Login
E-mail
Senha
|Esqueceu a senha?|

  Editora


www.komedi.com.br
tel.:(19)3234.4864
 
  Texto selecionado
Crônica de Gelo e Fogo *
Rafael da Silva Claro


Esta crônica fala de homens disputando algo que não é palpável nesse mundo materialista. A contemporaneidade e suas facilidades não eliminaram o propósito atávico do Homem. O que fizeram vikings, visigodos, saxões, suevos e demais povos bárbaros, hoje é replicado por um bando de moleques irresponsáveis, num sábado à noite, indo pra balada. Em vez de cavalos, carros; em vez de espadas, um modesto estilete; e em vez de vencer longas distâncias para caçar, pilhar e conquistar terras, apenas sair de “rolê”.

Estávamos em três, descendo a principal avenida de Guarulhos. Tempos bicudos, onde, a duras penas, uma geladíssima cerveja era parida a fórceps, com um rateio de moedas. Dinheiro curto e pavio também. É o 8 ou 80 da pouca idade, onde amigo não é aquele que separa a briga, e sim o que aparece, do nada, dando uma voadora.

Pois bem, andando na avenida, passa um carro e alguém, lá de dentro, grita alguma coisa. Eu não sei o que gritaram, mas não deve ter sido algo muito legal. Deve ter sido um insulto, porque eu não deixei o autor sem resposta. Eu não precisava de álcool para xingar ninguém, mas, junto à criatividade e à coragem, eu já contava com o aditivo etílico. Portanto, foi fácil escolher um impropério do meu vasto glossário.

Quando começaram a parar um... dois... três... quatro carros, eu saquei a inconsequência do impulsivo ato. Nesse momento, na minha mente, a minha vida passou como um filme. Enquanto eu, atônito, via tudo se acabar, pra piorar, presenciava o meu exército dividindo-se. A metade covarde enfiou a cabeça entre os ombros e sumiu por anos, talvez pelo vexame de carregar, eternamente, a pedra da vergonha. A metade valente e camarada de verdade voltou, com seu velho estilete entre os dedos. Pronto, agora seríamos dois a levar uma surra histórica. Quem presenciava o que estava para acontecer já poderia telefonar para o SAMU ou o Resgate, trazendo a pá.

O dia virou noite, a noite virou dia e ficou claro que era chegada a hora onde se revelariam os inimigos verdadeiros e os falsos amigos. Hombridade e retidão de caráter separariam homens de meninos.

Meu amigo estava se alistando num exército inferior (numericamente e materialmente), numa batalha perdida e se fosse um jogo, de derrota sabidamente iminente. Em tempos em que se prefere filmar com o celular, em vez de enfrentar, esse episódio contém um punhado de valores abstratos e raros: honra, coragem, amizade... Vou parar, senão vai parecer que eu “maratonei” Game of Thrones e corri para escrever isto.

Para nossa surpresa e alívio, os primeiros a descerem do carro vieram cumprimentando, como se nos conhecessem. Fizemos o mesmo, sem saber o porquê daquilo. Aquela atitude inesperada talvez tenha ocorrido por um código de ética pela coragem demonstrada, em detrimento da covardia, do falso amigo, que se revelou.

No fim, tudo ficou na paz. Saímos ilesos, diferentemente do medroso que, para não perder o costume, sumiu de vergonha e medo.

Coragem só se mede em ambiente hostil. Cheios de confiança, fomos esvaziar umas garrafas.


Biografia:
Ensino secundário completo. Trabalhei em várias empresas, fora da literatura. Tenho um blog, onde publico meus textos: “Gazeta Explosiva” Blogger
Número de vezes que este texto foi lido: 52883


Outros títulos do mesmo autor

Ensaios 🔴 A pior propaganda do mundo Rafael da Silva Claro
Ensaios 🔴 A imprensa e a manifestação Rafael da Silva Claro
Ensaios 🔴 O descobrimento do Brasil Rafael da Silva Claro
Ensaios 🔴 Um maluco solto na África Rafael da Silva Claro
Ensaios 🔴 Um país carnavalizado Rafael da Silva Claro
Ensaios 🔴 Caiu a ficha? Rafael da Silva Claro
Ensaios 🔴 O podre do padre Rafael da Silva Claro
Ensaios 🔴 O podre do padre Rafael da Silva Claro
Crônicas 🔵 O doutrinador Rafael da Silva Claro
Ensaios 🔴 Agora vai Rafael da Silva Claro

Páginas: Primeira Anterior Próxima Última

Publicações de número 21 até 30 de um total de 415.


escrita@komedi.com.br © 2024
 
  Textos mais lidos
Desabafo - 54162 Visitas
O Senhor dos Sonhos - Sérgio Vale 54144 Visitas
Depressivo - PauloRockCesar 54038 Visitas
Jornada pela falha - José Raphael Daher 54029 Visitas
A menina e o desenho - 54018 Visitas
Cansei de modinha - Roberto Queiroz 53989 Visitas
MENINA - 53973 Visitas
sei quem sou? - 53967 Visitas
Novidade no Céu - Teresa Vignoli 53957 Visitas
Vivo com.. - 53957 Visitas

Páginas: Primeira Anterior Próxima Última