Águas de rio... Três mil versos de amor e mais um outro tanto de razões para se afogar nessa corrente fluvial, vagarosa e turva, que, mesmo calada, diz tudo ao poeta sobre as águas e o que ele mais precisa saber: navegar é preciso! Um canoeiro, quando leva pessoas de uma margem à outra, não carrega apenas isso, transporta o mundo todo em sua canoa e em um dia, cabe uma vida inteira, porque na jangada do tempo, todos os dias são sopros de vento e ele sente a mesma coisa, como o rio, fica ali, mas nunca é o mesmo...
—Aurora, traz para mim o sol que nasce mais cedo! Ele pede porque tem roupa para lavar na beira do rio e o tempo não espera a manhã decifrar a criança ou o rei devorar o medo. Carnaúbas, montanhas, clima quente e seco, um sentimento gregário de nações diferentes que se cruzam à margem do rio ou no cais da vontade de fazer isso, de se misturar e parecer que é nativo. Acaraú corre solto no vale, desenha aldeias, guarda surpresas e quando o que sobra é mais que a sombra de grandes segredos: Sobral!, ele pensa, ainda menino, o mundo todo, do leito do rio, posso vê-lo!
Leviatã, esfinge... Nada disso! Do fundo do rio, sim, ele vê, o banho da índia do ceará, uma outra Iracema, não a do Alencar, a do Acaraú, e do vale do porto de praia doce – que nem mesmo a encruzilhada, de onde ele saiu, da terra do açúcar com a água grande, consegue tão doçura e sossego, sem os perigos das sereias de mares salgados – ele a deseja! Já crescido, trabalha e repousa no largo do Bispo, onde passa a tarde, na costa calma e mais humilde daquele reino. Do pequeno mar doce que ameaça o povo em janeiro, ele espera a estação mais forte, aquela que ele quer sentir mais saudade, depois que passar...
Rio abaixo! Um estrangeiro, quando chega a terras novas, vem guiado pelas águas e se pudesse, quando noite, até pelas estrelas, como um rei-mago, mas ele é apenas um cancioneiro, um marrano que, nos passos do retorno, escreve nas areias ainda úmidas, ávidas e prontas para o registro dessa história, porque não poderia tê-la escrito nas águas. A memória, o canto e a alegria de poder chamar esse pequeno mar doce, de seu, não cabem nem mesmo no barco do canoeiro, é preciso guardar tudo isso para sempre numa canção tão pequena: Rio, um doce oceano de palavras!
Ele canta poetas do passado – em despedida, porque é indo-se embora, que se aprende a voltar – e declama canções sobre os pequenos afluentes, as águas doces, e sobre os grandes mares, os movimentos circulares, as ondas, os ventos e o encontro das águas...
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