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TERRA SAGRADA
A VISITA
Paulo Valença

Resumo:
No dia de finados, José visita o túmulo do pai. Na varanda, sua mulher espera-o, após se ver sozinha, com a retirada do filho, que não apoia a atitude de seu pai.



1
De madrugada o pai se levantava. Os passos duros cruzavam o corredor em sentido da sala vizinha e entrando no banheiro ao lado, lavaria o rosto e escovaria os dentes. Apressado. Já então a sua mãe, achava-se junto ao fogão, esperando que o café fervesse.
Ele saía do banheiro. E ela:
- Vai querer ovos fritos?
- Vou Mariana. Mal-passados.
- Sim, sei.
Sentando-se à mesa, o pai aguardava a refeição, que logo lhe era servida.
- Veja se assim tá bom.
- “Jóinha!”.
O rosto moreno da mãe então se iluminava num sorriso.
- A marmita já tá pronta.
O pai cabisbaixo, alimentando-se:
- Você é parada!
Outra vez a mãe sorria e ali, de pé, seguia os movimentos nervosos do companheiro em se alimentar.
De uma casa próxima o galo cantava. De outra, o cachorro latia. Pela rua defronte à residência, passos desciam à rua estreita, inclinada, dos operários indo para o trabalho. O dia sem tardar nasceria.
Finda a refeição, o pai se erguia e segurando a marmita e pondo-a na bolsa presa ao ombro esquerdo, despedia-se:
- Mariana vou lá!
- Vai com Deus.
Os passos cortavam a sala, o corredor, a outra sala e abrindo a porta, o pai atravessava o terracinho, o jardim e abrindo o portão, ganhava a rua, descendo-a.
Devagarzinho, pensativa, a mãe retrocedia ao quarto, onde deitada, sem reconciliar o sono, sem tardar, deixaria o leito e se entregaria aos afazeres domésticos.
Pela telha de vidro, a claridade do dia despontava. O cachorro continuava latindo e o galo cantando.
- José levanta!
- Tou indo mamãe, tou indo.
Dirige. Com a idade, amadurecendo, vai ficando saudosista...
- É o mal de quem envelhece.
Sorri com a conclusão prática. Avança.
Automóveis seguem à frente. Pedestres caminham nas calçadas laterais. O sol da manhã brilha sobre os veículos, as criaturas, os edifícios. Um dia tudo o que vê não mais existirá. Tudo estará diferente, na metamorfose natural do tempo.
- É isso aí, cara!
O sinal fecha. Esperando-o abrir, observa a adolescente morena de short movendo-se, cruzando a avenida. Esguia. Feminina. Graciosa. Ganhando a calçada fronteira, ela dobra a esquina e desaparece. Teve o seu tempo de brilho, não mais lhe enche a atenção. Por que tudo é assim rápido, de pouca duração? Os veículos se movem nervoso. Ele acelera. Ainda bem que até agora, tudo está normal, sem o maldito “engarrafamento”.
Ganha o viaduto, segue em frente.

2
Estaciona. Salta.
- Ramalhete senhor?
Indaga a moça gorda, morena, sorrindo, oferecendo-lhe as flores. Ele se aproxima.
- Quanto é esse aqui?
Os caules longos, verdes, as pétalas vermelhas, finas, e a jovem:
- Sete reais.
- Tudo bem. Vou levar.
Paga e se afasta em direção ao portão largo, por onde as pessoas entram e saem acompanhadas pelo olhar dos três vigilantes.
Cruzando o portão continua andando. A fonte com a água subindo, jorrando ao centro. O hino cantado por um grupo de jovens e idosos. As velas acesas. E o sol que se abranda no céu que sem tardar escurecerá, ante a chegada da noite.
Os túmulos. As pessoas circulando, cabisbaixas, silenciosas, visitando-os. Algumas rezando de pé. A maioria séria, contida na dor muda pelo que sentem.
Aqui está à pedra com o nome do pai, a data de nascimento e do falecimento. A grama verde em volta. Enverga-se e põe os ramos cruzados sobre a placa de granito com os dizeres dourados. E reza a “Ave Maria”, trocando as frases, movido pelo que presencia e sente. O coração aperta. As lágrimas chegam e, de olhos embaçados se afasta devagar, para no próximo dia dois de novembro do ano seguinte, retornar.
No automóvel, enxuga os olhos com o lenço retirado do bolso das calças e parte. Já então, as primeiras luzes se acendem nos postes e residências circunvizinhas.

3
O rapaz como sempre, é prático, realista:
- Eu penso assim, mamãe: morreu, descanse em paz. Acabou-se.
A senhora branca, magra, a cabeça grisalha, envelhecida, sem o encarar e mantendo os olhos no portão embaixo da varanda na qual se encontram então responde:
- É, meu filho, seu pai mantém esse ritual de visitar o túmulo do pai dele, seu avô, todo dia de finados.
Faz uma pequena pausa e conclui:
- E devemos respeitar o sentimento dele. É mesmo com diz o ditado: “Sentimento é terra que ninguém pisa”...
O filho de repente se ergue resoluto:
- Mamãe eu vou indo, que o trabalho me chama. Lembranças ao velho!
Beija-lhe então a cabeça e deixa a varanda. Alto, alvo, bem-parecido, lembrando o José quando tinha essa idade...
Embaixo, a portão se abre e o carro passa. O portão é fechado automaticamente e o automóvel ganha a rua para adiante, ao dobrar a esquina, desaparecer.
A mulher se ergue da cadeira e debruçando-se no murinho do para-peito, estende a vista, buscando, querendo vê o carro cinza, com o marido.
Paciente, espera, enquanto a noite se exibe na luz da praça adiante, deserta, e nas residências muradas, circunvizinhas, mas, logo retrocede à cadeira e cadenciando-se, espera, cochilando, entregando-se.
À esquina, o carro cinza desponta.
Reconhecendo-lhe a zoada do motor, ela abre os olhos e reentregando-se à realidade, sente-se de repente, apaziguada.
O portão é aberto.


Biografia:
Paulo Valença é autor paraibano premiado nacionalmente com seus livros de contos e romances; Pertence a várias Instituições Literárias; Consta de diversos sites; Vive em Recife/PE.
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