – SENTA AO LADO DA GERTRUDES – PEGA NA MÃO DA GERTRUDES

Gertrudes
Eu sabia que ias entender!

Zé Henrique
É verdade, mas quero propor uma condição.

Gertrudes
Condição?

Zé Henrique
A partir de hoje não se olha mais novela aqui em casa.

Gertrudes
O quê?

Zé Henrique
Isso mesmo! Sem novela nessa casa. Só futebol.

Gertrudes
Mas por quê? Posso saber o que tens contra as novelas?

Zé Henrique
A mulher do Paulinho, aquela safada... (PAUSA) Começou a chifrar o cara depois que viu certas novelas na tv.

Gertrudes
E tu tá com medo de levar chifre por causa de uma novela?

Zé Henrique
Te fresqueia! Te fresqueia!

Gertrudes
Não mesmo! Tirar o único divertimento que eu tenho! E eu faço o que?

Zé Henrique
Veja um programa instrutivo, de culinária, por exemplo. Pode ser que aprendas a cozinhar melhor!

Gertrudes
Não começa, não começa!

Zé Henrique fazendo cara de safado.
Foi brincadeirinha, mulher! Brincadeirinha! Quem sabe um programa cultural. Se fizeres isso eu massageio teus pés.

Gertrudes
Hunnnnnnnnnnnnnn!

•     GERTRUDES COLOCA O PÉ NO COLO DO ZÉ HENRIQUE
•     ZÉ HENRIQUE MASSAGEIA OS PÉS DA GERTRUDES.

Gertrudes se deliciando
Mais forte! Mais forte! Aiiiiiiiiiiiii, coisa boa.

Zé Henrique
Tá bom, amor?

Gertrudes
Tá! Faz mais forte. Bem forte!

•     ZÉ HENRIQUE SE MEXE NA POLTRONA

Gertrudes gritando brava
Zé Henrique!

Zé Henrique
Quié?

Gertrudes
Olha lá. Hein?

Zé Henrique
Quié, mulher?

Gertrudes
Que isso que tá crescendo aí embaixo no meu pé.

Zé Henrique
Nada! Esquece, mulher

•     GERTRUDES DÁ RISADINHAS

Zé Henrique
Massagem amolece teu pé. E endurece outra coisa.

•     ZÉ HENRIQUE SE ARRUMA NO SOFÁ
•     GERTRUDES CUTUCA VÁRIAS VEZES ZÉ HENRIQUE
•     ZÉ HENRIQUE AFASTA O CORPO UM POUCO VÁRIAS VEZES

Gertrudes
O que houve ontem contigo?

Zé Henrique curioso
O que houve? Como assim?

Gertrudes
Tô falando de ontem a noite.

Zé Henrique
Ah! Daquilo? Nem me fale! Nem me fale!

Gertrudes
É, uma coisa inocente que tentei na cama.

Zé Henrique
Puta que pariu! Inocente? Aquilo?

Gertrudes
É, coisinha inocente entre quatro paredes.

Zé Henrique
Puta que los lambeu, Gertrudes. Tu chama aquilo de inocente?

Gertrudes
É, né? Foi no entusiasmo! Foi inocente

Zé Henrique fala mais forte
E desde quando mulher querer enfiar o dedo na bunda do marido é inocente?

Gertrudes
Entre dois acho que mal não tem.

Zé Henrique
Como assim?

Gertrudes
Ficaste muito estranho quando eu tentei fazer aquilo.

•     ZÉ HENRIQUE PENSATIVO – PIGARREIA - SE ARRUMA NO SOFÁ – SE MEXE NERVOSO

Zé Henrique pensativo
Vamos lembrar uma coisa. Vamos rebobinar este assunto. Por que tu quiseste colocar o dedo lá? (FAZ GESTO)

Gertrudes
Não sei! Me apeteceu!

Zé Henrique
Ah, é! Agora sacanagem tem o nome de apetecer?

Gertrudes
É!

Zé Henrique
Tá bom! Apetecer agora é colocar o dedo na minha bunda?

Gertrudes
É. De leve!

Zé Henrique
De leve uma pinoia! Cacete!

Gertrudes
Não era cacete, Zé Henrique! Era o dedo!

Zé Henrique
Qual dedo seria.

Gertrudes mostrando o indicador
Este!

Zé Henrique
Deixa ver este dedo aí

•     GERTRUDES MOSTRA OS DEDOS DA MÃO AO ZÉ HENRIQUE
•     ZÉ HENRIQUE PEGA O DEDO – EXAMINA – APALPA - OBSERVA TAMANHO - GROSSURA,

Zé Henrique
Tu tá louca! Negativo. Nesta grossura, nem que a vaca tussa!

Gertrudes mostra o dedo minguinho
Nem o pequenino?

Zé Henrique
Nem o grosso, nem o fino!

GERTRUDES RI

Zé Henrique
Mulher! Estamos casados há um tempão e tu nunca fizeste isso!

Gertrudes
É! Mas algumas pessoas fazem isso! Às vezes, né?

Zé Henrique pensativo
Que é isso Gertrudes? Tu já fizeste?

Gertrudes
Eu não!

Zé Henrique com jeito surpreso
Como sabes disto, então?

Gertrudes
A Glorinha.

Zé Henrique
Aquela safada?

Gertrudes
Essa!

Zé Henrique
O que tem a Glorinha?

Gertrudes
Ela enfiou no marido dela!

Zé Henrique
Ela já enfiou o dedo nele?

Gertrudes
Já!

Zé Henrique
Só pode! O Fredinho é meio frescão.

Gertrudes
E daí?

•     ZÉ HENRIQUE FICA INQUIETO

Gertrudes
Quando ela contou, eu pensei: Será que o Zé Henrique não gostaria?

Zé Henrique espantado.
Euuuuuuuuuu?

Gertrudes
É.

Zé Henrique
Bueno! Eu não sou chegado nisso não!

Gertrudes
O marido da Glorinha até que gosta

Zé Henrique
No dele, né! Aqui é que nem válvula. Só vasa em uma direção. No meu só sai! De dentro pra fora. Não entra nada!

Gertrudes
Ah!

Zé Henrique
Nunca mais faça isso, certo?

Gertrudes
Tá certo! Tá certo! Homem quer enfiar no traseiro da mulher. Quando é no dele, no caso, no teu, tu ficas bravo.

Zé Henrique gesticula com as mãos
Pode parar! Quem foi que falou isso?

Gertrudes
Ora essa! Todo homem tem a fantasia de atacar pela retaguarda?

Zé Henrique categórico
Eu não! Eu não! Tô fora!

Gertrudes
Verdade? Não tem vontade mesmo?

Zé Henrique
Não! Nunca fui chegado nestas coisas. Tendo lugar melhor onde colocar, vou lá colocar dois centímetros abaixo? Por que faria isso

•     GERTRUDES FICA OLHANDO CHATEADA PARA ZÉ HENRIQUE

Gertrudes
E olhar? Não quer olhar meu (APONTA PARA O TRAZEIRO)?

Zé Henrique
Olhar teu... (APONTA PARA O TRAZEIRO DA GERTRUDES)

Gertrudes
Isso! Certo! (CHORAMINGA) Tu tá menosprezando O meu (FAZ MÍMICA)!

Zé Henrique
Mulher! Pára com isso!

Gertrudes
Se não despreza? Por que não quer olhar?

Zé Henrique
Não quero!

Gertrudes
E se fosse o da Glorinha?

Zé Henrique
Também não.

Gertrudes sorridente
O meu é mais bonito que o da Glorinha

Zé Henrique
Ah, é! Não sabia que tinhas participado de um concurso de redondo?

GERTRUDES RI

Zé Henrique
Os critérios são pela cor do dito-cujo? Ou pelo número de pregas?

Gertrudes
Sei lá! Mas eu acho que o meu é mais bonito!

Zé Henrique
Tenho certeza que teu (FAZ MÍMICA)) é maravilhoso. Talvez até seja a nona maravilha do mundo (PAUSA) Dos mais lindos! Na verdade ele é ótimo!

Gertrudes
Como sabes se nunca olhaste.

Zé Henrique
Ai! Ai! Ai!

Gertrudes
Então por que não te interessar olhar?

Zé Henrique
Mulher! Mulher!

Gertrudes
Tu devias olhar! Homem que ama olha.

Zé Henrique
Mas pra que olhar, Gertrudes? Posso amar um fiofó sem olhar!

Gertrudes
Viu como és?

Zé Henrique
Olhar pra quê? Eu sei onde ele está! Está sempre onde esteve!

Gertrudes
Não é só olhar! E ver e apreciar.

Zé Henrique
Só faltava essa! Eu virar olhador de fiofó! E o pior! (PAUSA BREVE) Apreciador! Pode parar!

Gertrudes
Malvado!

Zé Henrique
Diga a razão que devo olhar?

Gertrudes
Ora essa! Porque sou tua mulher! Tu devias te interessar mais pela minha bunda.

Zé Henrique
E o que mais?

Gertrudes
Pelos anexos dela.

Zé Henrique
Pra quê? Pra quê?

Gertrudes
Devias conhecer o meu (FAZ MÍMICA) tim-tim por tim-tim. Marido que é marido tem que saber tudo sobre sua mulher. (PAUSA – APONTANDO) Principalmente dele!

•     ZÉ HENRIQUE COÇA NÁDEGAS - SURPRENDE-SE COÇANDO O TRASEIRO - DISFARÇA - COÇA A CABEÇA

Gertrudes
Temos que saber tudo um do outro.

Zé Henrique
Com que finalidade? Pra que eu vou saber coisas do centro da tua bunda, mulher?

Gertrudes
Já pensaste! Se eu me acidento e fico toda desfigurada! Como vais me identificar?

Zé Henrique
Queres dizer que aqui no Brasil iremos reconhecer cadáver pelo (FAZ GESTO FECHANDO DEDO INDICADOR COM POLEGAR).

•     GERTRUDES RI

Zé Henrique coloca a mão na testa
Pode parar! Queres dizer que, se te acidentares, e ficares irreconhecível, eu vou te identificar pelo fiofó?

Gertrudes
É claro! Se tu olhar de vez enquanto vais te familiarizar. Se eu ficar irreconhecível, tu me identifica por ele (FAZ GESTO UNINDO POLEGAR AO INDICADOR)

Zé Henrique agitado
Só falta tu querer fazer impressão digital do (FAZ MÍMICA), né? (PAUSA) Tá certo, todo mundo deve ter as pregas diferentes mesmo. Igual as digitais. Nem uma prega de um é igual a prega de outro!

Gertrudes
É!

Zé Henrique
Na verdade tem gente aí que já perdeu umas.

GERTRUDES RI

Zé Henrique
Só imagino o acervo de fotos de fiofós na polícia. (PAUSA) Tu és um gênio! Acabaste de inventar um álbum da polícia para identificar pessoas pelo (FAZ GESTO FECHANDO DEDO INDICADOR COM POLEGAR).

Gertrudes
É?

Zé Henrique
Tá bom! Tá bom! Vais dizer que quer que eu olhe agora?

Gertrudes
Agora não! Depois!

Zé Henrique
Por quê?

Gertrudes
Agora tô vendo TV!

•     OUVE-SE BARULHO NA COXIA – PORTA ESQUERDA
•     ZÉ HENRIQUE E GERTRUDES FICAM PARADOS TENTANDO ESCUTAR - PUXAM COBERTOR E TAPAM OS CORPOS
•     MAIS BARULHO NA COXIA – PORTA ESQUERDA
•     ZÉ HENRIQUE E GERTRUDES FICAM ATENTOS
•     BARULHO CESSA
•     ZÉ HENRIQUE E GERTRUDES SE MEXEM EMBAIXO DO COBERTOR

Zé Henrique
Que é isso, mulher?

Gertrudes
Espera, espera! Fica quieto!

Zé Henrique
Tá bom! Tá bom!

Gertrudes
Zé Henrique! Zé Henrique! Tira essa coisa daí!

Zé Henrique
Que coisa?

Gertrudes
Esta coisa grande.

BREVE SILÊNCIO

Gertrudes
Peguei!

Zé Henrique ri
Pegaste? Não sinto nada!

Gertrudes retirando de baixo do cobertor uma latinha de cerveja.
Sim, tá aqui, ó!

Voz em off da Chiquinha (Lado Esquerdo)
Manhê! Manhê!




Cena 9 – semântica familiar
Personagens em cena:
•     Zé Henrique
•     Gertrudes
•     Chiquinha
•     Romário

Voz em off da Chiquinha (Lado Esquerdo)
Manhê! Manhê!

Gertrudes
Quié? Tô aqui na sala com o teu pai.

•     CHIQUINHA ENTRA NA SALA lado esquerdo - SENTA NO SOFÁ
•     ZÉ HENRIQUE VAI ATÉ FRENTE DO PALCO – FALA EM SEGREDO COM PLATÉIA

Zé Henrique
Querem ver o vocabulário das mulheres. Ninguém entende. É só esperar elas começarem.

Chiquinha
Manhê! Onde colocaram aquele negócio?

Zé Henrique
Viu! Começaram!

Gertrudes
Começamos o que, Zé Henrique? Deixa tua filha falar.

•     ZÉ HENRIQUE LEVANTA – DISFARÇA – VAI À PLATÉIA

Zé Henrique
Nós homens sofremos com a ditadura das mulheres. Já viram duas mulheres conversando? Quem entende conversa de mulher? E de mãe e filha é pior. Falam uma língua que nenhum homem, por mais santo que seja, consegue decifrar.

•     MÃE SEGURA A MÃO DA CHIQUINHA
•     ZÉ HENRIQUE APONTANDO PARA A CHIQUINHA E DEPOIS PARA A GERTRUDES

Zé Henrique disfarçando e apontando para as duas
Essas duas falam um dialeto que parece ser português. Mesmo assim, eu nada entendo.

•     ROMÁRIO ENTRA pela porta esquerda

Zé Henrique disfarçando e apontando para as duas
Vem cá, filho. Veja o que vais enfrentar quando casares.

•     ZÉ HENRIQUE VIRA-SE PARA AS DUAS E FICA ESCUTANDO
CHIQUINHA FAZ GESTO ESPALMADO A MÃO MOSTRANDO UM TAMANHO QUALQUER,

Chiquinha olha para Romário
Guri! Onde é que tá aquilo.

Romário
Que aquilo? O que é ou quem é esse tal de aquilo?

Chiquinha
Tu deves ter pegado aquilo. Me devolve!

Romário irritado
Aquilo o e quê?

Zé Henrique fazendo sinais
Filho! Vem aqui.

Romário
Pai! O que elas estão falando? O que é esse aquilo que elas falam?

Zé Henrique
E eu por acaso sei? Escuta só e me dê razão. Vê se entendes a conversa das duas.

Romário irritado e nervoso
Pai, ela disse que eu peguei um tal de aquilo. Mas se não sei o que é aquilo, como vou poder pegar algo que não sei nem o que é?

Zé Henrique
Filho, nem tente entender conversa de mulher. Nós não sabemos o que é aquilo, mas elas sabem do que estão falando. Queres ver?

Romário
Mas elas estão atrás de um aquilo, pai!

Zé Henrique se virando pra platéia
Eu sei! (PAUSA) Ela disse aquilo! Mas ninguém sabe que bosta é. Mas tenha certeza: Todo aquilo tem nome.


•     CHIQUINHA FAZ GESTO ESPALMADO A MÃO MOSTRANDO UM OBJETO IMAGINÁRIO DE UNS 25 CM

Chiquinha
Pô. Manhê! Quedê aquilo.

Zé Henrique
Olha, filho! Olha só o tamanho daquilo.

Romário
Será que o aquilo é aquilo que estou pensando?

Zé Henrique
Sai, mente suja, este aquilo não é aquilo que estás pensando!

Romário
Continuo na mesma!

Zé Henrique
Tu podes não saber o que é aquilo. Mas olha! (APONTA) Aquelas duas sabem.

Romário
Mas que conversa é esta, pai?

Zé Henrique
É a linguagem feminina! Só elas entendem. Fica quieto e vamos prestar atenção!

Gertrudes olhando Chiquinha
Aquilo tá em cima daquela coisa!

Zé Henrique dá risada histérica
Viu? Aquilo eu estava adivinhando que seria. E agora esta porcaria do aquilo está cima da coisa. O que será esta tal de coisa!

•     ZÉ HENRIQUE E ROMÁRIO ACOMPANHAM A CONVERSA E A CADA FRASE DITAS PELAS MULHERES FAZEM TREJEITOS DE QUE NÃO ESTÃO ENTENDENDO NADA

Gertrudes, mais incisiva, ainda olhando Chiquinha
Filha, já falei, aquilo tá em cima daquela coisa

Chiquinha
Onde mãe?

Gertrudes
Perto daquele negócio!

Zé Henrique
Bosta! Agora complicou. Não sei o que é aquilo que está em cima da coisa. E agora esta coisa tá ao lado do negócio.

Romário
Pai! Tu tá vendo que elas sabem o que tão falando uma com a outra?

Zé Henrique
Tô vendo! Tô vendo!

Gertrudes com a mão no ombro da Chiquinha
Mas pra que tu queres aquela coisa?

Chiquinha
Pra vestir com os outros trecos.

•     ZÉ HENRIQUE CORRE DE UM LADO PARA OUTRO ARRANCANDO OS CABELOS – VOLTA E FICA AO LADO DO ROMÁRIO

Zé Henrique
Treco! Treco! Mas que trecoooooooooooo!

•     GERTRUDES E CHIQUINHA SENTAM NA POLTRONA

Zé Henrique
A gente parece que está em outro país. Ou planeta! Sei lá!

Romário
Por quê, pai?!

Zé Henrique
Ora! Se elas falassem palavras de uso corriqueiro, que este modesto pai (BATE NO PEITO) e marido entendesse, seria muito bom. Eu não entendendo patavina

Romário
Nem eu!

Zé Henrique
Mas elas cada vez mais se entendem.

•     GERTRUDES E CHIQUINHA LEVANTAM

Chiquinha
Tem certeza aquela coisa tá lá, mãe?

Zé Henrique desesperado
Espera aí! Ela não está procurando a coisa. Ela procura é aquilo (FAZ GESTO COM A MÃO MOSTRANDO O TAMANHO). Aquela coisa está é ao lado daquilo.

Romário
Calma, pai! Calma!

Gertrudes apontando para uma das portas
Absoluta certeza, é só ir por ali.

Zé Henrique
Bom, este ali eu acho que entendi.

Romário
Pudera, pai, ela apontou o ali!

Chiquinha olhando o Romário
Guri, tu não sabes onde está aquilo?

Romário
Ah! Aquilo tá em baixo daquela coisa.

Zé Henrique olhando para Romário
Até tu, Brutus! Traidor de uma figa. Agora estás entendendo as duas?

•     ROMÁRIO RI

Zé Henrique olhando para Romário
Mudou de time. (PAUSA) será que tu não é chegado? Não posso acreditar. (APONTA ROMÁRIO) Tu é macho. Puxou ao pai. (PAUSA – COÇA A CABEÇA) Será?

Romário
Quié isso pai, eu também não entendi. Só disse pra Chiquinha pra ela não me chamar de burro.

Zé Henrique abraça Romário
Filho meu! Filho meu!

Gertrudes olhando Romário
Tens certeza que o treco tá lá?

Romário pisca olho para o pai. Olha para a mãe
Claro, vi o treco lá. Quer que eu pegue pra senhora?

Chiquinha
Não te mete. Tu vais acabar quebrando o treco.

Romário
Olha aí, mãe! (VIRA-SE PARA O PAI) olha esta guria aí, pai.

Zé Henrique se dirige à Gertrudes e filha
Tô fora. Tu e ela que são alienígenas, que se entendam

Romário
Eu só queria ajudar

Zé Henrique olhando Romário
Tô boiando. Se falassem palavras mais fáceis, de uso corrente.

Romário
Que tipo pai?

Zé Henrique
Tais como algures, alhures ou talvez nenhures, quiçá eu entendesse essa estranha parolagem.

Romário com deboche
Pô, pai, agora eu que não entendi. Tu não é chegado, pai?

Zé Henrique
Olha o respeito, guri!

Romário
Brincadeirinha! Brincadeirinha!

•     ZÉ HENRIQUE ACOMPANHA CONVERSA ENTRE GERTRUDES E CHIQUINHA

Chiquinha
Mãe, vou buscar aquilo. Será que está lá?

Gertrudes
Mas claro, filha, o negócio tá ao lado daquilo.

Chiquinha
Em cima? Ou em baixo?

Gertrudes
Embaixo, ao lado daquela coisa.

•     CHIQUINHA SAI PELA PORTA QUARTO FILHA DO CENTRO
•     GERTRUDES SENTA POLTRONA E FICA MEXENDO NO SELETOR DE CANAL DA TV

Zé Henrique explicando ao Romário
Já sei! A guria foi buscar o tal aquilo que estava ao lado da coisa. Ou será que ela não quer é o negócio. (PAUSA) Quem sabe o treco. Que dúvida cruel.

Romário
È mesmo, pai!

Zé Henrique
Acho que vai me dar um treco. (PAUSA) É, falei treco, mas este treco é uma coisa diferente dos trecos que elas procuram. (PAUSA) Se a filha voltar com o raio da coisa, ou com o aquilo, vamos saber o que é.

Romário
Agora vamos sabe o que este negócio e o aquilo delas.

•     CHIQUINHA VOLTA DO QUARO DA FILHA – FUNDOS PALCO
•     VEM SEM NADA NAS MÃOS - VAI ATÉ AÀ MÃE

Romário olhando o pai
Nãoooooooooooooooooooo

Zé Henrique
Esta porcaria voltou sem a coisa

Romário
E muito menos com o aquilo, que pelo jeito não estava em cima do raio do treco.

Zé Henrique
Se voltasse com um objeto palpável, visível, real, sólido, que ocupasse lugar no espaço, eu entenderia a conversa.

Romário
Eu também!

Zé Henrique
Daí eu descobriria o que seria aquilo ou, quem sabe, o treco e o negócio. (PAUSA) Como sei que não existem coisas invisíveis, o treco deve ter ficado em cima do aquilo.

Chiquinha
Mãe, aquilo não tá ao lado daquela coisa.

Gertrudes
Tens certeza?

Zé Henrique olha para Romário
Vai começar tudo de novo!

•     ROMÁRIO SACODE OS OMBROS

Chiquinha
Mãe, não tava nem em cima daquilo.

Gertrudes
Vai ver que o outro pegou!

Chiquinha
Quem?

Gertrudes
O amigo barbudinho do teu irmão.

Romário
O de barba ruiva?

Gertrudes
Não, o outro. Aquele sicrano de barba escura e rala.

Romário
Ah! O Berruga?

Chiquinha
Berruga?

Romário
É o apelido dele

Chiquinha
Por que este apelido?

Romário
Ele tem uma berruga no... na... deixa pra lá!

Chiquinha
Ah! Mas ele esteve aqui e entrou lá?

Gertrudes
Sim. Junto com o beltrano.

Romário puxando a manga da camisa do pai
Pai! Quem é este Beltrano?

Zé Henrique
Sei lá! Não são amigos teus?

Chiquinha
Mas aquele fulano vai me pagar se ele pegou aquilo pra fazer qualquer coisa.

Romário olha para o pai
Não sei quem é este fulano?

Zé Henrique
Bom, filho, pelo menos entendemos as palavras fulano, beltrano e sicrano. Mesmo não sabendo de quem elas falam.

Romário
Ninguém entende essa língua! Vou jogar videogame. Fuiiiiiiiiiii

•     ROMÁRIO SAI DA SALA




Cena 10 – mais confusão
Personagens em cena:
•     Zé Henrique
•     Gertrudes
•     Chiquinha

Zé Henrique segreda com platéia
An rã, agora vou me vingar. Vou falar na mesma língua.

Zé Henrique
Amor! (VIRA-SE PARA GERTRUDES) Posso tomar aquilo que tá lá junto com aquele outro treco?

Gertrudes
Pode, só não vai sujar lá.

Zé Henrique à platéia
Bosta! Ela entendeu o que falei. Não sei como é que ela compreendeu que, para as duas, aquilo era uma coisa, enquanto pra mim, aquilo era outro negócio diferente. Minha esposa, por conhecer aquela estranha língua, entendia que o meu aquilo não era o aquilo que minha filha estava procurando.

Chiquinha
Pai! Pega aquela outra coisa em cima do treco. Pode pegar também aquele negócio que eu preparei para o aperitivo.

Zé Henrique
Pra quê?

Chiquinha
Pra tomar com aquilo que pediste à mamãe.

Zé Henrique
Tá.

Chiquinha
Cuida pra não sujar o lá.

Zé Henrique impaciente
Tá filha!

Chiquinha
Não esquece de pegar o treco.

Zé Henrique orgulhoso
Entendi, filha! Aprendi esse outro idioma.

Chiquinha
Que idioma pai?

Zé Henrique
A linguagem familiar.

•     CHIQUINHA RI

Zé Henrique vibrando
Tô no planeta Brasil, novamente. Fiz contato imediatos de 1º grau com a família. Sou poliglota.

•     ZÉ HENRIQUE SAI PELA PORTA LADO ESQUERDO
•     GERTRUDES E CHIQUINHA SENTAM NA POLTRONA
•     ZÉ HENRIQUE VOLTA COM UMA LATINHA DE CERVEJA, UM COPO E UMA BANDEJA COM SALGADINHOS.
•     GERTRUDES E CHIQUINHA CONVERSAM EM SEGREDO
•     ZÉ HENRIQUE VAI Á PLATÉIA

Zé Henrique
Querem ver a loucura que é a semântica familiar? Sabem o que é o treco que elas falaram? Nem eu! (PAUSA) O treco que eu falei era a geladeira. Pode? (PAUSA) O aquilo delas é outra coisa. O meu treco é esta cervejinha aqui. (PAUSA) E o negócio delas eu não sei o que é O meu negócio é simplesmente esses tira-gosto aqui. Dá pra agüentar? (PAUSA) Agora podem acreditar. A outra coisa é este copo de vidro. (PAUSA – APONTA PARA A POLTRONA) Agora vou sentar no lá. (APONTA A POLTRONA) Ou melhor naquilo.

•     ZÉ HENRIQUE VAI ATÉ A POLTRONA AO LADO DA MESINHA

Gertrudes
Não sujaste nada lá, né?

Zé Henrique
Espera, Gertrudes! Qual lá que tu estás falando?

Gertrudes
Falo do lá onde tiraste isso!

Zé Henrique
Ah! O teu lá.

Zé Henrique
Não, não sujei o lá. Nem o acolá!

Gertrudes
Que acolá?

Zé Henrique faz mímica com a boca para a platéia
Acolá é Ge-la-dei-ra! Ge-la-dei-ra! (VOLTA A FALAR COM A GERTRUDES)Também conhecida como lá.

Zé Henrique
Sujei lá só um pouquinho. Mas limpei com aqueles trecos.

Gertrudes
Que trecos?

Zé Henrique
Os trecos, ora!

Chiquinha
Isso pai, e depois guardaste os trecos?

Gertrudes
O que são trecos?

Chiquinha
Alouuuuu, mamãe! Os trecos são a vassoura e o pano da casa!

Zé Henrique sarcástico
Viu, Gertrudes, quem com semântica familiar fere, com semântica será ferido.

Gertrudes brava
Já sei! Já sei! Guardaste os trecos ou não?

Zé Henrique
Atrás daquilo!

Gertrudes brava
Olha!

Zé Henrique
Amor! Daquilo é a porta!

•     OUVE-SE BARULHO EM OFF – CENTRO PALCO - DENTRO QUARTO DA FILHA

Zé Henrique
Que barulho é este na porta dos fundos.

•     GERTRUDES E CHIQUINHA SE OLHAM COM CUMPLICIDADE

Zé Henrique
Ouviram?

Gertrudes assustada olhando para Chiquinha
Eu não escutei nada não.

Chiquinha assustada
Nem eu, nem eu!

Zé Henrique
Então tô louco! Ouvi bem direitinho um barulho na janela do quarto da Chiquinha!

•     GERTRUDES E CHIQUINHA SE OLHAM COM CUMPLICIDADE - ZÉ HENRIQUE LEVANTA – ESCUTA À PORTA DO QUARTO DA FILHA.

Zé Henrique
Fiquem aqui, vou lá ver o que é!

•     CHIQUINHA E GERTRUDES DEMOSTRAM NERVOSISMO

Gertrudes nervosa
Melhor não ir.

Zé Henrique
Ué, por quê? Vou lá e mato o desgraçado do ladrão que entrou!

Gertrudes
E vais deixar a filha viúva antes dela casar?

Zé Henrique bravo
O quê? Viúva? Como assim?

Chiquinha nervosa
Pai, deve ser o Ginivaldinho.

Gertrudes com cumplicidade para Chiquinha
É, o Ginivaldinho.

Zé Henrique
Ginivaldinho. Quem é este cara?

Chiquinha
Meu novo namoradinho.

Zé Henrique
Novo? E o velho?

Chiquinha e Gertrudes
Já era!

Gertrudes
Agora o namorado já é outro.

Zé Henrique sarcástico
Ainda bem que a cama já tá comprada.

Gertrudes
Agora o Ginivaldinho é o namorado da tua filha!

Zé Henrique
E como este traste entrou?

Gertrudes
Dei uma cópia da chave do portão pra ele.

Zé Henrique
Nãoooooooo. Dar a chave do portão da nossa casa para um cara que se chama Ginivaldinho?

Chiquinha
É um apelido, pai. O nome é Genisvaldoclai.

Zé Henrique surpreso
O nome deste traste é Genisvaldoclai?

Chiquinha
É!

Gertrudes com cumplicidade para Chiquinha
É!

Zé Henrique
Tão brincando comigo!

Gertrudes e Chiquinha juntas.
Estamos não!

Zé Henrique
Tanto faz! Piorou. Tá certo, mas como ele entrou no quarto?

Chiquinha
Pulou a janela

Zé Henrique
Pulou a janela? Não acredito.

Chiquinha
É que a chave da porta da frente ainda não veio.

Zé Henrique olhando para Getrudes
Tu queres me dizer que aquela chave que mandei fazer e paguei é pra ele?

Chiquinha
É, pai!

Gertrudes brava
Deixa eles, deixa eles. Tu até esquece quando nós namoramos.

Zé Henrique
Mas não no quarto. Se eu entrasse no teu quarto o teu pai me capava.

Gertrudes rindo
No quarto não, mas quando a gente via televisão tapados com um cobertor.

Zé Henrique olhando pra Chiquinha
Xiiiiiiiiiiiiiiiiiiii! Calada!

Chiquinha sacudindo a cabeça
An rã!

Zé Henrique
An rã o quê?

Chiquinha com cara sapeca
Tu e a mãe!

Zé Henrique
Mas era tudo numa boa.

Chiquinha
Numa boa, né? Mas era bom, né?

•     ZÉ HENRIQUE TOSSE! SE ENGASGA
•     CHIQUINHA VAI EM DIREÇÃO AO QUARTO DA FILHA - FUNDOS

Zé Henrique
Aonde tu vai?

Chiquinha
Vou lá ver o Genisvaldoclai.

Zé Henrique
Ah! O Ginivaldinho.

Chiquinha
É!

Zé Henrique
Chiquinha! Chiquinha!

Chiquinha
Quié, pai

Zé Henrique
Deixa a porta do quarto aberta

Chiquinha
Ah! Pai!

Zé Henrique
Tá bem, pode fechar. Mas fiquem fazendo uma coisa.

Chiquinha
Que coisa, pai?

Zé Henrique
Fiquem assobiando e batendo palma. Aí sei que nada está acontecendo lá dentro.

Gertrudes empurra a Chiquinha
Vai! Vai!

•     CHIQUINHA ENTRA NO QUARTO DA FILHA - FUNDOS – FECHA A PORTA

Zé Henrique
Tu viu, mulher. Esta guria não me obedece

Gertrudes
Mas tu é quadrado, homem, Deixa eles namorarem

Zé Henrique
Namorar é? Tão é... (FAZ GESTO DE FAZENDO SEXO)

Gertrudes
Quadrado.

Zé Henrique
Quadrado, é! E se essa guria engravidar?

Gertrudes
Que é que tem?

Zé Henrique
Tu vai cuidar dos netos, viu?

Gertrudes
Não tem perigo. Ela tá protegida.

Zé Henrique
Protegida! Tomara!





Cena 11 – discussão final
Personagens em cena:
•     Zé Henrique
•     Gertrudes

•     ZÉ HENRIQUE VAI ATÉ À TV. MEXE NO APARELHO. VAI ATÉ PORTA DO QUARTO DA FILHA. COLOCA OUVIDO E ESCUTA. SACODE A CABEÇA. FAZ MENÇÃO QUE VAI BATER NA PORTA. DESISTE. VOLTA AO CENTRO DO PALCO. SENTA

Zé Henrique
Que será que estes dois estão fazendo lá dentro. (PAUSA) Nem quero saber, quanto menos olhar ou ouvir, melhor. (PAUSA) Tenho uma tese de homem que tem filha. (PAUSA) Deus dá filha para homem quando este é muito sem-vergonha quando jovem? (OLHA PARA A PLATEIA) Tá cheio por aí!

Gertrudes
Vestiu a carapuça, né? Tens filha porque eras safado em jovem?

Zé Henrique
É tese, mulher. Eu não! Mas é certo o castigo para estes é ter filha. O que se faz com a filha dos outros, podem fazer com a da gente. Só que hoje com maior liberdade. No da gente arde! É uma porcaria a gente passar de consumidor (FAZ GESTO DE SEXO PUXANDO OS PUNHOS FECHADOS EM DIREÇÃO AO CORPO) para fornecedor.

•     ZÉ HENRIQUE CAMINHA NO PALCO – OLHA PRA GERTRUDES

Zé Henrique dando bronca com a Gertrudes
Tu viste! Tu és a culpada se esta guria ficar prenha.

•     ZÉ HENRIQUE LEVANTA – VAI EM DIREÇÃO AO QUARTO DA CHIQUINHA – VOLTA E PEGA UM COPO EM CIMA DA MESINHA – VAI À PAREDE – TENTA ESCUTAR COM O COPO O QUE SE PASSA NO OUTRO LADO. FAZ MURISQUETAS ENTRE BRABO E NERVOSO – VOLTA E SENTA NA POLTRONA

Zé Henrique dando bronca com a Gertrudes
Se esta guria engravidar, eu te mato!

Gertrudes
Não tem perigo, eu já disse que ela tá protegida.

Zé Henrique
Protegida? De que maneira?

Gertrudes
Tou dando camisinha pra ela usar.

Zé Henrique desesperado
O queeeeeeee! Camisinha?

Gertrudes
É, comprei no rancho!

Zé Henrique
Tu estás falando que aquelas camisinhas que compramos no rancho eram para aqueles dois?

Gertrudes
É!

Zé Henrique
Aquelas camisinhas tamanho GG?

Gertrudes
É sim. Tu pensa que GG era pra ti?

Zé Henrique
Ué, por quê?

Gertrudes
Te faz de besta, homem!

Zé Henrique
Não entendi!

Gertrudes
Tu não usa mais camisinha.

Zé Henrique
Tá me gozando?

Gertrudes ri
Além do mais...

Zé Henrique
O quê?

Gertrudes
Camisinha pra ti (DÁ RISADINHA) tem que ser tamanho PP.

Zé Henrique
Engraçadinha! Mas bem que tu gostava, né!

•     GERTRUDES RI

Zé Henrique aponta para cortina
Este filho da mãe tá no fuque-fuque com a guria e eu que pago o pato. Digo... a camisinha!

Gertrudes
É sim, ou queres que ela engravide?

Zé Henrique
É demais. Pago o pato, pago colchão, pago camisinha de Vênus, qualquer hora este filha da puta vai querer me comer!

Gertrudes
Deixa pra lá, vamos ver TV

•     ZÉ HENRIQUE E GERTRUDES SENTAM PRA VER TV

Zé Henrique
Tu não estás com frio?

Gertrudes
Mais ou menos

Zé Henrique
Pega o cobertor!

Gertrudes
Sem-vergonha!

Zé Henrique bem sensual
Pega. Vai.

•     GERTRUDES PEGA O COBERTOR – COLOCA O COBERTOR NOS DOIS TAPANDO ATÉ O PESCOÇO - OS DOIS SE OLHAM
•     ZÉ HENRIQUE COMEÇA A APALPAR POR TUDO EMBAIXO DO COBERTOR

Gertrudes
Pára, Zé Henrique! Pára. Olha as crianças.

Zé Henrique
Tu acha que tua filha vai voltar aqui. Devem estar fazendo pior lá dentro.

Gertrudes
Pára, homem!

Zé Henrique
Era só o que falta (PAUSA – OLHA PRA CORTINA) o filho da mãe do Givanildinho faz o que quer aqui em casa e eu se faço tenho que me cuidar todo.

•     ZÉ HENRIQUE CONTINUA A APALPAR POR BAIXO DO COBERTOR

Gertrudes
Zé Henrique, tu não é mais o mesmo.

Zé Henrique
Ué, por quê?

Gertrudes
Tu já não sabe mais onde apalpar.

•     ZÉ HENRIQUE CONTINUA A APALPAR POR BAIXO DO COBERTOR

Gertrudes
Afinal, Zé Henrique! Que tu tá querendo?

Zé Henrique
Não acho o controle da tv.

Gertrudes entregando o controle ao Zé Henrique
Tá aqui esta porcaria.

•     GERTRUDES SE AFASTA UM POUCO.

Zé Henrique carinhoso
Vamos lá para o quarto, vamos.

Gertrudes
Não!

Zé Henrique
Vamos.

Gertrudes
Sem TV?

Zé Henrique
Sem TV!

Gertrudes
Jura?

Zé Henrique beijando os dedos
Juro!

Gertrudes
Tá bom! Então vamos (PAUSA), Espera aí! Tenho um presente pra ti.

Zé Henrique
Pra mim?

Gertrudes
É, tu tá precisando.

Zé Henrique
Meia? Gravata?

Gertrudes
Mais útil ainda. Comprei quando fizemos o rancho.

Zé Henrique
No racho?

Gertrudes
Na farmácia.

Zé Henrique
Dá logo então, mulher!

Gertrudes
Tá ali na mesinha. Pode pegar!

•     ZÉ HENRIQUE LEVANTA E VAI ATÉ MESA AUXILIAR AO LADO - PEGA O PRESENTINHO
•     GERTRUDES SAI PELA PORTA LADO ESQUERDO

Gertrudes saindo cara sapeca
Vem logo.

•     ZÉ HENRIQUE VAI À FRENTE DO PALCO. ABRE O PACOTE

Zé Henrique grita
Viagra! Viagra!

•     ZÉ HENRIQUE VAI ATÉ MESINHA, SERVE ÁGUA TOMA O COMPRIMIDO – OLHA A PLATEIA – PENSA – TOMA MAIS UM COMPRIMIDO - FICA DE COSTAS E OLHA PLATEIA VIRANDO O PESCOÇO – PISCA OLHO – MÍMICA DE AJEITAR OS GENITAIS - OLHA PLATEIA - PISCA OLHO.

Zé Henrique grita
Shazam!

•     ZÉ HENRIQUE SAI CORRENDO PELA PORTA DO LADO ESQUERDO

                           
Pano






Inspirada em contos publicados pelo autor, no Livro CONTOS PARA BISOLHAR; e em contos publicados no Jornal Tal & Qual e RS Letras.


VEJA MAIS ROTEIROS DO AUTOR NO “RECANTO DAS LETRAS”




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