Estive observando nas redondezas e até aqui no pequeno jardim da minha casa que até os passarinhos estão em franca agitação.
O que poderia ser?
Quem sabe é o prato com pedaços de frutas servidos em cada manhã para eles por minha mulher, e ainda um pouco de milho alvo derramado na extensão do muro, que provoca a briga pela comida, já escassa entre eles, pois os capões de mato que existiam no bairro estão sendo dizimados pela especulação imobiliária, e mais, com o beneplácito dos responsáveis pelo meio ambiente que conseguem transferir a culpa das tragédias para quem só tem o espelho para reclamar, pois este não reage com medo das retaliações sob o manto de leis unilaterais.
Emociona-me saber que meus filhos que saem de casa cedo, para o trabalho ou para a escola, ainda podem ouvir o grito de agonia da saracura que está perdendo o lugar para as calçadas. A mistura de cantos do beija-flor, do arranhar do bico de lacre, do mal humorado pardal, do sussurro da rolinha parurú, e da melodiosa sinfonia do sabiá laranjeira, como se fora um maestro, regendo a orquestra na cunheira das casas.
O sabiá é o único passarinho que merece atenção especial. Não há quem não faça um comentário a respeito do seu canto que inicia na madrugada e atravessa o dia, incansável.
Mas, ao me voltar para dentro de casa quase me assusto com a guirlanda de natal, já instalada estrategicamente na porta de entrada, numa posição para ser vista da rua, para ser comentada ou lembrar que já é dezembro.
Daí se entende porque os passarinhos cantam tanto nas manhãs de dezembro. E não é pelo horário de verão não, nem pelo final da primavera que se encaminha. É porque seus cantos são famosos. São clássicos das músicas canoras que sempre aparecem nas épocas certas, falando de amor e coisas fundamentais que não mudam com o passar do tempo.
Aí está dezembro, começando agitado desde novembro, chegando estressado e com muita pressa porque sua permanência é só de trinta e um dias. Parece muito pouco.
Não importam os modismos que vem e vai ao sabor dos caprichos do bicho homem, dezembro muda realmente a nossa compreensão da vida quando nos apercebemos do que é fundamental para nós.
O canto misturado dos passarinhos nos desenvolve a habilidade de distinguir a sonoridade de cada um, como no dezembro de transformação que vivemos, esperando as retrospectivas dos acontecimentos do ano em rádios, televisões, jornais e revistas que desestabilizaram velhas visões do mundo, justamente para que construamos novas perspectivas de vida, mais afinadas com a realidade humana do que a nossa pressa em esquecer que dependemos uns dos outros, que somos interligados a todo o universo tão perto de nós.
Passarinhos cantando no jardim também pode ser a compreensão de como exercer o amor ao próximo como a nós mesmos, mas isso exige muita responsabilidade nas ações, cujas conseqüências não podem ficar só nos dezembros da vida.
Temos que dar sustentabilidade e ter responsabilidade, percebendo que existem outras realidades sociais além das nossas.
Geralmente nos dezembros da vida, quando ganhamos uma roupa qualquer de presente de natal, é que vamos perceber que nosso corpo físico depende da nossa formatação espiritual que atua e sustenta a verdadeira vida.
Dezembro é uma época onde se abrem oportunidades imensas para reflexões sobre como estamos vendo a transformação do homem nestes tempos onde se prioriza o acessório em detrimento da responsabilidade espiritual.
Se na humanidade o joio e o trigo ainda se misturam, o processo de separação já está em curso, igual uma orquestra de passarinhos, onde cada canto se destaca com clareza, delineando a sinfonia de mais um dezembro com esperança de fartura, alegria e amor, sugerindo que todo dia do ano é Natal.
|