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Engano
Uma fina e fria chuva cai peneiradamente molhando a solitária roseira, na qual, um pequeno e vermelho botão aguarda ansioso o sol para desabrochar. E ali está ele, observando através da vidraça solitário, se lembra dos velhos tempos onde àquela enorme casa era habitada, com inúmeras crianças rindo e correndo pelos cômodos.
Através do vidro embaçado por sua respiração, ele vê uma figura que atravessa o jardim, abarrotada de sacolas e se esforçando para se proteger da chuva com um enorme guarda-chuva e fica a lhe observar, até que a figura se aproxime revelando sua identidade, Dona Ana, a velha empregada que retorna da feira. Ela atravessa a porta, chacoalha o guarda-chuva, murmura algo que não chama sua atenção, e sem que a bondosa senhora tome conhecimento de que estava sendo observada se dirige para a cozinha, o deixando novamente ali só envolto em suas lembranças embaladas pelo escorrer da chuva na janela.
Com a proximidade da hora do almoço, seus pensamentos são conduzidos pelo estômago – peixe é uma boa pedida para hoje, espero que ela tenha comprado peixe – pensa ele; que sai da borda da janela e se acomoda na velha poltrona azul. E fica a cochilar embalado pelo cantarolar da empregada que prepara o almoço. Com uma hora de cochilo, ele desperta e se levanta, se espreguiça eliminando o resto do torpor e retorna a janela, vê que a chuva cessou, então ouve a doce voz de Dona Ana o chamando e se dirige lentamente para a cozinha, onde seu almoço está servido.
Sentindo o cheiro de peixe, ele acelera o seu passo e sem nem mesmo uma oração ele mergulha seu focinho preto na velha tigela laranja e saboreia a mesma ração que lhe é servida diariamente, após terminar, o velho bichano se exibe em um belo salto atingindo a pia, onde Dona Ana prepara a salada e fica ali a observar o cantar, quem sabe esperando um afago...
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