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Política: ano novo, história velha.
Rafael Dias

Certa vez, numa aula de filosofia, ouvi o professor explicar de que maneira nasce o conhecimento empírico, ou seja, aquele que tem a experiência como esteio, como lastro que o sustenta. Dizia ele, que tal conhecimento, responsável pelo desenvolvimento da ciência moderna, é alcançado através da observação de regularidades. Dizendo de outra forma, o cientista ou sujeito do conhecimento observa um dado fenômeno, submetido sempre às mesmas condições, e após uma quantidade segura de vezes, sendo constatados os mesmos resultados, pode-se afirmar com uma margem muito grande de certeza que se descobriu a lei que regia tal fenômeno.
        Bom, embora hoje eu também tenha como ofício a profissão de docente em filosofia, e como tal professe aos meus alunos o mesmo discurso, acrescentando que existem outros tantos métodos também perscrutados pela "mãe" de todas as outras ciências, não pude deixar de lembrar desta lição nesses tempos de campanha eleitoral. Os mesmos sinais se anunciam, as mesmas práticas, os mesmos discursos, os mesmos sorrisos e, muito provavelmente o mesmo resultado será observado ao final dos mandatos dos eleitos: somente o fechamento de um ciclo que se inicirá novamente com uma nova campanha daqui há quatro anos.
      A fórmula parece bem simples. Tanto o é assim, que é repetida à exaustão. De uma hora para outra costumam aparecer homens que andavam sumidos há quatro anos em comitivas, com bottons, bandeiras e sorrisos estampados na cara, quase petrificados. Tal expressão é tão rotineira, tão comum, que mesmo diante de xingamentos, vaias ou outras infâmias, como acontece ultimmente com alguma frequencia aqui na Bahia em relação à um político famoso, a cara, tal como uma estátua esculpida na madeira permanece intrépida, habilidade adquirida após muitos anos de prática.
     São verdadeiros conquistadores. Eficientes e zelosos com a própria imagem, contruída por profissionais caríssimos do marketing, pagos com rios de dinheiro sabe-se Deus de onde veio, caminham por becos e vielas, distribuindo doces para as crianças, abraços em corpos suados, apertos de mão (também aos garis e aos mecânicos), promessas e beijos nas senhoras de idade. Alguns bajuladores, apossados por um lampejo de sentimento de importância, que lhe é negada durante toda o restante de sua vida sofrida, bradam: "esse é o homi!". Recebem um aceno e ficam ainda mais satisfeitos do que a criança que ganhou o doce de má qualidade para acentuar ainda mais as cáries, conquistadas devido à falta de assistência odontológica e de instrução para a prevenção de um mal tão fácil de evitar.
      Após o cortejo incial, vem a segunda fase. Quando a simpatia não funciona sozinha é preciso apelar para um outro recurso: o desejo e o sentimento de sair ganhando, intrínseco à natureza humana. Desde que o mundo é mundo a coisa funciona de forma semelhante, recorrendo mais uma vez á lei da regularidade. Muitos reputam à prostituição o título de profissão mais antiga do mundo. A necessidade sempre foi o calcanhar de aquiles do homem. Aquele que prometer sanar a necessidade do outro, será o seu maior amigo e salvador. Não é á toa que os poetas e escritores mais antigos colocam os homens mais poderosos em estado de prostração quando diante de uma mulher sedutora, capaz de amolecer o coração dos sanguinários e fazer ruir a riqueza dos afortunados. No caso do povo, que não tem nem riqueza e nem poder, os desejos são muito mais simples e, diferentemente da prostituta, que tem a plena consciencia dos seus encantos e o valor do seu corpo, o povo não sabe o valor do seu voto.
       A ingenuidade do povo, patrocinada por um sistema de ensino precário e horas e horas diante da televisão assistindo coisas engraçadas, não consegue perceber as verdadeiras intenções de tamanha simpatia. Como também não assistiram à mesma aula de filosofia que assisti e a verdade que chega até eles é professada por programas sensacionalistas de grande audiência, conduzindo-os ao mundo da "doxa" (opinião) e afastando-os ao universo da "episteme" (ciência), são presas muito fáceis. Tal qual os indígenas, iludidos e maravilhados com os apetrechos trazidos pelos invasores portugueses, trocavam suas riquezas por bugigangas e ficavam felizes pensando que fizeram um ótimo negócio. Da mesma forma, o povo humilde desse país é facilmente atraído e conquistado justamente em cima da sua fraqueza: a necessidade. Um telhado cheio de pingueiras, um parente doente, a falta de trabalho, que, como pontuou com sabedoria Gonzaguinha, esvai a honra do homem, são justamente as necessidades que os nossos políticos esperam encontrar naqueles que estão dispostos a negociar o seu voto. Dessa maneira, vendem a sua única fonte de poder, já que lhe falta todo os outros meios para fazerem valer a sua vontade.
     Outro fenômeno que começa a se repetir com regularidade, e portanto a transformar-se e conhecimento válido sobre a sociedade, são as candidaturas das chamadas "celebridades". O pão e o circo são as principais formas de controle sobre as multidões desde a antigudade, desde o momento em que se reconheceu isso formalmente em Roma. No Brasil, quem não tem pão para trocar por voto, agora pode oferecer circo, ou o espetáculo. O mesmo espetáculo que os aliena e não os permite enxergar a realidade à sua volta, também agora lhe retira o poder de forma direta, pleiteando além do poder ideológico que já detinha, agora também o poder institucional de decidir o destino da coletividade, de lhe criar leis e gerir os recursos que lhe garantirão uma vida digna (ou não).
     Então, povo, se antes você não percebia as regularidades, que não se repetiam somente de quatro em quatro anos, mas, de dois em dois, considerando também as eleições para deputados, senadores, governadores e presidente, preste a atenção na realidade. Aqui neste país ela não sussurra, ela grita. Mensalões, Cachoeiras, aumentos obscenos nos própios salários, enfim, o político profissional não tem nem a preocupação de esconder os sinais. Se você não ainda não consegue perceber tais regularidades porque dizem que brasileiro tem a memória curta, olhe na internet, pesquise e recorde das promessas de quatro anos atrás. Não venda o seu voto e nem a sua dignidade. Mais ainda, não seja o responsável por mais quatro anos de abandono, precariedade e falta de respeito consosco. Aprenda esta lição!


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