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Roberto e o cigarro
Geraldo Affonso Pimentel Pereira de Araujo

ROBERTO E O CIGARRO
     Meu tio materno, Roberto, era um homem bonito e vaidoso. Cultivava um bigodinho a lá Clark Gable e, na verdade, tinha uma certa semelhança com o famoso galã das telas de cinema. Quando alguém o achava parecido com o artista, retribuía com um sorriso de satisfação íntima. Conquistador de carteirinha, espírito boêmio, era considerado o bonitão da família e fazia um baita sucesso com o sexo oposto, sejam as moçoilas casadoiras de então, ou as damas das madrugadas belorizontinas.
     Nos meus dez ou onze anos, eu estava carente de padrinhos, pois os meus de batismo, na época, ainda eram pessoas completamente desconhecidas para mim. Somente, bem mais tarde, quando comecei a freqüentar minha terra natal, Ouro Fino, é que passei a conhecer, de fato, os que me levaram à pia batismal, o médico e político Francisco Bueno Brandão e sua esposa, Lígia. Assim, numa das minhas temporadas em Belo Horizonte, resolvi suprir a referida carência, convidando meu tio Roberto para ser meu padrinho de crisma.
      Ele, ainda jovem e solteiro, não escondeu sua satisfação pela minha escolha e retribuiu a homenagem, levando-me a uma boa loja de roupas, onde escolhi um terninho de tropical marrom, de calça curta, como se usava na época. Foi meu primeiro terno, ou seja, minha primeira roupa de domingo, como se dizia, em que a calça era do mesmo tecido do paletó. E eu desfilava orgulhoso com a roupa bonita, principalmente porque no bolso pequeno do paletó havia uma espécie de brasão. São recordações um tanto bobas e prosaicas, mas que ficaram impregnadas em minha memória e, vez por outra, são resgatadas dos meus pensamentos.
    Mantive com meu tio e padrinho uma sólida amizade que durou enquanto ele viveu. Em minha adolescência chegava a passar meses em sua casa no bairro do Cruzeiro, em Belo Horizonte, coincidentemente na rua que homenageava minha terra natal, Rua Ouro Fino. Casou-se com Elvira, filha de italianos, loura, fogosa na juventude, com quem vivia uma relação, como se diz, entre tapas e beijos. Os tapas em razão de sua tendência um tanto boêmia e apreciadora do belo sexo, que o casamento não conseguiu mudar , e os beijos refletiam sua personalidade extremamente amorosa.
O grande sonho em seu casamento era ter um filho homem, para o qual há muito escolhera até o nome, Roberto Fonseca Pimentel Júnior. Assim, na primeira gravidez de sua mulher, o assunto principal em sua casa era a chegada do Roberto, mas quem chegou foi uma menina, loura como a mãe, batizada com o nome de Eliane. Na segunda gravidez, nova expectativa, mas quem nasceu não foi o Roberto e sim outra lourinha também parecida com a mãe que receberia o nome de Cláudia. Na terceira gravidez, outra vez o Roberto não veio, mas a menina, agora uma moreninha parecida com o pai recebeu o nome de Danúzia, homenagem a uma das tias paternas que seguiu a vida religiosa . Bem, na quarta gravidez, que seria a última, a expectativa e a torcida contaminaram amigos, conhecidos e a parentada. Mas, o Roberto também não veio, e sim,outra moreninha parecida com o pai que na pia batismal recebeu nome de Roberta. Muitos anos depois, minha filha caçula nasceria poucos meses após o falecimento de meu tio e, em sua homenagem, colocamos o nome de Roberta.
   Seu gosto musical era direcionado para os tangos, ritmo que combinava com sua personalidade boêmia. Além de ouvir com os olhos fechados e com o deleite de quem sorvia seu ritmo quente , era um exímio dançarino da música portenha.
       Na adolescência adquiriu o hábito de fumar, num tempo em que o uso do tabaco tinha um certo glamour. Na verdade, esse vício é que o levaria ao túmulo e a última vez que o vi, foi numa cama de hospital, pouco tempo antes de sua morte. Desfigurado, com a fisionomia sofrida decorrente do esforço que fazia para respirar em razão de um enfisema pulmonar já em estágio bem avançado, Roberto era a imagem viva do malefício que o hábito de fumar provoca.
        Além de meu querido tio, assassinado pelo cigarro ainda na casa dos sessenta anos, contabilizo em minha memória muitas outras pessoas que adquiriram doenças graves, tais como o enfisema pulmonar, entupimento de artérias e câncer de pulmão, inclusive meu saudoso irmão Luiz Antonio.
     Recentemente, a Rede Globo promoveu uma campanha objetivando que as pessoas dependentes do cigarro parem de fumar. Com a experiência de quem fumou por cerca de 25 anos, sei que não é fácil , mas vale a pena tentar, pois a recompensa representada pela qualidade e quantidade de vida que se ganha é imensa. Talvez, se meu querido tio não fosse o fumante inveterado que foi, quem sabe se, ainda, já na casa dos noventa, estaria entre nós curtindo seus tangos boêmios.


Biografia:
Geraldo Affonso é professor,radialista, advogado e membro da Academia Ouro-finense de Letras e Artes. Apresenta aos sábados, a partir de meio-dia e meia na Rádio Difusora Ouro Fino um programa de entrevistas, voltado, principalmente, para a cultura, que pode ser ouvido pela Internet no site www.difusoraourofino.com.br
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