Descendo do carro, os dois homens cruzando o portão, dirigem-se à mesa recuada, onde as paredes formam ângulo, e sentam-se.
Ativo, o garçom se achega:
- Pois não, às ordens.
- Traga duas cervejas.
Pede o negro, já idoso, e corpulento.
Então, o outro sujeito, que é brancoso, cabeludo, indaga:
- O que se tem pra se mastigar?
O garçom então se detalha:
- Sururu-ao-coco, agulha-frita, sarapatel, e queijo-assado.
O brancoso:
- Traga o sururu.
Aquiescendo com a cabeça, o rapaz se retira.
Em silêncio, os dois homens estudam a rua movimentada.
A tarde morre. Os pardais chilreiam, na árvore frondosa, por trás do muro da fábrica defronte.
- É ver uns pintos piando.
Compara o negrão.
O garçom retorna com o solicitado. O negro despacha-o:
- Certo menino. Depois, a gente lhe pede mais.
- Tudo bem.
Apressado, então, vai atender ao velhote, que acaba de sentar-se na mesa próxima ao portão.
- A cerveja tá no “ponto!”.
Retorna a falar o negrão.
O brancoso aquiesce:
- “Beleza pura!”.
Silenciam. Outra vez analisam a rua e os fregueses do recinto.
Pondo a bandeja sobre o balcão, a mulher fala ao garçom, de lado:
- Fica de olhos naqueles dois. O crioulo não me engana: leva jeito de “pistoleiro”, e o amarelo também deve ser da mesma “laia”. Dali pode sair novidade...
- Deixe comigo, D. Ivone. Qualquer coisa, aviso à polícia. Tou “ligado!”.
- É bom mesmo que esteja. Mas, segura a bandeja, que o gordinho que chegou, está impaciente.
Acenando com a mão do braço curto – desproporcional ao tórax largo – o homenzinho chama o garçom que, protesta, em voz baixinha:
- Que carinha mais cabuloso!
Ouvindo-o, a mulher solta a risada alegre, de deboche.
Apressa-se em ordenar os papéis, pois a noite nasceu e logo a sirene apitará, anunciando o fim do expediente. Então, ele irá para o bar de D. Ivone, onde se encontrará com a recente conquista amorosa, que, sendo jovem e bonita, desperta atenção, principalmente dos homens. E, como é natural, sente-se vaidoso em sua companhia. Depois, na cama, têm aquelas poses...
- Vai pra o bar de Ivone, Ademir?
É o seu auxiliar que, como sempre, indiscreto, o indaga. Não lhe responde. O rapaz prossegue falando:
- Ademir, eu não tenho nada com isso, mas, como seu amigo, lhe aconselho: esquece a Vera. Aquilo é menina “escolada”, profissional.
Ante o mutismo do chefe, ele se detalha:
- Você entende: em lugar pequeno, tudo se descobre.
Então, Ademir:
- Mas... Vera me disse que está completamente livre.
- Confie não, amigo.
Silenciam. O rapaz apóia-se defronte do birô e, como se quisesse ouvir o protesto do outro, aguarda. Contudo, Ademir nada responde e, após ordenar os papéis, levanta-se em sentido da porta. Abrindo-a e voltando-se, anuncia:
- Vou dar um “giro” por lá. Até amanhã, Josuel.
- Até amanhã.
A porta é aberta e fechada com barulho. Josuel reflete. Ademir não conhece essas meninas: criadas soltas, logo se prostituem e envolvem-se com tipos suspeitos, perigosos.
- Se conselho adiantasse...
Aí o telefone toca. Josuel atende-o:
- Alô?
- Ademir está?
Pela voz dengosa, sexy, reconhece ser Vera. Responde:
- Acaba de sair. Quer deixar recado?
- Não, obrigada. Ciao!
Pela janela aberta ao lado, ele vê a noite sobre o morro, de casinhas que iluminadas, se convertem em incontáveis olhos da noite.
- Uma bonita visão.
Fala, e temeroso de que algo possa suceder ao chefe, nervoso abandona a janela.
Vera, como você está bonita! Com generosidade, sua blusa exibe o começo dos seios empinados, causadores de mil desejos. O seu short mostra as coxas alvas, grossas, cobiça de olhares... A prova disso são os dois sujeitos da mesa ao canto, que, por mis que procurem disfarçar, não despregam a atenção de nossa mesa.
Assim pensativo, ele vai ao encontro da moça, que o reconhecendo, sorri, e torna-se mais graciosa.
- Ademir, você hoje, está muito chato. Primeiro, quis saber – como se já não soubesse – se eu tinha encerrado o meu “caso” com o Júnior... E lhe respondendo que sim, que me encontro inteiramente livre, agora vem cismar de que os caras daquela mesa não desgrudam os olhos daqui, da gente.
Tomando a cerveja, ela conclui:
- Relaxa homem! Bebe a tua cerveja.
Ele aquiesce. Depois, erguendo a mão, acena ao garçom, pedindo mais bebida. Talvez Vera esteja certa. Ela lhe exerce tanta atração, que o deixa meio tolo, pensando besteiras...
A rua está movimenta. Mocinhas cruzam a calçada, indo e vindo. Sorridentes, despertam interesses à “paqueras”. Vera deve ter sido assim. Automóveis estacionam. Abandonando-os, casais adentram no terraço grande, que é no que se constitui o bar. Na sala conjugada, o conjunto ensaia as primeiras notas. A noite adianta-se ao encontro da madrugada. Mas, aqueles homens... Bebe nervoso. A jovem lhe sorri, num convite ao pecado. Ah, Vera!
Madrugada.
Impulsionado pelo desejo, Ademir indaga:
- Vamos?
O motel os espera. Ah, Vera, você com esse corpo, essa feminilidade... Deixa-me mais louco mais homem!
- Vamos, Ademir.
Ele então ao garçom que se avizinha:
- Some a despesa, por favor.
Através dos olhos, novamente os homens se comunicam e, o negro, acena ao garçom, enquanto o inocente casal afasta-se.
De repente, o grito:
- Entra no carro! A moça fica.
Perplexo Ademir mal consegue falar:
- Mas... Isso deve seu um engano.
- Entra porra!
Aí sendo empurrado, ele cai dentro do carro. E o negro também adentra. Ficando assim Ademir entre esse e o brancoso, à direção.
- Toca pra frente, Branquinho!
Ordena o Negrão ao motorista que, acelerando o auto, ganha a avenida deserta.
Na calçada, a moça como se fosse estátua da própria dor, conserva-se imóvel, confusa e, com os olhos embaçados pelas lágrimas, busca acompanhar o veículo que se deliu nas trevas cúmplices, perde-se na distancia.
Por que fizeram isso com Ademir? Terá sido a mando do Júnior? Devagar, retorna a caminhar. Para onde ir? Sem saber, limita-se a andar, como uma sonâmbula.
D. Ivone:
- Você viu? Quando o Ademir saiu com a sujeitinha, os caras foram atrás, e pegaram ele!
- Bem que a senhora disse que iria dar em coisa.
Aí, indaga:
-A senhora quer que eu avise à polícia?
A mulher desperta das reflexões:
- Você endoidou? Se tivesse acontecido uma briga, um tiroteio... Deixa pra lá, criatura! Melhor esquecer.
Então reentregando-se ao presente, já dinâmica:
- Vamos trabalhar, para ter, quando precisar.
- Falou e disse D. Ivone.
- Menino, trabalhe sem “liberdades!”.
Sem retrucar, o rapaz com humildade baixa a cabeça e, apressado, afasta-se.
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