Lendo sobre o último acordo ortográfico, a Cedilha soube que vários de seus amigos estavam de aviso prévio. Talvez conseguissem um emprego numa editora que prezasse pela tradição e os bons costumes. O Trema era o mais preocupado, e já estava pensando em se mudar para a Alemanha.
Ela sabia que não demoraria muito para ter de escolher entre se aposentar ("forçosamente") ou voltar para a Letônia, de onde veio ainda adolescente. Sentia saudade de Valmiera, mas já se considerava uma verdadeira carioca. Como viveria sem as caminhadas pela orla, os jogos do Fluzão e as noites na velha Lapa?
Um dia, conversando com os amigos da pontuação, surgiu a idéia de trabalhar com eles. Uma dieta básica e, quem sabe, poderia se transformar facilmente numa vírgula, que com certeza nunca perderia o emprego, mesmo com alguns autores e seus textos sem maiúsculas e pontuação alguma.
O jeito era esperar e não reclamar. Lembrou-se da última vez na qual se manifestou a respeito do alfabeto e foi advertida na frente de toda a tipografia. Perdeu uma percentagem significante do salário e ganhou a antipatia dos representantes dos fonemas, principalmente do C.
O abecedário ideal e "justo" (já que incluíram o K, o W e o Y!) - segundo a nobre letã - seria exibido nos livros escolares da seguinte maneira: A, B, C, Ç, D, E, F... .No entanto, o D reclamou do espaço e o C do trabalho dobrado. O S e R sempre fizeram dupla jornada, mas eles não eram preguiçosos como uns e outros que ela conhecia!
Cautelosa, preferiu chumbar os lábios e aguardar por mais novidades, que certamente os companheiros descarregariam no bar depois do expediente.
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