Dia claro e bonito, era domingo. Os ponteiros do relógio de parede, marcavam no máximo nove da manhã. Não tinha mais do que nove anos. Brincava no terreiro da nossa casa juntamente com o filho mais velho do vaqueiro, com carrinho de pau, cujas rodas, construímos com carretel de linha, oriundo das costuras da minha mãe. Minha mãe que estava muito ocupada, ouviu a um chamado de alguém , que repetia o nome do meu pai. A voz que chamava, não lhe era estranha, tratava-se de fazendeiro vizinho que nos visitava naquela manhã. Como meu pai não se encontrava em casa, acabei sendo escalado por minha mãe, para que deixasse os meus brinquedos, e que montando no meu cavalo de pau, desse uma corrida até a casa do seu compadre Zé de Vicente, avisando ao meu pai, da presença da visita em nossa casa, que ele deveria retornar, tão logo quanto possível. Como era um menino danado e esperto, da forma como me encontrava fui logo saindo. Montando castanhão - meu cavalo de pau -, num pé e noutro, corri descalço pelo meio das plantações de milho do quintal, até o barranco do rio. Em seguida, atravessado o rio, que separava o limite da nossa propriedade com a do vizinho, subindo e descendo ladeiras, corri pelas trilhas do gado no meio das pastagens, até alcançar a casa sede do compadre do meu pai, quando o recado lhe fora transmitido. Meu pai, um homem ainda jovem, com seus trinta e poucos anos, acostumado a lida com gado e animais cavalares desde criança, na sua lida diária da fazenda, ou nas suas andanças pelo campo, mantinha nítida preferência pelos muares, dado a sua resistência, firmeza, e constância de andamento. Coincidentemente, neste mesmo dia, ele montava a uma mula de sua preferência. Lembro-me, tratar-se de um animal de pelagens que ia do preto ao tordilho, com mais de sete palmos de altura. Como o animal, era considerado jovem, tinha pouco mais de cinco anos, era considerado um animal “ cismado “, ou seja, não precisava de muita coisa não, para que começasse a saltar, tanto o é, que na nossa fazenda, somente era montada pelo meu pai ou o pelo nosso ajudante de vaqueiro. Na sede da fazenda do compadre Zé de Vicente, exatamente, na frente da casa sede, havia um grande pátio cercado por archas de aroeira, cuja saída do mesmo, dava acesso para uma estrada. A mula do meu pai estava amarrada numa cerca deste mesmo pátio, más em local bem de frente para a casa sede. Uma vez feito as despedidas, meu pai, dirigindo-se ao compadre Zé de Vicente, disse-lhe: Compadre! Ponha este menino na garupa desta mula prá mim! Ouvi, que o compadre Zé de Vicente ponderou: Compadre! compadre! Esta mula não vai cismar não? O senhor já carregou alguém na garupa dela? Meu pai ponderou, que não havia problema não, que a mula era mansa e de confiança. Assim, o compadre Zé de Vicente, me tomando pela cintura, me colocou na Garupa da mula. Lembro apenas, que logo que fui colocado na garupa dela, o animal que estava virado de frente para a casa sede da fazenda, praticamente, virou para trás sobre seus membros posteriores, e à partir de então, começou a saltar. Como o pátio era bem grande, pude ainda perceber, que ela saltava no sentido da saída do curral. Lá pelo meio do pátio, percebendo da gravidade da situação, meu pai me pegou por um dos meus braços, e me atirou ao longe no meio do curral, como se tivesse atirando um caçote, sorte que havia muito esterco de gado. A mula não parou de saltar, meu pai acostumado a lida com animais desde criança, resistia bem aos pulos do animal, que se encaminhava para a cancela de saída do pátio. Ao se aproximar da cancela, que estava fechada, a mula deu o seu ultimo pulo, conhecido como pulo “ furtado “, ou seja, ela fingiu que foi más não foi, negando-se de lado. O arreios aos quais meu pai montava, não resistiram ao impacto, o travessão da barrigueira da sela rompeu, e ele foi projetado ainda montado sobre a sela em direção a cancela, acabando por ser colidir de cheio com moirão da cancela. O Impacto foi tão forte, que meu pai acabou por fraturar a sua clavícola e o braço direito em dois pontos distintos, lhe trazendo dor imensa e vários transtornos. Existe um velho ditado popular que registra: “ O burro bravo não amansa, êle apenas acostuma “.
João carlos de Oliveira
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