Lá de dentro ouvia-se o barulho de palmas, que vinha certamente, de uma mão forte, mão de homem, daquelas calejadas pelo tempo e pelo trabalho duro do campo. A dona da casa, viúva de há muito, que também, era a dona da fazenda, se encontrava na sala de dentro cuidando dos seus afazeres, e uma vez desperta pelo chamado, se deslocou até a sala de fora, para atender ao visitante. Lá fora, de pé, próximo ao batente da porta estava Júlio, com o cotovelo do seu braço esquerdo, ligeiramente apoiado no frechal da portal. Filho mais novo de Sá Maria, homem refeito, nascido na própria fazenda, trabalhador dos bons, mantinha muito respeito por Sá Gaída, e ao vê-la se aproximar, retirando o velho chapéu da cabeça, e declinando ligeiramente seu corpo para frente, cumprimentou-a, dizendo: A sua benção Sá Gaída! Passei por aqui, para saber da senhora, se não está precisando de “ cramadas” nos serviços da fazenda nestes próximos dias – Júlio tinha a língua ligeiramente enrolada e tinha dificuldades da pronúncia de certas palavras. Sabe, senhora! Eu e meus irmãos, estamos precisando muito de trabalhar, pois as coisas estão meio difíceis lá em casa, em decorrência; primeiro, da doença, e de pois; da morte do meu velho pai. Devido a esta situação inusitada, não pudemos cuidar do nosso roçado como deveríamos, e como as chuvas atrasaram, as nossas lavouras foram plantadas um pouco mais tarde, e somente apanhamos algumas tamboeiras de milho e quase nada de outros mantimentos. Por esta razão, não podemos nos dar luxo de ficarmos parados. Ouvindo atentamente ao pedido de trabalho do agregado, a fazendeira, como mulher ponderada que era, e ciente das suas responsabilidades como patroa, pensou um pouco disse-lhe : Pois bem Júlio! aqui na nossa fazenda, assim como em todas as fazendas da nossa região, todos teremos um ano de poucas colheitas, as chuvas além de poucas, foram mal distribuídas – você sabe disso. Entretanto, não vamos nos esmorecer só por isso, afinal, quantas foram as vezes em que já vivenciamos esta situação? Já passamos por períodos bem piores. Entretanto, graças à Deus, o nosso mandiocal, implantado no ano atrasado, está uma beleza só, e os nossos canaviais, que foram plantados em terras de baixadas das margens do rio, também não estão para menos, e dentro em pouco, a partir da segunda quinzena de Junho, vamos ter muito trabalho para todos vocês, pois vamos iniciar a farinhança e a moagem da cana, para fazermos rapaduras, farinhas, gomas, etc. Por outro lado Júlio, não gostaria que ficassem parados - não gosto de ver gente desocupada dentro da fazenda -, andando pela fazenda para um lado e outro sem ter o que fazer, ou mesmo, se deslocando para fazendas de vizinhos para pedir serviços. Assim sendo, vamos dar um jeito enquanto junho não vem. Agora em Maio mesmo, vamos aproveitar a mão de obra de vocês para fazermos todos os aceiros das cercas de divisas da fazenda, e depois, vamos fazer também, dos repartimentos internos. Se sobrar algum tempo, vamos também terminar a limpeza das pastagens, que não demos conta de fazê-los até agora.
Viúva aos 30 anos de idade, coube a Sá Gaída, a responsabilidade de administrar a fazenda deixado pelo esposo, e criar os 3 filhos menores nascidos do casamento. Entretanto, as coisas não haviam sido nada fáceis para a fazendeira. A morte do esposo, sobreveio, aos 37 anos de idade, e ela, havia ficado grávida de três meses, da filha caçula – foram tempos muito difíceis.
Exatamente pela qualidade e localização da fazenda, houve muita cobiça de certos fazendeiros vizinhos, que apostavam no fracasso da sua administração, tendo em vista, a sua pouca idade, para administração de um empreendimento complexo e de relativo porte, com muitos agregados e trabalhadores sob a sua responsabilidade. Alguns deles, patrocinaram-lhe, todo o tipo de perseguição, com invasão de aguadas e de pastagens, subtração de madeiras, rompimento de cercas, incentivo aos empregados para busca de direitos trabalhistas, etc.
Filha de fazendeiros da região, não se abalava por qualquer coisa, era bastante conhecida, como “ taco duro “ na administração da fazenda. Encarou as perseguições dos supostos poderosos - inclusive, vencendo demandas judiciais -, já que alguns deles, enxergavam equiivocadamente, nas terras dela, amplas possibilidades de ampliação das suas propriedades.
Interessante, nada como o tempo para dissolução de certos dissabores. Sá Gaída, possuía um grande aliado a seu favor, que foi positivo e decisivo com o passar dos anos - a sua pouca idade -, que ao contrário para os seus opositores, pesou-lhes, enormemente, já que eram homens para lá da meia idade.
Com o passar do tempo, cessaram as rixas, até as relações, com alguns dos vizinhos, se tornaram em clima de respeito más não de amizade.
Diz a história, que não existem tempos difíceis para pessoas boas e generosas, tudo e todos, de alguma forma convergem ao seu beneficio. Estas pessoas, são na sua maioria, despojadas dos bens materiais. Quase sempre, as suas iniciativas são de progresso.
Falecida aos 74 anos de idade, Sá Gaída, deixou um rastro de caridade, ajudou a muita gente pobre. Muitas famílias, trabalharam, casaram, criaram os seus filhos, e buscaram a sua sobrevivência naquelas terras abençoadas.
MOC, 14/02/2011.
João Carlos de Oliveira
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