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Esquina da Fatalidade
O assalto
Paulo Valença

Resumo:
Roberto após meses "parado" consegue um emprego de cobrador de ônibus e, no seu primeiro dia de serviço, a fatalidade o aguarda na parada do coletivo, à esquina.

1
Roberto está satisfeito e sorrindo para Nete, sua esposa:
- Nega eu vou indo.
Ela também sorri, aquiescendo:
- Vai com Deus.
Ele baixa a cabeça (hábito seu de assim se mover) e abrindo o portãozinho desce a rua estreita, em sentido à outra, embaixo.
O sol mal nascido de verão, no céu azul, de resumidas nuvens. Nas residências circunvizinhas o silêncio da madrugada ainda não foi quebrado pelo agitar ininterrupto do cotidiano do bairro pobre, de operários.
Nete suspira baixinho, reentregando-se à realidade:
- Que o Pai o proteja nesse seu primeiro dia de emprego.
Retrocede ao interior da casa e se prende aos afazeres domésticos, com a sensação boa no peito, na esperança de que com o Roberto outra vez trabalhando, tudo agora dê certo, a vida de ambos aos poucos se normalize.
Cantarolando uma marchinha antiga (forma de expandir o estado d’alma) estende a colcha, ajustando-a à cama.

2
O ônibus distancia-se.
Roberto, o novo cobrador, recebe as passagens e passa o troco.
- Certo.
Diz o sujeito moreno empurrando a borboleta, passando.
A senhora gorda também paga a corrida e, com dificuldade empurrando a borboleta adianta-se.
Roberto tem a atenção ao movimento da condução. Que bom voltar a trabalhar! Seis meses desempregado...
- Esse ônibus vai pela João de Barros?
Indaga a mocinha morena, graciosa sobraçando os livros.
- Passa sim.
Responde Roberto.
Entregando-lhe o vale-transporte a colegial passa.
À frente, o motorista tem a atenção fixa ao vidro dianteiro, preso à responsabilidade da profissão.
À esquina, a próxima parada.
O ônibus vence a avenida ainda sem o tráfego congestionado do novo dia. Às laterais vão ficando as residências com os pedestres caminhando nas calçadas. Nos morros por trás dessas, descendo as escadarias estreitas, longas, se vêem os moradores em direção as paradas dos coletivos que os conduzirá ao trabalho.
A condução estaciona.
As portas se abrem. Passageiros saltam. Outros sobem e de repente, a voz gritada, alarmando:
- É um assalto! Todo mundo quietinho, que o meu colega vai fazer o “rapa”. Botar o celular e a carteira dentro do saco.
Diz o adolescente alto, magro, negro, e o segundo, um brancoso, com o saco aberto recolhe os objetos dos passageiros mudos ante a violência da cena, enquanto um terceiro jovem aproxima-se do motorista e lhe encosta a arma na fonte.
O que comanda o assalto então se avizinha da borboleta:
- Vai cobrador, a grana!
Roberto sente o suor na testa, que desce pelas faces frias. As pernas tremem. As mãos também. Procura obedecer, apressando-se.
- Bora cobrador!
A voz grossa, gritada, outra vez ameaçando. Roberto abre a gaveta e busca recolher as cédulas, contudo, devido ao estado emocional, retarda a ação e, nervoso, o outro julgando que ele tenta buscar a arma, então, dispara duas vezes. As balas atravessam Roberto, que se envergando, cai com o rosto sobre a gaveta semi-aberta.
Então estendendo a mão livre da arma, o delinqüente recolhe as cédulas, sem mesmo evitar o contato com a face sem cor.
- Vamos pirar irmãos!
A nova ordem e aos três assaltantes apressados abandonam o coletivo.
Na calçada, encaminham-se a rua à direita e subindo-a se perdem numa de suas transversais.
- O cobrador tá ferido!
- Santo Deus é muita violência.
- A gente sai de casa sem saber o que vai acontecer...
Comentários nervosos, dos passageiros que aos poucos, se reentregam a realidade. E os olhos dançam nas faces pálidas, numa indagação muda.
Procurando se auto-controlar, então o motorista se ergue da cadeira e achega-se ao cobrador, que tem o peito e as costas vermelhas do sangue que brota com força.
- Porra! A bala atravessou o rapaz.
Aí numa resolução prática, retira o celular do bolso das calças e disca, tomando as primeiras providências.
Os passageiros estão novamente calados, irmanados no mesmo silêncio da terrível perplexidade.
Roberto devagar desperta e geme baixinho.
- O cara tá se acabando aqui. Venha logo cara!
Solta outro palavrão e foge a vista, fugindo do rosto do cobrador ainda sobre a gaveta estreita, meio aberta. E sente o coração pulsar, angustiado, dentro da própria impotência. Espera.

3
Uma das balas atingiu a espinha dorsal e em conseqüência, Roberto se encontra paraplégico, apenas movendo a cabeça, o tronco e os braços. As pernas estão mortas... Em silêncio, resigna-se à fatalidade que lhe esperava naquela parada da esquina, contudo, de repente as lágrimas descem-lhe pelas faces cadavéricas, amareladas.
Nesses instantes, Nete desvia a vista, não querendo vê, fugindo ao que não pode dar jeito. E se fazendo de forte se avizinha.
- Seu café, Roberto.
As mãos de dedos magros, trêmulas se estendem para receber a bandeja.
Lá fora, o sol brilha sobre as residências, as escadarias, os moradores, os veículos, os pedestres, em sua eterna missão de tudo agasalhar.
Ao lado da cadeira de rodas, a mulher solidária, boa companheira, aguarda que o marido termine a refeição.
Espera. Contendo-se...





Biografia:
Paulo Valença é autor paraibano premiado nacionalmente com seus livros de contos e romances; Pertence a várias Instituições Literárias; Consta de diversos sites; Vive em Recife/PE.
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