Na favela do Chapadão Queimado a comunidade encontrava-se em estado de alerta, porque naquela noite haveria uma confraternização com o pessoal do bagulho doido. Seria a inauguração do forno microondas já que eles haviam roubado uma carreta de pneus de caminhão.
O mais importante, que depois de muitos anos, conseguiram sua primeira vítima. Afinal, descobriram e capturaram nada mais e nada menos, o homem que mais atrapalhava os planos da quadrilha. Era o X9 que tanto os dedava.
Desceram e roubaram outra carreta com caixas de cerveja e refrigerantes, porque mais tarde iria ter queima de fogos e salva de tiros naquele dia tão importante.
O dono do morro que se chamava Inocêncio Coitadinho Sossegado, vulgo Sossega Leão estava feliz que nem pinto no lixo, com sorriso de orelha a orelha. Ele falava alto e em bom tom: que esse dia seria muito importante para a comunidade e que eles teriam comes e bebes de graça a noite toda e que o povo dali é que se beneficiaria a partir daquele dia. Parecia político em época de eleição.
- Quem diria! – dizia ele.
- Quem mais "atrapaiou" nossa "inarguração", agora vai "inargurar" o forno. "Afinar", quem vai "sarvar" esse "home"? – dizia ele com trabucão enorme na cintura.
Sossega Leão estava muito eufórico porque o X9 sempre abria o bico e a policia chegava antes de qualquer maldade que eles pudessem aprontar. Vários e vários planos jogados no lixo. Quantas vezes já tiveram para inaugurar o microondas e a policia chegava antes mesmo que eles subissem o morro com suas vítimas.
- Aí mano! Vou-te mandar uma letra. Como pode uma comunidade que nem a nossa, e com "nós" na fita, não ter nenhuma morte, nenhum presunto, nenhum crime durante dois anos. – falou Gilete, um tremendo bandidão.
- Foi aquele Mané! Quem atrapaio “nós”, mas daqui pra frente tudo vai ser diferente. – disse Sossega Leão.
- Isso é letra de música, meu! Você anda escutando muito as músicas do Roberto Carlos. - falou Gilete
- Oh “rapá”, eu gosto é de funk. Tá me “tirano”? – irritou-se Sossega Leão
- Não tá mais aí quem “falô”, não se “estrexes”!
- Bem, “vamo” ao que interessa. "Ocês" já separaram os “pneu”? Nós “vai” botar os pneu “devagarinho”, um a um por por cima da cabeça dele, em "vorta" de seu corpo. Depois “vamo” “charcá “ ele de “arcool”. O safado vai gritar feito um "carnero" e “morre” que nem um torresminho, torradinho! – falou Sossega Leão, o dono do morro.
A festa já estava armada, tinha comes e bebes, tiro para o alto, muitos fogos.
- Daqui a pouco, “nós” bota fogo nele. “Vamo” “faze” um churrasquinho de X9. Uma "sarva" de tiro aí, pessoar! E "Vamo" "comemora"! O Feioso, trás mais uma rodada de “bibida” pa nós aí! – disse o bandido mor.
- Patrão, esse arrastapé ta bom demais eu já tomei todas. – falou outro bandido.
- Te prepara que daqui a "porco", “nós” torra ele. – falou o patrão, já meio torto.
A festa estava rolando, mas já era bem tarde da noite. E os bandidos encheram a cara de bebidas e drogas. E foram deixando a inauguração sempre pra depois.
- Achoooo melhor “nós” queeeimar esse cabra amanhã. – falou Gilete.
- Na... não “vamo” queimar eeesse cabra é hoooje, agora! Vai lá, e traga o safado. – disse Sossega Leão já muito doido.
- Mas... mas chefe. Onde ele está? - perguntou um dos bandidos.
- Como assim? Onde ele está! Onde ocês "infiaram" o "Home" - perguntou o chefão.
- O Pato Roco é quem escondeu ele. - falou Gilete.
- Cambada de “incopetente”! Cadê o Pato Roco?
- Chefe, chefe! O Pato está dormindo lá no meio do mato. Bêbado que nem um gamba!
- Acordem ele seus jumentos. E tragam ele aqui. - falou o todo poderoso.
- Acorda Pato! Pato Roco, acorda!
- "Infia" a cabeça dele naquela poça de água que ele acorda.
Demorou um pouco. Mas depois de algumas tapas na cara e quase ser afogado na poça, ele acordou.
- Ah...o que? XXX9 que mané X9! Eu sei lá de X9. - disse Pato Roco.
- Como não sabe? Tu vai "morre", desgraçado!
- Pe...pera ai! Deixa eu lembrar.
- Fala logo! Onde você "infiô" o sujeito?
O dia já estava clareando, quando acharam o X9 num barraco mais em baixo. Tiraram o cara que estava amarrado e com os olhos vendados de dentro do barraco. Foi com uma imensa dificuldade que conseguiram chegar ao ponto mais alto do morro. Afinal já estavam todos bêbados e drogados. O puseram em pé, e começaram a enfiar pneu pela sua cabeça. O sujeito apavorado chorava e dizia ser irmão do homem.
- Que "mané" irmão do "home", teu irmão deve ser uma bicha, uma gazela! Do jeito que você berra, parece até carneirinho! - falou um dos marginais.
Já haviam jogado álcool em sua cabeça, e em volta dos pneus. Quando já iam acender o fósforo, Sossega Leão pediu que tirassem a venda de seus olhos. Afinal, ele tinha de saber quem era o traíra. Foi quando o motivo do seu espanto:
- Meu irmão? Esse é meu irmão que estava "pa" "chegá" do interior do Ceará! "Ocês" "ia" matar meu irmão. Cambada de imbecis! E quem me chamou de bicha, e gazela, ai? Eu "vô" matar "ocês" todos.
Quando olhou a sua volta já não havia mais ninguém. Os caras rolaram morro abaixo, tamanho medo do chefe.
Apareceu um helicóptero blindado da polícia, a mando do X9, dando um vôo rasante em suas cabeças e mandando tiro pra todos os lados. O caveirão que vinha subindo, pegou a bandidagem toda. Porque eles não agüentavam correr de tão bêbados e feridos. De onde despencaram havia uma cerca de arame farpado.
- Aí, Mano! Ainda bem que o caveirão chegou, porque se o Sossega Leão "pega" a gente. A gente "tava" fu... e mal pago.
Na prisão conversando com o irmão, Sossega Leão falou:
- "Inda" não foi dessa vez que "pegamo" o safado do X9 e nem “nós””inaugurô” o forno. Mas quando eu "saí" daqui a festa vai ser ainda "mior", porque vai ter uma "inarguração" coletiva.
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