Login
E-mail
Senha
|Esqueceu a senha?|

  Editora


www.komedi.com.br
tel.:(19)3234.4864
 
  Texto selecionado
QUEM VIU O ZE CACHAÇA? - PARTE 3
EMANNUEL ISAC

Tião ainda permaneceu quieto no mesmo lugar. Fez um gesto com a mão para que Ligeirinho desse a volta e se aproximasse de Zé pela frente. Ao perceber que alguém se aproximava, Zé tratou de esconder o álbum dentro da roupa o mais rápido possível:

          - O que você quer? - Perguntou Zé, assim que Ligeirinho chegou mais perto;
          - Carma moço! Eu sou o ajudante do Delegado!
          E cadê o Delegado?

          Nesse momento, Tião aproveitou para sair de onde estava:

          - Estou aqui! Eu só vim te buscar pra te levar para a delegacia!
          - Tá me prendendo de novo?
          - Não! É que parece que esta noite vai chover e o Dr. Prefeito mandou te colocar lá na delegacia por causa da chuva!
          - Não, obrigado! Estou muito bem aqui! - Zé estendeu o lençol sobre a relva e se ajeitou pra deitar;
          - O moço não tá entendendo; quando aqui chove, é de arrancar toco de pau!
          - É sim seu Zé! Se tú ficar aqui, amanhã não vamos nem encontrar esqueleto do senhor pra enterrar! - Corroborou Ligeirinho com as palavras de Tião.

          Zé olhava para os dois homens parados à sua frente com o olhar de desconfiança. Abriu a sacola velha e retirou de dentro dela uma garrafa de cachaça; sorveu uma talagada das grandes, respirou fundo e finalmente falou:

          - Tudo bem! Mas é só por esta noite! Amanhã eu tomo meu rumo na estrada! - Os três homens seguiram rumo à delegacia.
                          ---------- - - - - - - - - - - - - - - - - -

          Não demorou muito e após se ajeitar na cama que o Delegado lhe ofereceu, Zé entrou em um sono profundo. O Delegado esperou mais alguns minutos e foi revirar os trapos dele. Pouco tempo depois, encontrou o que tanto procurava; o álbum de fotos que vira Zé olhando e chorando.

          Afastou-se da cama nas pontas dos pés, foi para um canto isolado da delegacia e começou a folhear o álbum. À medida que observava as fotos, começou a entender um pouco mais da situação daquele andarilho. Tião parou o olhar em uma foto que lhe chamara a atenção: nela, Zé aparecia segurando um buquê de rosas com um dos braços e um ursinho de pelúcia, o outro braço envolto no gesso e seguro por uma tipoia, o rosto ainda meio que inchado e alguns hematomas em volta dos olhos. Nitidamente, podia se perceber as lágrimas que lhe caíam dos olhos.

          Tião resolveu tirar a foto do álbum para olhar de mais perto sob a luz fraca da delegacia, quando um pedaço de papel caiu; ele pegou o papel e abriu. Nele estava escrito: “25 de junho de 2010 – a última noite”. Ele ficou sem entender direito quando observou atrás da foto mais alguns dizeres: “o dia da minha morte”.

          O Delegado ficou a matutar o que seria aquilo, quando sentiu um ar quente em seu pescoço; lentamente foi virando para trás e quase caiu quando viu Zé com os olhos arregalados e com uma expressão de raiva na face:

          - Quem te deu o direito de mexer nas minhas coisas? - Gritou ele quase cuspindo no rosto do Delegado;
          - Eu precisava saber quem é você realmente e...
          - Isso não te dá o direito de mexer nas minhas coisas!
          - Tudo bem! Será que podemos conversar, calmamente? - O Delegado tentava amenizar a situação.

          Aos poucos Zé foi se acalmando e baixou o olhar. Pegou o álbum de volta das mãos de Tião e voltou para a cama. Balbuciou alguma coisa que Tião só entendeu as últimas palavras:

          - Amanhã a gente conversa...
                  - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

          Ligeirinho e Tião estavam sentados tomando café, quando Zé cachaça apareceu. O Delegado ofereceu um lugar à mesa para ele e pôs o bule de café à sua frente:

          - Deu pra vós micê descansar? - Perguntou Ligeirinho;
          - Um pouco! Mas deu pra quebrar o galho! - Respondeu ele;
          - Aproveita que o café tá quente e o bolo saiu do forno agorinha mesmo! - O Delegado oferecia a Zé as coisas em cima da mesa.

          Tomaram o café sem falarem muito. O Delegado deu algumas ordens à Ligeirinho e em seguida ele saiu. Tião aproveitou o momento a sós com Zé e perguntou:

          - Aquela foto, em que vós micê está com rosas nas mãos e um bicho de pelúcia, tem alguma coisa a ver com sua família?
          - Tem tudo!
          - Quer conversar um pouco?
          - É sempre a mesma coisa; em todo lugar que eu chego, as pessoas querem saber sobre o meu passado. Eu tento enterrá-lo, mas sempre alguém o ressuscita das minhas lembranças... - Zé falava consigo mesmo, olhando para a parede. Olhou para o Delegado e continuou:
          - Aquela foto, a minha cunhada tirou no dia do enterro de minha esposa e de minha filha!
          - Como assim? - Tião se acertou na cadeira, olhando fixamente para Zé;
          - Foi no dia vinte e três de junho de dois mil e dez, voltávamos de uma festa junina e sofremos um acidente de carro!
          - Por isso vós micê estava com o rosto ralado e o braço enfaixado?
          - Ela tirou aquela foto e fez questão de me dar, para eu nunca esquecer aquele dia!
          - Mas, por que diabos ela fez isso? Já não bastava você ter perdido a tua mulher e filha? - Indagou Tião;
          - Porque o culpado da morte delas duas foi “EU”!

          Zé pôs o rosto entre as mãos e começou a chorar. Tião permaneceu calado, olhando e esperando aquele homem sentado à sua frente desabafar. Ofereceu um guardanapo de papel e perguntou em seguida:

          - Aquelas letras escritas na foto e no papel, foi vós micê que escreveu?
          - Foi! Para não esquecer a última noite em que elas estavam vivas no hospital e o dia do enterro delas, em que eu morri para a vida! - Zé levantou-se e foi pegar a garrafa de cachaça em sua sacola. Tião foi atrás:
          - Entendeu por qual razão eu procuro beber?
          - A destilada não vai fazer o moço se esquecer do acontecido! Ainda mais se foi vós micê o culpado! - Havia sabedoria nas palavras de Tião.
          - Naquela noite, eu passei dos limites..., sequei uma garrafa de whisque, tomei mais de sete latas de cervejas..., acho que uns dois tequilas e..., sei lá!
          - Mas se tu bebeu tudo isso, por que foi que resolveu dirigir?
          - Minha mulher escondeu a chave do carro. Eu briguei com ela e peguei a chave de volta. Para não me deixar voltar sozinho, ela entrou no carro com minha filha e..., ai..., eu bati..., dormi no volante..., só sei que eu fui o responsável pelas mortes delas! - Zé gritou em meio as lágrimas. Pegou a sacola e antes mesmo que o Delegado pudesse impedi-lo, saiu da delegacia em direção à praça.

          Tião ficou parado na porta da delegacia, olhando ele descer a rua entre passos trocados. Voltou e pegou o telefone; apertou alguns números e esperou:

          - Dr. Orlando? Preciso de um favorzinho de Vossa Excelência!...

Número de vezes que este texto foi lido: 61626


Outros títulos do mesmo autor

Poesias CACHOS EMANNUEL ISAC
Poesias GUERREIRA EMANNUEL ISAC
Poesias REENCONTRO EMANNUEL ISAC
Poesias SILÊNCIO EMANNUEL ISAC
Poesias S O L I D Ã O EMANNUEL ISAC
Poesias MINHA METADE EMANNUEL ISAC
Contos FETICHE EMANNUEL ISAC
Poesias I N C Ó G N I T O EMANNUEL ISAC
Contos O MENINO DO PARQUE - PARTE I EMANNUEL ISAC
Contos O MENINO DO PARQUE - PARTE FINAL EMANNUEL ISAC

Páginas: Próxima Última

Publicações de número 1 até 10 de um total de 111.


escrita@komedi.com.br © 2025
 
  Textos mais lidos
PERIGOS DA NOITE 9 - paulo ricardo azmbuja fogaça 62693 Visitas
Jornada pela falha - José Raphael Daher 62541 Visitas
Mistério - Flávio Villa-Lobos 62373 Visitas
O Cônego ou Metafísica do Estilo - Machado de Assis 62241 Visitas
Viver! - Machado de Assis 62228 Visitas
Os Dias - Luiz Edmundo Alves 62213 Visitas
- Ivone Boechat 62188 Visitas
Eu? - José Heber de Souza Aguiar 62179 Visitas
PEQUENA LEOA - fernando barbosa 62177 Visitas
Insônia - Luiz Edmundo Alves 62167 Visitas

Páginas: Próxima Última