Por Charles Haddon Spurgeon
“E dizia Jesus: Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.” Lucas 23:34
Nosso Senhor estava suportando naquele exato momento as primeiras dores da crucificação; os verdugos acabaram de meter os cravos em Suas mãos e pés. Além disso, Ele deve ter ficado grandemente deprimido e reduzido a uma condição de extrema debilidade pela agonia da noite no Getsemani, e pelos açoites e as cruéis zombarias que tinha suportado de Caifás, de Pilatos, de Herodes e dos guardiões pretorianos no decorrer de toda aquela manhã. No entanto, nem a debilidade do passado nem a dor do presente impediram que Jesus continuasse em oração. O cordeiro de Deus guardava silêncio com os homens mas não com Deus. Emudeceu como ovelha diante de Seus tosquiadores, e não tinha nem uma palavra a dizer em defesa própria diante de homem algum, mas continuava clamando a Seu Pai em Seu coração, e nem a dor nem a debilidade podem calar Suas santas súplicas.
Amados, que grande exemplo nosso Senhor nos apresenta nesse ponto! Temos de continuar em oração enquanto nosso coração palpite; nenhum excesso de sofrimento deve nos apartar do trono da graça, mas antes deve nos aproximar dele –
“os cristãos devem orar no tanto que vivam,
Pois só quando oram, vivem”
Deixar de orar é renunciar às consolações que nosso caso requer.
Em todas as perturbações do espírito e opressões do coração, grandioso Deus, ajuda-nos a seguir orando, e que nossas pisadas, levadas pelo desespero, não se afastem jamais do propiciatório.
Nosso bendito Redentor perseverou em oração ainda quando o ferro cruel rasgava Seus sensíveis nervos e os repetidos golpes do martelo faziam que Seu corpo todo tremesse com angústia; e essa perseverança se explica pelo fato de que tinha um hábito tão imaculado de orar que não podia deixar de fazê-lo; Ele tinha adquirido uma poderosa velocidade de intercessão que o impedia de se deter. Essas longas noites na fria borda do monte, os muitos dias que tinha passado em solidão, essas perpétuas aspirações que costumava elevar aos céus, todas essas coisas tinha desenvolvido Nele um hábito tão arraigado que nem mesmo os mais severos tormentos podiam deter sua força.
No entanto, era algo mais que um hábito. Nosso Senhor foi batizado no espírito de oração; esse espírito vivia Nele; tinha chegado a ser um elemento de Sua natureza. Ele era como essa preciosa espécie de árvore que, ao ser cortada pelo machado, não deixa de exalar seu perfume e que, de fato, produz com maior abundância devido aos golpes, já que não é uma qualidade externa e superficial, mas uma virtude interior essencial a Sua natureza, que é extraída pelos golpes que fazem com que revele Sua alma secreta de doçura.
Como um feixe de mirra produz aroma ou como os pássaros cantam porque não sabem fazer outra coisa, assim Jesus também ora. A oração cobria Sua própria alma como se fosse um manto, e Seu coração saia vestido dessa forma. Eu repito que esse deve ser nosso exemplo e não devemos jamais cessar de orar, sob nenhuma circunstância, por grande que seja a severidade da tribulação ou por mais deprimente que seja a dificuldade.
Ademais, observem na oração que estamos considerando que nosso Senhor permanece no vigor da fé quanto a Sua condição de Filho. A extrema prova à qual se submetia agora não podia impedir que se apegasse firmemente a sua condição de Filho. Sua oração começa assim: “Pai”. Não foi algo desprovido de significado que nos ensinasse a dizer quando oramos: “Pai nosso”, pois nosso predomínio na oração dependerá muito de nossa confiança em nossa relação com Deus. Sob o peso de grandes perdas e cruzes, um é propenso a pensar que Deus não está tratando conosco como um pai com seu filho, mas sim mais bem como um juiz severo com um criminoso condenado; porém, o clamor de Cristo, quando é conduzido ao extremo que nós jamais experimentaremos, não delata nenhuma vacilação no espírito de Sua condição de Filho.
Quando o suor sangrento caía rapidamente sobre o chão no Getsemani, Seu clamor mais amargo começou assim: “meu Pai”, pedindo que se fosse possível, o cálice de fel passasse dEle; argumentava com o Pai como Seu Pai, tal como o chamou uma e outra vez naquela escura e doída noite. Aqui disse outra vez, nessa, a primeira das sete palavras pronunciadas quando expirava: “Pai”.
Ó, que o Espírito que nos faz clamar: “Aba, Pai” não deixe nunca Suas operações! Que nunca sejamos conduzidos à servidão espiritual pela sugestão: “se és Filho de Deus”; ou se o tentador nos assedia, que possamos triunfar como Jesus o fez no deserto faminto. Que o Espírito que clama: “Aba, Pai”, expulse cada medo incrédulo. Quando somos disciplinados, como temos de ser (porque que filho é aquele a quem o pai não disciplina?), que possamos estar em uma amorosa sujeição ao Pai de nossos espíritos, e viver, mas que nunca nos voltemos cativos do espírito de servidão para duvidar do amor de nosso clemente Pai e de nossa porção de Sua adoção.
Mais notável, porém, é o fato de que a oração de nosso Senhor a Seu Pai não pedia algo para Si mesmo. É certo que na cruz Ele continuou orando por Si mesmo, e que Sua oração de lamento: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”, mostra a personalidade de Sua oração; mas a primeira das sente grandiosas palavras pronunciadas desde a cruz não possui nem sequer uma escassa referência indireta a Si mesmo. Diz: “Pai, perdoa-lhes”. A petição é inteiramente para outros, e ainda que exista uma alusão às crueldades que estavam sendo aplicadas a Ele, ela é, no entanto, muito remota; e vocês observarão que não diz: “eu os perdoo” – isso é tido como certo – parece perder de vista o fato de que lhe estavam fazendo dano; em Sua mente está o mal que eles estavam fazendo ao Pai, o insulto que estavam lançando ao Pai na pessoa do Filho; não pensa em Si mesmo em nada. O clamor: “Pai, perdoa-lhes”, é completamente desinteressado. Ele próprio é, na oração, como se não fosse; tão completa é sua auto aniquilação que perde de vista Sua pessoa e Suas aflições.
Meus irmãos, se houvesse tido um tempo na vida do Filho do Homem quando este poderia ter confinado rigidamente Sua oração para Si mesmo, sem merecer nenhuma critica por fazê-lo, seguramente teria sido quando Suas angústias de morte estavam começando. Se um homem fosse submetido à fogueira ou cravado em uma cruz, não poderia assombrar-nos se sua primeira oração, e inclusive a última, e todas as suas orações fossem petições pessoais de apoio contra uma atribulação tão árdua.
Porém, vejam, o Senhor Jesus começou pedindo por outros. Vocês não veem que grandioso coração é aqui revelado? Que alma de compaixão existia no Crucificado! Que semelhante a Deus, que divino! Alguma vez já houve alguém antes dEle que, ainda nas próprias dores da morte, oferecesse como sua primeira oração uma intercessão por outros? Esse mesmo espírito de abnegação deve estar em vocês também, meus irmãos. Que ninguém olhe por suas próprias coisas, antes, todo homem deve mirar pelas coisas dos demais. Amem a seus semelhantes como a vocês mesmos, e como Cristo colocou diante de vocês esse excelente modelo de abnegação, procurem seguir-lhe pisando sobre Seus passos.
No entanto, existe uma jóia suprema nesse diadema do glorioso amor. O Sol da Justiça se oculta no Calvário em um maravilhoso esplendor; mas em meio das brilhantes cores que glorificam Sua partida, existe uma em particular: a oração não era só pelos outros, mas sim que pedia por Seus mais cruéis inimigos. Seus inimigos, disse, porém deve-se considerar algo mais. Não era uma oração por inimigos que lhe tinham feito um mal anos antes, mas sim era por aqueles que estavam ali assassinando-o, nesse exato momento. Não foi a sangue frio que o Salvador orou, mas orava enquanto as primeiras gotas vermelhas de sangue manchavam as mãos que metiam-lhe os cravos, quando o martelo estava ainda salpicado de coágulos de cor carmesim, Suas boca bendita pronunciava a fresca e quente oração; “Pai, perdoa-os porque não sabem o que fazem”.
Digo também que essa oração não estava limitada a Seus verdugos imediatos. Eu creio que era uma oração de grande alcance que incluía aos escribas e aos fariseus, a Pilatos e a Herodes, aos judeus e aos gentios, sim, a toda raça humana em certo sentido, pois todos nós estávamos envolvidos nesse assassinato; mas certamente as pessoas imediatas, sobre as quais foi pronunciada essa oração como precioso perfume de nardo, eram aquelas que estavam ali naquele momento cometendo o ato brutal de cravá-lo no madeiro maldito.
Que sublime é essa oração quando é considerada a partir desse enfoque! Ela é única e está sobre um monte de glória solitária. Nenhuma outra oração como essa tinha sido orada antes. É certo que Abraão, Moisés e os profetas tinham orado pelos malvados; porém, não por homens perversos que tinham perfurado suas mãos e pés. É certo que os cristãos ofereceram essa mesma oração daquele dia em diante, tal como Estevão clamou: “não lhes tome em conta esse pecado”; e as últimas palavras de muitos mártires na fogueira foram essas palavras de piedosa intercessão por seus perseguidores; mas vocês sabem de onde aprenderam isso. Mas deixem-me perguntar-lhes: onde Ele a aprendeu? Não foi Jesus o original divino? Ele não a aprendeu de nenhuma parte; isso brotou de Sua própria natureza semelhante a Deus. Uma compaixão peculiar para Si mesmo ditou a originalidade dessa oração; a íntima realeza de Seu amor lhe sugeriu uma intercessão tão memorável que pode nos servir de modelo, porém da qual não existia nenhum modelo antes. Penso que seria melhor que eu me ajoelhasse nesse momento diante da cruz de meu Senhor em vez de estar parado neste púlpito dirigindo-me a vocês. Quero adorar-lhe, quero venerar-lhe no coração por essa oração; ainda que não conhecesse nada mais exceto essa oração, devo adorar-lhe, pois essa súplica sem par pedindo misericórdia me convence da deidade de quem a ofereceu, de maneira sumamente contundente, e enche meu coração de reverente afeto.
Dessa forma lhes apresentei a primeira oração vocal de nosso Senhor na cruz. Agora, com a ajuda do Espírito Santo de Deus, irei dar uma aplicação. Primeiro, a veremos como uma oração ilustrativa da intercessão de nosso Salvador; em segundo lugar,consideraremos o texto como instrutivo para a obra da igreja; em terceiro lugar, a consideraremos como sugestiva para os não convertidos.
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