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A dor
Maria

Quem pensa que conhece a dor e pensa que já passou por ela, deduz que a dor corta como faca de dois gumes. Mas a dor do dia de hoje é desconhecida do corpo e passa longe da visão e do pensamento.

A dor não pode ser pensada, nem imaginada e muito menos contabilizada em números. Ela vem quando você menos espera, entre um lufar do vento norte e um dobrar de esquinas do sol e golpeia teu espírito com tal intensidade e força que mais parece um corcel desvairado pelas pradarias e vales sem fim.

Ela corre em teu sangue como espada cortante, empurrando para as chamas do inferno interior as paredes das estradas da vida que existem dentro de você.

Ela te joga em violência de um tornado numa cama de agulhas em brasa que penetram teu corpo como espadas reluzentes navalhadas a ferro e fogo pelo ferreiro cruel. Seu interior é afligido, moído e triturado por dores sem fim, um dobrar-se em angústia total que já nem lágrimas trazem mais.

A dor que vem, dilacera a carne e rasga o coração com força de mil montanhas caindo em avalanche sobre tua vida e tudo o que te rodeia, reduzindo a pó e mais pó, tudo o que você acreditava ser e viver até aquele momento.

A dor anestesia os sentidos e entorpece o espírito num sono mórbido. Arranca com garras de aço de dentro de teu corpo a alma que já morreu, sem você nem mesmo saber.

O corpo se move nas dobras do tempo por mera obrigação. Você fica um maquinal da vida. A incoerência automatizada cegueia irrefletida no espelho de teu espírito abatido, corroído pelas ondas gigantescas da dor, jogado na fornalha que arde e arde num devorar sem fim tua vida que já nem mais existe.

Qual ébrio você caminha cambaleante e inebriado pelos braços fortes e intensos da dor que envolvem teu corpo, tua alma já morta e teu espírito em tentativa de fuga impossível.

Teus sentimentos não existem mais. As sensações de vida desapareceram. Você se move tentando se convencer que ainda vive.

No âmago da dor está a sensação de que tudo o que você é e o que você fez até aquele momento não passa de pó que o vento leva no primeiro sopro da manhã.

E para onde vagueia o espírito chicoteado pela dor?

Vai à procura de outra dor e agora como uma só, vagueia para abismos que chameiam com brasas quentes, a ferro e fogo, para marcar para sempre com nódoas da terra o pobre e frágil coração já tão castigado, mutilado e sofrido pela vida.

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