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O FILHO PERDIDO
O mensageiro da morte.
Paulo Valença

Resumo:
D. Lurdes está insone, enquanto o marido, Orlando, dorme, roncando. Como ele consegue dormir com o problema que os aflige? O Júnior, o filho, ausente, na rua. Por onde anda esse filho perdido?

Pensativa, D. Lurdes, como é natural, fica insone. Ao lado, o marido Orlando dorme. Roncando. Como ele consegue dormir, com o problema que lhes afligem? Mas, cada um do seu jeito, com o seu mundo. Quisera ela ser assim. Contudo, é diferente, se “liga” muito às coisas. E sofre. Vira-se, buscando melhor posição, mas, é inútil...
No quintal vizinho o cachorro começou a latir. De outra residência uma criança chora. Da rua embaixo, transversal, uma moto fura a madrugada, em disparada. Lugarzinho barulhento! Em bairro de pobre não há sossego. Sorri e erguendo-se, deixa o quarto. Os roncos do Orlando estão mais altos, em prenúncio de doença? O aconselhará a se consultar. Melhor a prevenção, antes do mal nascer. É o sensato.
Na cozinha, abrindo o refrigerador, toma a água. Meu Deus por onde andará o Júnior a essa hora? Saiu acompanhado do Pedro (não o suporta: cheio de “gírias”, um tipo malandro, perigoso) e ainda não retornou... Essas saídas do filho ultimamente estão amiudando. Suspira alto, como se libertasse a angústia. Fecha o refrigerador. Cruzando as duas salas conjugadas, achega-se a porta e, abrindo-a, senta-se na cadeira de balanço, no terracinho. Cadenciando-se continua refletindo. Numa cidade violenta como esta de Recife, onde assaltos, crimes são cada vez mais constantes... Não, meu Deus livre o Júnior de uma “enrascada”, liberte-o do mal!
- Orlando você tem de dar “duro” com o Júnior. Ele anda saindo muito com esse tal de Pedro, sem hora certa de chegar. Sabe Deus por onde anda...
O marido então a fitando, contrariado:
- Quanta vez já repreendi o Júnior? A qualquer hora dessas termino fazendo uma asneira! Ele já tem dezenove anos, não é mais criança não. Na idade dele, eu já trabalhava, enfrentava o batente. Um malandro! Cansei de aconselhar esse rapazinho Lurdes.
Silenciaram, entregues à mesma angústia de temer o inesperado...
- Júnior você deveria ter mais responsabilidade. Por que não segue o exemplo do seu pai? Um homem pobre, mas, trabalhador, direito, responsável.
O filho calado. Preso ao mutismo, sua fuga. Rumo.
Cadencia-se. O frio da madrugada circula, envolvendo-lhe o corpo magro, maltratado pela vida árdua da pobreza e preocupações, como a atual. Pela ruazinha defronte ninguém passa. As residências fechadas. As luzes espalhadas pelas outras moradias na inclinação vertical do morro. Em quantas daquelas casinhas há um drama semelhante ao seu, da mãe aguardando o retorno do filho acompanhado por um desses jovens “moderninhos”?... Melhor nem pensar. Resignar-se. Ah se pudesse evitar as indagações que se faz buscando as respostas que...
- Lurdes tá aí no terraço?
- Tou Orlando.
- Mas que loucura é essa criatura? Você quer adoecer nessa frieza? Venha se deitar.
Não lhe responde. E a voz mais grossa, irritada:
- O Júnior tá mesmo precisando de umas tapas bem dadas. Cabrinha safado! Deixe estar...
Ela então, repete baixinho:
- “Deixe estar...”
Levanta-se e retrocede ao quarto, atendendo ao marido. Deita-se, entretanto, o sono não vem e, de olhos acesos fica vendo as telhas do teto indo aos poucos voltando à cor natural de avermelhadas, ante a luminosidade do basculante na janela do quarto, ao receber a luz do dia que nasce, enquanto o companheiro dorme, com a respiração alta.
Horas mais tarde, sozinha (Orlando está trabalhando, na fábrica) o telefone chama e, atende-o, com um repentino pressentimento...
- A senhora é D. Lurdes a mãe do Júnior?
- Sou sim. O que houve?
A voz então do outro lado da linha, após uma pausa, lhe revela o que ela temia... O filho foi morto ao trocar tiros com a polícia. Ele e o Pedro, o comparsa no “comércio do crack”.
Resignada põe o telefone no gancho e, sentando-se no sofá próximo, então liberta a dor reprimida ante a realidade presente. Em meio ao seu desespero se indaga: Quem terá sido o mensageiro da morte do filho?
- Eu estava sabendo, como mãe, eu previa...
Chora. Pela ruazinha alguém a corta assoviando, contente, em contraste com o que ela sente.
O assovio vai se distanciando, para logo não mais se ouvir.

























Biografia:
Paulo Valença é autor paraibano premiado nacionalmente com seus livros de contos e romances; Pertence a várias Instituições Literárias; Consta de diversos sites; Vive em Recife/PE.
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