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Entrevista de emprego
Rúbia Mendes Laurelli

Um banco onde estão sentadas três moças concorrendo a uma vaga de emprego, não é um bom lugar para se fazer amizades. Para quebrar o silêncio daquela sala branca havia uma pequena televisão, de 14”. O porteiro parecia assistir um espetáculo, e fitava os três rostos apavorados como quem assiste um equilibrista fazendo o seu espetáculo no Grand Canion, de ponta a ponta, quase caindo a 1.600m de altura. Aliás, dois rostos apavorados. Uma nem tanto, o da moçinha que foi a última a chegar. Engraçado que havia uma câmera, então agiam com muita educação. -Sente aqui. - disse uma das moças para a que acabara de chegar, e esta por sua vez sentou-se. Em uma entrevista de emprego, todas as pessoas são um poço de educação. Outras pessoas até levam livros e começam a ler para intimidarem, mostratem o quanto são cultas. Manhas furadas. A primeira foi chamada e ficaram apenas as duas ali, mais o porteiro. A televisão parecia querer confortar, com propagandas semi-engraçadas, a novela das seis estava querendo ser cômica. A moça que seria a segunda a ser entrevistada disparou a falar, e fazer comentários. - Ai, adoro essa atriz. -Essa iorgute é bom mesmo, eu usei por uma semana e meu intestino melhorou. -Pandas são lindos não é mesmo? . E a moça que chegara por último, a desinteressada, talvez até a mais necessitada do emprego mas também a mais desinteressada na vaga, apenas balançava a cabeça e esboçava sorrisos, com cara de maçã. Sorrisos que mais pareciam pontos finais. Derrepente, em um intervalo de novela, passou um comercial mostrando uma cidade da região de Minas Gerais, Juiz de Fora. E a moça começou a falar denovo. -Essa cidade é maravilhosa, muito boa! Vou sempre pra lá! Minha irmã mora lá! -É uma cidade bem tranquila…noooosss alá o Theatro de Juiz de Fora! Foi lá a colação de grau da minha irmã que te falei que eu fui lá uma vez (deu um tapinha no ombro da desinteressada). -Mas a colação da minha irmã foi chique, não foi igual essas daqui da cidade não. Eles entraram fazendo farra ao som de Beatles Forever, a banda cover dos Beatles. (Jura? pense que era cover da Amy Winehouse - a desinteressada pensou) E continuou: -Sabe que lá é chique demais, se tem que ver as cadeiras, todas estofadas de camurça vermelho. Talvez nem fosse camurça mesmo, talvez fosse um tecido até mais nobre, mas deu pra entender que ela quiz dizer que o lugar era fino, tipo realeza! O Theatro de Juiz de Fora! A desinteressada, queria levantar e ir embora, mas não o fez porque não queria se acovardar. A primeira entrevistada estava na sala por mais de 40 minutos e, venhamos e convenhamos, a vaga era dela. O porteiro até cochilava, e olha que porteiros adoram ouvir uma coversa. No caso, o monólogo da segunda entrevistada. Qual seria a intenção dessa mulher falante, comentarista? - pensava a desinteressada - Boa intenção que não é. Talvez um desespero que não se contentava por ficar quieto e atormentar somente essa moça que o criou, e quiz dar a cara para ser visto. Fazer amizade que não era o intuito, ou quem sabe ela realmente gosta de interagir e conhecer as pessoas. Acontece que havia ali um porteiro cansado e uma moça desinteressada, desinteressadíssima, que não queria conversa, que não queria olhar no relógio, que não queria assistir televisão, que não queria ouvir a voz de ninguém, que não queria principalmente conhecer ninguém e que não queria voltar pra casa mais um dia no mesmo pé que estava quando levantou da cama - a desinteressada. A moça falante levantou-se, acordou o porteiro do cochilo leve - e ele estava cochilando tão fora desse mundo, parecia estar flutuando em atmosferas ainda desconhecidas pela Nasa e caiu em si novamente, no prédio onde estava apenas cumprindo o horário, de mais um dia de sua rotina crespa e lisa. Sabe-se lá quando ele vai cochilar assim denovo. Ela disse -Tenho que ir embora, avise a Roberta. Eu já avisei ela dos meus horários mas não adianta, Roberta, Roberta… Voltou-se para a desinteressada e disse -Olha foi um prazer. A desinteressada balançou a cabeça positivamente e a moça- falante- caminhava em direção ao portão do prédio. A primeira entrevistada desceu (sorridente e confiante) e pediu que a próxima subisse para ser entrevistada. A moça -desinteressada- olhou em direção a moça falante com o intuito de chamá-la, mas ela não olhara nem para tráz, mesmo tendo ouvido dizer que era pra próxima subir, então ela subiu então para ouvir o ‘Oi meu nome é Márcia. Sinto muito, sua experiência com contabilidade é válida mas essa vaga de auxiliar administrativo é urgente, precisamos de alguém que já tenha experiência nesta área pois a moça que ocupava o cargo já saiu e não temos quem possa treinar você. Mas obrigada, guardarei seu currículo’. Descendo as escadas a desinteressada estava no ápice da inquietação, porque os humanos se inquietam e odeiam passar por situações como essas em que jamais entenderão o porquê. Oh, dúvida inquietante da vida alheia, que faz esquecer dos próprios problemas. A dúvida que a cercara era apenas mais uma, apenas mais um pó em móvel abandonado. E essa dúvida foi o maior problema de sua vida naquela noite. O ‘não’ que acabara de ouvir da boca de Márcia não era nada. -Mas então quem é Roberta? pensou a desinteressada. A resposta veio rápido -daquelas criadas apenas para aquietar a alma quando se sabe que a resposta verdadeira nunca virá: ‘É uma mulher mais desinteressada do que eu.’

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