Inácio tocou a campainha no portão; esperou uns segundos e repetiu o gesto. Uma senhora aparentando ter um pouco mais de sessenta anos surgiu na porta da casa. Inácio acenou e ela caminhou lentamente em sua direção. Inácio notou como as árvores começaram a movimentar seus galhos, assim que a mulher pisou no gramado:
- Pois não? – Perguntou ela ao se aproximar dele;
- Boa tarde! Meu nome é Inácio e eu queria falar com a senhora por...
- Não filho, eu não estou interessada em comprar nada! – Disse ela, interrompendo ele;
- Não é isso! A senhora não entendeu: quero falar à respeito da casa com um pé de aldrago no meio do jardim, que fica na rua das flores! – Inácio percebeu quando o seblante da mulher mudou, ao mencionar a árvore;
- Eu não tenho nada pra falar sobre aquela casa! – Respondeu ela, dando as costas para ele e começando a caminhar de volta;
- Nem mesmo sabendo que uma criança de cinco anos corre perigo? - A velha senhora parou, baixou a cabeça e seguiu para dentro de casa.
Inácio ficou parado no portão, olhando ela sumir casa à dentro; balançou a cabeça negativamente e já estava se afastando do portão, quando ouviu um estalo e o portão começou a abrir lentamente. Rapidamente ele voltou e entrou no quintal, sentiu como se o chão tremesse sob seus pés e tratou de apressar os passos.
Ao chegar no batente da casa, olhou para a porta e a mulher fez sinal para que ele entrasse na casa. A mulher ofereceu um lugar para ele sentar e perguntou:
- Você comprou a casa que era de meu pai?
- Sim! Uma casa grande, antiga, mas bastante confortável! – Respondeu ele;
- E no seu quintal, ainda existe aquele pé de aldrago?
- Sim! Forte, bonito e florido, como os seus; mesmo sendo no meio do ano!
- Isso não é bom! – A velha senhora respondeu, balançando a cabeça em sinal de desaprovação;
- O que a senhora quer dizer com isso?
- Ela voltou novamente..., pensei que não a veria mais..., porque será que ela voltou...?
- Ela quem minha senhora..., de quem a senhora está falando...?
A mulher permaneceu em silêncio e Inácio estava assustado como rumo daquela conversa. Finalmente, após breve segundos de total silêncio, a mulher começou a falar:
- Há quase cinqüenta anos atrás, meu pai comprou aquele terreno, onde construiu a casa em que você mora agora! – Inácio se recostou e esperou para que ela continuasse;
- Eu e minha irmã, Laura, éramos pequenas e gostávamos de correr o dia inteiro pelo quintal da casa...
- E sua irmã, a onde ela estar? – Inácio perguntou, interrompendo-a;
- Crescemos e na nossa adolescência - a mulher continuou, como se não tivesse ouvido a pergunta de Inácio - Laura arranjou um namorado!
- Hum, hum... – Inácio limitou-se apenas a escutar;
- Ela sempre foi mais adiantada do que eu! Esse namorado era quase quinze anos mais velho do que ela e meus pais, não aceitaram o namoro! E eles estavam corretos: Laura acabou engravidando apenas com treze anos d idade!
- Praticamente, uma criança! – Espantou-se Inácio;
- Meu pai era um homem de tradição e a gravidez de Laura caiu como uma bomba na nossa família; a sociedade era crítica e meu pai passou a ter vergonha até mesmo de sair de casa, ainda mais quando soube que aquele homem era casado em uma cidade próxima e fugiu, assim que soube da notícia de minha irmã.
- Imagino a situação! – Inácio ouvia a tudo atentamente;
- Quando Laura completou seis meses de gravidez, meu pai não suportando mais ouvir as pessoas falarem, induziu ela a fazer um aborto. Claro que ela não aceitou, mas ele, por meio da força, provocou o aborto!
- Minha nossa!
- Após provocar o aborto, meu pai pegou o feto e enterrou no quintal, plantando um pé de aldrago no local. Laura nunca mais foi a mesma: a árvore cresceu e ela passava horas conversando com ela como se estivesse falando com uma criança!
Inácio sentiu o corpo arrepiar, ao lembrar de tudo o que aconteceu com ele e com Cíntia em referência aquela árvore. Um sentimento de desespero lhe invadiu a alma, ao lembrar que Vanessa disse que conversava com sua amiguinha, justamente, a árvore!
- Meu pai, derrubou a árvore! Em pouco mais de quatro meses, ela estava totalmente crescida e florida! Ele então, arrancou-a pelas raízes..., e ela voltou a crescer em pouco tempo!
- O mesmo caso que me contou o antigo proprietário de quem eu comprei a casa! – Completou Inácio;
- Meu pai vendo que não poderia dar um fim naquela árvore, resolveu mudar para afastar Laura do lugar!
- Esta casa? – Perguntou Inácio;
- Sim, esta casa! Só que ele não percebeu que na noite antes de nos mudarmos, Laura passou a noite deitada sobre as raízes da aldragoa e pela manhã, escondeu dezessete sementes em sua roupa e as espalhou ao redor desta casa!
- As aldragoas que eu vi ladeando a casa? – Indagou Inácio;
- Minha irmã morreu pouco tempo depois de nos mudarmos para esta casa; meu pai enlouqueceu arrependido pelo que fez com ela e minha mãe, morreu tentando cortar as aldragoas que você viu lá fora!
- Meu Deus! Isso parece mais um conto de terror! – Inácio estava realmente apavorado;
- Eu te dou um conselho: saia daquela casa o mais rápido possível, antes que aquela maldita árvore destrua a sua família, como fez com a minha!
Inácio ia falar alguma coisa, quando o telefone tocou:
- Inácio?
- Fala Cíntia! – Ele percebeu a voz de desespero da mulher que vinha do outro lado da linha;
- Venha pra casa agora..., eu estou com medo..., a árvore..., ela..., está viva...!
- A árvore está viva? – Inácio levantou-se de um único movimento e disparou em direção a porta. Antes de sair agradeceu a mulher:
- Saia o mais breve da casa! – Gritou ela, para ele, ao vê-lo cruzar a porta.
Inácio na pressa de sair, puxou a porta com tanta força, que ela ao bater, fez com que os dois números nove (9) que indicavam o número da rua e da casa, e que estavam presos na parede de madeira da casa, girassem e formassem o número seis (6), deixando o endereço da seguinte forma: RUA DAS ORQUIDEAS, Nº 66, CASA – 6.
A mulher levantou-se e abriu a porta, olhou para os números, sorriu sinistramente e fechou a porta lentamente, observando Inácio sair em disparada com o carro...
|