Chove, chove, e ainda não parou,
ninguém sabe quando vai terminar,
e poucos sabem como começou,
silenciam-se as palavras, gestos e sons,
além e aquém das portas e janelas,
a transformar as referências dos tons,
no reforço das prisões e grandes celas.
Morrem santos e pecadores,
desaparecem vidas,
e, com elas, suas intenções,
restam as vagas, senhores,
a serem preenchidas
na grande feira de ilusões.
'Abrem-se as cortinas
e começa o espetáculo',
a compor as sinas
de vidas que, com pressa,
esperam por novos intervalos
e novo ato da peça.
Ladram cães ferozes na cidade,
soltos e expostos ao céu aberto,
agindo como solitários no deserto,
com começo e fim que ninguém sabe.
Muitos querendo ouvir só o que convém:
é melhor saber ouvir do que falar,
e mais importante do que criticar,
é saber a hora certa de ajudar alguém,
sem confundir remorso e solidariedade,
nem as cinzas de bela e frondosa árvore,
ou o desejo de apagar, no campo e na cidade,
o que escrito está, em relevo, no mármore.
Quando os olhos já preferem não ver,
quando os braços não querem mais abraçar,
os corações parecem não saber
o que devem fazer ou o que perguntar,
e quando as bocas não podem responder,
quando mais ninguém quer falar,
e quando as mãos insistem em não fazer,
só o silêncio, ao acaso, vai ecoar,
entre palavras mal ditas,
entre versos mal escritos,
entre as almas aflitas
e os corações contritos,
entre boas intenções que se foram
bem antes dos nossos gestos
que, aquém, sem roupa ficaram
na imensidão do Universo.
Flauta transversal em ouro e prata
na boca do cantor que não sabe tocar,
dá-lhe o direito e o poder de consagrar
tudo aquilo que ainda lhe falta,
gestos de carinho e generosidade,
a destravar o mudo, o mundo e o muro,
a abrir caminho para a felicidade
e a colheita de bons frutos no futuro.
Chove, chove, e ainda não parou,
ninguém sabe quando vai terminar,
e poucos sabem como começou.
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