Eis a estação deserta, o guichê abandonado.
É a hora do almoço, o ar quente está parado.
Um cachorro se espreguiça , lá no fim da plataforma..
Lê a placa ‘volto logo’. Desolada se conforma.
Como já há muitos anos , atrasou o trem das nove,
Esperar é o que resta. E por sorte, hoje não chove.
Pode escolher o banco, lá à sombra da figueira,
Tempo é que não lhe falta. Sobra-lhe a tarde inteira..
Aguardar paciente a volta do zeloso funcionário.
Como o tempo se deteve, será ainda o seu Mário?
Deve ter envelhecido . Enrugou-se-lhe o rosto?
Se for outro o bilheteiro , que tristeza, que desgosto.
Essa volta a cidade foi tributo à nostalgia.
Afastada tanto tempo, sonhou, dia após dia,
Retornar àquele palco que a viu crescer atriz,
Ver os bem-te-vis cantando lá na praça da Matriz.
Reviver os bons momentos com amigos de infância
Quase todos esquecidos. Só por culpa da distância.
Persistiu por longos anos a lembrança do passado,
Afinal veio por ele, seu primeiro namorado.
Encontrar não foi difícil. Descobriu o paradeiro
Do menino espinhento, importante engenheiro.
O garoto que um dia segurara-lhe a mão,
Com o qual trocara beijos e promessas no portão.
Era um senhor obeso, já grisalho, enrugado.
Nada nele que lembrasse o ex-príncipe encantado .
Juntos foram ao boteco lá ao lado da escola,
Ela pediu uma água , ele tomou Coca Cola.
Uma triste meia hora rala, tola e maçante.
Concluíram que o tempo não parou, seguiu avante.
Uma troca de olhares, um sorriso constrangido,
Um suspiro, uma risada, um soluço mal contido.
Um abraço finalmente e, por fim, a despedida.
Nada mais que os unisse , separados pela vida.
Lentamente se afastaram . Ficar lá seria em vão.
Saiu do hotel às pressas, dirigiu-se à estação.
Lá do banco , de repente, percebeu um movimento.
O cachorro se levanta, late de contentamento.
Não ensaia um galope, corre só o necessário,
Mesmo assim quase derruba. Adivinhem: o seu Mário.
Engraçado era o mesmo . Qual seria o segredo?
Como sempre sorridente. Ele nunca fora azedo.
Seu chapéu , - seria o mesmo?- protegendo-o do sol.
O seu Mário pareceu-lhe conservado em formol.
Como vai minha menina? Quando veio? Por que vai?
Veio visitar a gente? Diga como está seu pai?
Acha que já não me lembro da Maria e suas tranças.
Para mim, minha querida, para sempre são crianças.
Eu trabalho todo dia, apesar de aposentado.
Ninguém quer vender bilhetes. Meu lugar ficou guardado.
Não entendo por que olha para mim com esse espanto.
Você não mudou menina , é uma garota e tanto.
Dessa vez, não se conteve abraçou o bom velhinho.
Onde os outros fracassaram, ele conseguiu , sozinho,
Fazer recuar o tempo para aquela velha praça,
Da qual se evadiu Maria numa nuvem de fumaça...
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Biografia: Alexandru Solomon nasceu em Bucareste (1943), mas vive no Brasil desde os 17 anos. Ao lado de uma sólida carreira empresarial, de uns tempos para cá passou a se dedicar a uma nova paixão: a literatura. Através da sua escrita nunca deixa o leitor indiferente.
Autor de ´Almanaque Anacrônico`, ´Versos Anacrônicos`, ´Apetite Famélico`, ´Mãos Outonais`, ´Sessão da Tarde`, ´Desespero Provisório` , ´Não basta sonhar`, ´Um Triângulo de Bermudas`, ´O Desmonte de Vênus`, ´Bucareste`, ´Plataforma G` e ´A luta continua`, além de colecionar vários prêmios nacionais e internacionais por sua escrita.
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