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Lucy também quer ser um animal político
Conversa (des)afinada.
Alexandru Solomon

Resumo:
“Se você deseja descobrir um vício de alguém, comece falando sobre diversos outros pecadilhos para, finalmente, chegar à possível mancha de caráter do seu interlocutor. Saiba que jamais ouvirá criticas mais duras a esse defeito do que aquelas partindo do portador do labéu”.

Lucy decidiu – antes tarde do que nunca – inteirar-se dos mistérios da política. Como todos já sabem, Lucy é a nossa doce ancestral, cuja idade, escondida com aquele pudor próprio de seres de outra época, é de alguns milhões de anos. Uma equipe de cientistas conseguiu a partir de alguns fragmentos fossilizados reconstituir esse ser especial. Outro time revezou-se e conseguiu transformar “aquela Lucy” numa “nova Lucy”. A nova Lucy não passaria – de acordo com o time de economistas a derramar saber econômico na mente dessa Galateia dócil joguete de Pigmaliões que não lhe concediam a mínima trégua – de uma velha Lucy da qual teriam sido retirados três ou mais zeros. É o que sustentavam os estudiosos do fenômeno da inflação, fossem eles gradualistas ou adeptos dos tratamentos de choque. A primeira noção assimilada pela aluna aplicada é que não existe almoço grátis. Com sua capacidade de generalização Lucy intuiu que tampouco haveria jantares gratuitos, razão pela qual solicitou vales-refeição ao CIL (Comitê de Integração da Lucy). Entre a requisição em quatro vias, a apreciação em três instâncias, o superfaturamento praticado em dois níveis – para poder financiar campanhas políticas – decorreu o tempo necessário para que Lucy deduzisse estar imersa numa civilização deveras instigante.
Mas os progressos não se fizeram esperar. Lucy evoluiu como “nunca antes neste país” um primata conseguiu se destacar.
Uma comissão instituída pelo Ministério da Cultura assenhorou-se da coordenação das atividades que receberam, depois de inúmeras votações, ora secretas, ora abertas, com direito a recontagem de votos, o codinome de “Operação Galateia”.
Seria muita maldade relatar a confusão – explicável diante da torrente de informações à qual esteve submetida, durante as aulas de Economia que por alguns minutos Lucy houvesse confundido Larida com Dalida? Já que a maldade não se fez texto, esse episódio será omitido.
Um pouco cansada das teorias neoneoisso&aquilo, Lucy refugiou-se à sombra de uma árvore frondosa e mergulhou na leitura do Breviário dos Políticos de Mazarino.
Uma passagem lhe chamou a atenção. Fechou o livro e tentou decorá-la. Um tutor do seu primeiro ciclo de adaptação havia-lhe dito que “decorar não é saber, quem sabe não faz hora nem precisa aparecer” – ou qualquer coisa parecida – de modo que Lucy contentou-se em assimilar o conceito. Algo como: “Se você deseja descobrir um vício de alguém, comece falando sobre diversos outros pecadilhos para, finalmente, chegar à possível mancha de caráter do seu interlocutor. Saiba que jamais ouvirá criticas mais duras a esse defeito do que aquelas partindo do portador do labéu”.
Lucy foi chamada para a aula de ginástica – mens sana in corpore sano, que diabo! – , e esqueceu o assunto.
Depois da aula, ouviu alguns comentários a respeito de uma mudança no Ministério da Cultura. Procurou saber do que se tratava, já que a operação Galatéia era patrocinada por esse ministério. Em meio à euforia geral soube da chegada de uma nova ministra.
Um assistente, de feições sombrias, alcunhado de PIG, contou-lhe umas aleivosias, como que essa mudança fora uma barganha política. A nova ministra teria condicionado seu apoio a determinada candidatura a uma compensação. “Isso você ainda não pode entender, mas como o apoio era urgente e a ministra só queria pagamento a vista, antecipou-se uma mudança ministerial”.
Puxando pela memória Lucy guardava uma vaga lembrança do perfil da nova ministra e de ela ter aconselhado o tal candidato a gastar sola de sapato. “Mas gastar sola de sapato não é uma coisa positiva, se gastar, terá de comprar um par novo e pelo consumo não se dinamiza o PIB?” Lucy possuía uma boa memória e sabia que esse era um dos cavalos de batalha dos que se opunham a um tal de supply side que ela não sabia ainda o que era.
O tutor de feições sombrias despejou veneno nos ouvidos inocentes. “Foi um acerto. No começo, pensava-se que o apoio de nova ministra seria desnecessário, já que havia padrinhos mais importantes a apoiar o candidato. Daí ela foi convidada a relaxar e procurar outros prazeres. Mas de repente...”
“E a antiga ministra? Eu gostava dela”.
Veio um outro indivíduo suspeito, Pig Malião, e tome fofoca:
“O irmão da anterior, depois de ter sido fã de carteirinha do maior gênio político do Universo, decidira diversificar – diversificação é uma técnica que evoluiu consideravelmente depois dos trabalhos de Markowitz, murmurou Lucy – suas preferências e fazer serenatas para um candidato de uma corrente diferente. Pensou na irmã, é claro, e até teria lhe dito ”Apesar de você, farei campanha para o Freixo”.
Ao ouvir os desmentidos categóricos e indignados quanto a existência de uma negociata, partindo dos interessados, Lucy sorriu e lembrou do Breviário.

Cuidadosamente anotou no seu iPad:

Poderíamos deixar de lado a parte negocial. Muitos já gastaram talento e saliva para demonstrar o axioma do toma cá e dá cá mesmo. Mesmo assim, a dança da cadeira no Ministério da Cultura impressiona pela pressa com a qual foi executada. A senadora Marta Suplicy, “suavemente” afastada do processo sucessório à cadeira, ou teria sido poltrona, que um dia Jânio Quadros desinfetou – isso é passado – , resolveu mergulhar de corpo, alma e plásticas na campanha.
OK. Agora, qual a necessidade de existir um Ministério da Cultura. Por que não um Ministério da Educação e Cultura? Para ter umas moedinhas de troca?
“La gauche caviar” mais povo do que nunca está em movimento, ninguém a deterá. Marta sempre foi “povo”. Desde os tempos do colégio SION, quando usava a camiseta ao contrário para que se lesse NOIS.
Será nossa Pompadour!

Essa parte não satisfez Lucy que deletou as últimas linhas.


Biografia:
Alexandru Solomon nasceu em Bucareste (1943), mas vive no Brasil desde os 17 anos. Ao lado de uma sólida carreira empresarial, de uns tempos para cá passou a se dedicar a uma nova paixão: a literatura. Através da sua escrita nunca deixa o leitor indiferente.
Autor de ´Almanaque Anacrônico`, ´Versos Anacrônicos`, ´Apetite Famélico`, ´Mãos Outonais`, ´Sessão da Tarde`, ´Desespero Provisório` , ´Não basta sonhar`, ´Um Triângulo de Bermudas`, ´O Desmonte de Vênus`, ´Bucareste` (contos e crônicas) e ´Plataforma G`, além de vários prêmios nacionais e internacionais por sua escrita.
http://blogdoalexandrusolomon.blog.terra.com.br

Este texto é administrado por: Celso Fernandes
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