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SAQUINHO DE RISADAS
Rúbia Mendes Laurelli

Nunca fomos religiosos. Não houve um dia se quer em que fomos todos à igreja juntos, fortalecer a fé com as palavras da bíblia, interpretadas por um padre. Estivemos sim, todos juntos na igreja por algumas vezes, mas apenas para alimentar algumas tradições. Casamentos, batizados, primeira comunhão. Me recordo que fomos todos juntos em alguns casamentos, no dia da primeira comunhão da minha irmã, no dia da minha primeira comunhão e por fim no dia em que eu e minha irmã fomos batizadas. Fomos batizadas depois de nossa primeira comunhão e o batizado aconteceu quando eu tinha dez anos, minha irmã tinha onze, e nós duas já sabíamos falar meia dúzia de palavrões, cada uma. Não ocorreu tradicionalmente, uma vez que as crianças são batizadas logo nas primeiras semanas de vida. Mas o importante era batizar e ter religião. Se na escola alguém nos perguntasse, nós responderíamos convictas que éramos católicas. E isso aconteceu muitas vezes, deixando claro que não éramos crianças largadas, tínhamos religião. Nessa época me lembro também que escrevíamos cartas para a Angélica, e me lembro do bafafá que foi quando os adolescentes da rua em que nós morávamos encontraram uma camisinha usada no chão. Portanto, naquela época também já sabíamos vagamente o que era sexo, e sabíamos mais vagamente ainda o que eram os métodos contraceptivos, porque quando vimos aquele saquinho plástico, mais parecido com uma bexiga, ficamos curiosas e questionamos, os adolescentes muito sabidos, nos responderam. Eu e minha irmã íamos à missa sim, por meses e meses fomos todos os domingos, mas apenas nós duas sem nossos pais, e isso somente acontecia porque nossas amiguinhas de rua eram meninas muito bem educadas religiosamente, e iam sempre. Então a missa não era missa, pois nem ouvíamos o que o padre falava, nem prestávamos atenção. Íamos apenas para rir. Ríamos da roupa das pessoas, ríamos das velhinhas que ocasionalmente tropeçavam, ríamos das pessoas pegando a óstia, ríamos da careca do padre, ríamos dos coroinhas, ríamos de quem lia o evangelho com a voz trêmula, ríamos das imagens dos santos pelados. Foram dias maravilhosos de nossas vidas, os domingos de missa, sem o olhar de censura e rigor dos nossos pais, que preferiam assistir tevê do que ir à missa, mas que jamais permitiriam essa tremenda falta de educação de rir no meio da missa. As pessoas pediam silêncio, e nós ríamos. Falta de educação, entendo. Mas tudo era graça e tudo era motivo para rir. O medo dos nossos pais era de que as pessoas pensassem que nós duas, filhotas, não tínhamos educação. Somos realmente muito bem educadas, mas naquela época éramos crianças. Simplesmente ríamos, e isso não deve ser o maior pecado do mundo. E ríamos tanto, e perdíamos o fôlego, e fomos tão felizes, tão intensamente felizes. Talvez seja por isso que me silencio às pessoas que me dizem que eu preciso voltar a ir à missa, porque me vêem muito distante de Deus. Prefiro não argumentar quanto a isso. Que Deus está comigo eu sei, tenho muita fé, não tenho um pingo de dúvida. Mas aquela doçura de riso de criança é que não sei onde foi parar…

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