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A senhora e o moço
Copyright© 2012 by Otaviano Maciel de Alencar Filho
otaviano maciel de alencar filho

Vida difícil a de quem tem que pegar transporte coletivo todos os dias para ir trabalhar. Será que alguém ainda tem dúvidas a respeito dessa afirmativa? Acredito que não!   Mesmo assim, deixo margem a quem quer que queira para discordar do que acabo de afirmar. Sou catedrático nesse assunto. Espere um momento! Acho que falei o que não devia, ou melhor, escrevi o que não queria. Não, pensando bem fui um tanto egoísta quando afirmei ser um ‘catedrático no assunto’, dando a interpretações diversas o que acabei de afirmar. Afinal de contas, somos, nós, milhões de brasileiros, usuários do sistema de transportes coletivos urbanos, seja ele público ou de concessão à iniciativa privada, experientes nesse setor, quando o assunto é a dificuldade de se tomar um ônibus, um trem, uma van, uma topic, etc. Filas enormes nos terminais de integração. Isso sem falar na volta para casa depois de um dia de trabalho estafante.
Ônibus lotado. Sequer dava para respirar!
De pé, logo ali, um pouco afastado do assento do motorista, eu me encontrava nessa situação. O vai e vem do coletivo, causado pelas freadas bruscas efetuadas pelo condutor do veículo, dava a impressão que estávamos nós, passageiros, todos em um desses brinquedos que a gente encontra nos parques de diversões. Sentados na cadeira ao meu lado, se encontravam dois jovens rapazes, aparentando uns vinte e poucos anos de idade. Ao meu lado, também em pé, estava uma senhora, que pela aparência física denotava ser uma pessoa de idade avançada. Muito natural, portanto, que um dos rapazes oferecesse o lugar para a distinta senhora se acomodar e sair do aperto em que se encontrava. E foi o que aconteceu.
Não imaginava, porém, que a partir daquele momento fosse ser travado um diálogo dos mais inusitados já presenciados por mim, dentro de um coletivo. Já acomodada na cadeira, a senhora sentiu-se mais aliviada. O jovem sentado à seu lado, deixando transparecer que estava sentindo um odor nada agradável, fazia gestos para o colega que agora estava de pé. A senhora percebera que a atitude tomada pelo mesmo, tinha algo a ver com ela. No entanto, o moço não contendo a insatisfação de ter que suportar algo tão desagradável, desabafou:
- Não é possível que as pessoas não tomem um banho antes de adentrarem em um coletivo para voltarem as suas casas. Deveriam no mínimo usarem esses desodorantes de rolo! São tão baratos!
Falando, desse modo, se eximia da responsabilidade de estar direcionando sua insatisfação à senhora, e sua queixa, dessa forma, seria direcionada a qualquer um que se visse incomodado com seus reclames. Contudo, a senhora notara a malícia contida nas entrelinhas de seus queixumes.
- Tem gente que sequer ganha o suficiente para se alimentar, – Disse ela, tentando por um fim na conversa. Não suspeitava ela, que o embate apenas começara.
Não tem jeito mesmo, quando se trava uma discussão, cada parte envolvida não mede esforços na tentativa de provar que está com a razão. E eu, no meu lugar, sem levantar um pé, para não correr o risco de quando quiser colocá-lo no local novamente, pisar em cima de outro, já colocado no lugar em que o meu estava anteriormente!
O moço, agora, já não podia mais esconder que estava se referindo a ela, e disse:
- Por menor que seja o salário recebido por alguém, é inadmissível que não se possa comprar um rolinho de desodorante!
- A culpa é do governo que determina uma miséria de "salário mínimo" a ser pago ao trabalhador... Mesmo assim, um mal cheiro a mais ou a menos não faz diferença para quem não tem condições de comprar nem o que comer. – Desabafou a senhora.
- Então, a senhora não gosta do que faz?
- Não considero justo o quanto ganho. Acho injusto passar o dia inteirinho dando de tudo, para no final do mês receber uma miséria de salário.
- A senhora acredita em Deus?
- Claro!
- Então! E na Bíblia?
- Não do jeito que muitos creem! O que a bíblia tem a ver com isto?!
- Ué, nos ensina a suportar as dificuldades que a vida nos impõe. A Bíblia é a palavra de Deus!
- Como crer integralmente em algo que foi escrito por mãos humanas, que não raro sofreu intervenção por parte de quem escreveu algumas de suas passagens. É verdade que eu creio em Deus, e que na Bíblia existem muitas verdades e virtudes, isso é o que me interessa. Do que adianta andar com o livro sagrado debaixo do sovaco e não ser solidário para com o próximo?
- Mas quem faz isso prestará contas com Deus no dia do juízo final! – Insistiu o rapaz!
O diálogo foi, cada vez mais, ficando acalorado, e confesso, estranhei que com tanta gente dentro do coletivo ninguém interviesse no assunto.
E onde foi parar a celeuma em torno do mau cheiro?
Sinceramente, não sei, pois o ponto em que devia descer já estava próximo, e fui me adiantando até a porta de descida do ônibus. Desci. Dei graças a Deus! Só posso dizer que desse acontecimento tirei mais uma lição de vida: Não podemos forçar ninguém a mudar de comportamento e muito menos aceitar nosso ponto de vista acerca do que temos como verdadeiro. Só o tempo dirá se estamos ou não com a razão.
                                      
                                                                                              












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