Login
E-mail
Senha
|Esqueceu a senha?|

  Editora


www.komedi.com.br
tel.:(19)3234.4864
 
  Texto selecionado
A menina e a borboleta
Rúbia Mendes Laurelli

- Filha, lava esta camiseta por favor? Sua irmã tem apresentação hoje e quero que ela vá com a roupa impecável.

-Sim, mãe. Só esta?

-É, mas vai logo para dar tempo de secar. Aproveita que o sol está forte e está ventando…

-Está bem, já vou.

Pegou um balde que estava na área de serviço, ainda havia água neste balde, e uma borboleta flutuando. A borboleta não era colorida, mas era borboleta. Ao mecher no balde a água se movimentou e a borboleta também. Pegou cuidadosamente a borboleta com as mãos. A borboleta estava inconsciente, com as asas grudadas por causa da água. Enquanto a borboleta ia voltando ao normal a menina mantinha os olhos firmes nas asas da borboleta e dizia:

-Se suas asas grudarem, você vai morrer, abre as asas.

A borboleta, desorientada, lhe respondeu:

-Não consigo, estou fraca. Me ajude.

Então a menina pensou em abrir as asas da borboleta com os dedos, mas as asas eram tão delicadas que poderiam desmanchar em suas mãos. As asas molhadas certamente ficariam ainda mais sensíveis e frágeis - Pensou. Se tocasse nas asas teria de ser o toque perfeito, certeiro, ou a borboleta morreria. Por alguns segundos se perdeu nos pensamentos malucos, e notou que nunca tinha visto uma borboleta sobreviver sem as asas. Imaginava ser possível uma borboleta viver sem asas, mas a borboleta teria de se locomover apenas com as pernas e passar por um processo de adaptação.

-Com asas, é certo de que ela chega mais rápido onde quiser. Mas os humanos também conseguem viver sem carros. Mas pensando bem, uma borboleta sem asas não é borboleta, nem parece ser. Um ser humano sem pernas ou braços, ainda assim parece um ser humano. - pensou.

Logo seus pensamentos foram interrompidos, a borboleta gritou:

-Vai me ajudar, ou ficar olhando para a parede esperando minhas asas colarem completamente e eu morrer aqui mesmo no seu dedo?

Não teria outro jeito, essa foi a resposta. A borboleta não sobreviveria sem as asas. Então cuidadosamente tocou as asas. A borboleta sentia muita dor, mas fechava os olhos e não gritava. Aos poucos, ela conseguiu separar as asas. A borboleta lhe agradeceu:

-Muito obrigada.

-Imagine! Só lhe peço que não voe mais aqui, pois mamãe sempre esquece de esvaziar os baldes depois que termina de enxaguar as roupas e essa área de serviço é realmente perigosa para sua espécie.

Derrepente sua mãe abre a porta da cozinha e grita:

-Está louca, menina? Falando com quem aí?

-Ninguém mamãe, estou cantando. - disse envergonhada.

-Não está não, mas… Eu hein… Ah…

E sua mãe fechou a porta. A menina colocou a borboleta no chão e voltou-se para esvaziar o balde e enchê-lo com água e sabão. Logo nos primeiros passos a borboleta se enroscou em algumas poeiras e em um fio de cabelo. Começou a chorar. A menina olhou para ela e disse:

-Mas o que foi? O que está acontecendo agora?

-Tem um fio de cabelo prendendo minhas pernas. -disse a borboleta

Derrepente a borboleta caiu. Tentou levantar mas logo tombou para o outro lado. A menina pegou a borboleta do chão e retirou o fio de cabelo das pernas da borboleta.

-Tudo bem agora? - disse a menina.

-Sim. -respondeu a borboleta.

E a menina filcou olhando a borboleta, esperando que ela voasse.

-Então voe!

-Não consigo, minhas asas ainda estão muito molhadas. - disse a borboleta chorando.

Então a menina, pacientemente, levou a borboleta para perto do varal onde havia sol, e pediu para que a borboleta ficasse imóvel.

-Não se mecha! Deixa que o Sol vai secar suas asas, bobinha, pare de chorar.

E a borboleta disse disse:

- Você mais parece um anjo. Sabe que ontem mesmo quase me mataram. Eu estava numa casa e tinha um ser humano muito pequeno que tentou me pegar. Estranho que ele não falava sua língua não.

A menina sorriu e disse:

-Devia ser uma criança, um neném. Quando nós, seres humanos somos bem pequenos, nós não falamos, apenas resmungamos ou choramos para conseguir o que queremos. Com o tempo aprendemos a falar. Pode ter certeza que não teve maldade. Crianças não sabem o que fazem, mas…eu não sou um anjo não. E, também, não pareço ser. Sempre brigo com minha mãe, e com minha irmã, anjos nem brigam. Você já esteve aqui em casa outras vezes?

-Sim, já estive aqui muitos dias. Eu já vi…

Novamente a mãe da menina abriu a porta, e a borboleta calou-se.

-O que é que você está fazendo no chão com esse bicho morto na mão? Cadê a blusa, não vai lavar? Levanta desse chão. Mas é claro, né! Não é você que lava suas roupas! Não consegue nem lavar uma camiseta! - disse a mãe nervosa.

-Calma, eu coloquei amaciante, já v.. - mentiu a menina.

-Calma o quê! Estou com pressa, minha filha! Quero essa blusa seca até as três horas!

E bateu a porta. A menina se envergonhou e pediu desculpas para a borboleta.

-Minha mãe não mede as palavras.

-Não se preocupe, está tudo bem. Acho que minhas asas já estão secas. Posso movê-las? -disse a borboleta.

-Eu não te acho um bicho. -disse a menina.

-Já disse que está tudo bem, pare de bobeira. Posso mover minhas asas agora?

-Mas me desculpe.- insistiu a menina.

-Não se desculpe pelos outros. Você não fez nada… Ah, os humanos… Mas posso mover minhas asas agora?

-Sim -disse a menina em voz baixa e cabisbaixa.

A borboleta começou levantar e descer as asas, como um aquecimento, andando pelo braço da menina, por cima dos pelinhos loiros.

-Faz cosquinha. -falou a menina sorrindo.

-Já vou parar, preciso me aquecer.- repondeu a borboleta.

A borboleta então se preparou para voar. Olhou para a menina e disse:

-Sabe, uma vez eu estava na área de serviço enquanto sua mãe lavava roupas. Ela reclamava da vida, falava sozinha, e parecia muito infeliz. Não fez o que quiz da vida. Ela nunca parou para me olhar porque eu sou uma borboleta sem cor e minhas asas não são graciosas.

-Mas você voa- disse a menina.

-Sim, vôo, e sou muito feliz. Essas são minhas asas, cinzas, como o resto do meu corpo, mas são as asas que tenho, e que me permitem voar. Sem elas eu não posso viver. Reparei que os humanos não se contentam com o que podem ter, querem sempre mais, e querem sempre o melhor. Se precisam de uma calça, querem não só uma calça, mas a calça mais bonita. E me diz, se o carro é um meio de locomoção, porque os seres humanos querem sempre os mais sofisticados? Eu não entendo. Sofrem por não ter o que querem, pois querem o que não precisam. -disse borboleta.

-Faz sentido. Mas, o que isso tem a ver? Minha mãe é briguenta mas não sofre desse mal. Ela é simples, e lhe falta muita coisa. Por isso ela reclama. Eu sou muito mais isso que você falou, do que minha mãe, e você, borboleta, me chamou de anjo.

-Engano seu. Ela também sofre porque você não é feliz. E você é o meu anjo, sim.

-Não sou. -disse a menina.

-É sim. - indagou a borboleta.

-NÃO SOU! -gritou a menina brava.

-Está vendo como és? Você discute a toa. Você salvou minha vida, e é meu anjo, mesmo que metaforicamente. Ainda assim, rebate. É por isso que várias vezes, vocês brigam em casa.

-Sua borboleta inchirida. Voe pra longe! Suma. -disse a menina brava.

-Você é prepotente. Mas eu gosto de você. -disse a borboleta.

-Não ligo. Se eu soubesse que você era chata e inchirida, deixava morrer.

A borboleta sorriu e disse:

- Você não é má. Sua mãe reclama que você não limpa a casa direito, que sempre que pede pra você dar uma faxina, você não tira as teias de aranha. Você morre de dó. Não mata nem formiga.

-Aonde você quer chegar? - perguntou a menina.

-Estou indo embora, vou para longe. Acho que vou voar para outros quarteirões. Quero mesmo ir pra outro bairro. Você foi pra mim hoje, o que você está procurando, e não encontra. Alguém que lhe estenda a mão e te salve, mas saiba você pode ir onde quer sozinha. Mesmo assim, tão prepotente, acha que precisa de outras pessoas para chegar lá do outro lado do mundo? Está enganada. Você não precisa. Engraçado que …

-Pare! -pediu a menina. -Você está me irritando.

-…engraçado que você voa sem asas. Vai. Então vai! Ande! Levante! Se meche, se move! Vai.

-Não consigo. -disse a menina.

E a menina começou a chorar de falar nos planos que não conseguia realizar.

-Não consigo, estou fraca. O fio de cabelo nas minhas pernas é o medo de aborrecer meus pais. Eles não me deixam fazer o que quero. Fico esperando alguem para me ajudar. A borboleta falou:

-Pais são assim. Eles não quererm que os filhos cometam os mesmo erros que eles cometeram. Pensam que se deu errado pra eles vai dar errado para os filhos também. Pode ter certeza que não é por mal. Mas só lhe peço: se tens um sonho, proteja-o. Você pode tombar para um lado, tombar para o outro e pode conseguir o que quer, somente se tentar… e eu não te acho uma louca. Você é humana, mas sonha. Agora vá e faça alguma coisa, hoje mesmo.

-Você parece um anjo. -disse a menina. Um anjo cinza!

E derrepente a borboleta voou em direção ao céu.


Número de vezes que este texto foi lido: 60499


Outros títulos do mesmo autor

Crônicas éramos cúmplices Rúbia Mendes Laurelli
Crônicas SALADAMISTA Rúbia Mendes Laurelli
Crônicas Entrevista de emprego Rúbia Mendes Laurelli
Crônicas A menina e a borboleta Rúbia Mendes Laurelli
Poesias DESPOTISMO Rúbia Mendes Laurelli
Poesias NOTA DE ESCLARECIMENTO Rúbia Mendes Laurelli
Crônicas domingo Rúbia Mendes Laurelli
Crônicas confissão de suicida Rúbia Mendes Laurelli
Crônicas hoje a culpa é da janela Rúbia Mendes Laurelli
Crônicas mãe Rúbia Mendes Laurelli

Páginas: Próxima Última

Publicações de número 1 até 10 de um total de 58.


escrita@komedi.com.br © 2025
 
  Textos mais lidos
REPELENTE - LUCILENE COSTA LICA 62867 Visitas
Correntes neoliberais - Isadora Welzel 62324 Visitas
O apagão aéreo toma conta de nossas mentes - alex dancini 62127 Visitas
Os Construtores de Templos - Cesóstre Guimarães de Oliveira 61821 Visitas
O ofício do professor - Patricia Ferreira Bianchini Borges 61814 Visitas
Era uma vez...Espaço - Ivone Boechat 61778 Visitas
O câmbio na economia internacional - Isadora Welzel 61638 Visitas
Sobre a Coragem & Persistência - Geraldo Facco 61201 Visitas
RODOVIA RÉGIS BITTENCOURT - BR 116 - Arnaldo Agria Huss 61158 Visitas
ARPOS - Abacre Restaurant Point of Sale 5 - Juliano 61025 Visitas

Páginas: Próxima Última