Em seu texto “Cidadania no Brasil, o Longo Caminho”, o cientista político José Murilo de Carvalho traça o panorama histórico do trajeto percorrido até o entendimento contemporâneo do conceito de cidadania que a Constituição de 1988 pretendeu solidificar. A Carta Magna hoje em vigência foi denominada “Constituição Cidadã”, visto que ela representou um momento de busca por maior participação popular, além de se tratar da primeira carta constitucional pós-autoritarismo, que sucedeu a Constituição de 1967, criada esta última no governo militar a fim de legitimar as atrocidades cometidas e a suspensão de direitos de forma indefinida.
Retornando, no entanto, à CF/88 objeto da presente análise, o professor José Murilo delineia os reflexos do passado brasileiro e os aspectos históricos que justificam as ênfases dadas pela atual Constituição sobre alguns temas. Assim, o autor discute a situação política no Brasil desde 1500, passando pelo Império e pela República com uma abordagem bastante precisa dos direitos civis, políticos e sociais. Retrata também a situação política na Era Vargas, e fez neste ponto de seu texto, um adendo à noção de cidadania regulada, conceito desenvolvido pelo professor Wanderley Guilherme dos Santos e que consiste basicamente na concessão de elementos de cidadania ao povo mediante uma série de condicionantes a fim de que se tenha uma manutenção do poder estatal e das forças que regem o status quo de determinado momento histórico.
A análise de Wanderley Guilherme volta-se à década de 1930 e ganhou bastante expressividade ao centralizar o trabalho como atividade definidora da cidadania, visto que a vinculação do sujeito ao mercado de trabalho fornecia garantias à vida em sociedade em um período de nacional-desenvolvimentismo reinante e de forte industrialização e urbanização no governo Vargas. A título de exemplo, tem-se o FGTS e o regime da previdência no âmbito da seguridade social, de caráter eminentemente contributivo. Assim, a cidadania regulada trata-se, sobretudo de uma cidadania influenciada pelo ideário desenvolvimentista, com a proteção social atrelada a algumas condicionantes a partir das quais o Estado encontra brechas a fim de manter sua estabilidade e assegurar que a população “cidadã” estaria sob um relativo controle social. Adiante, José Murilo analisa o impacto da ditadura militar após o Golpe de 1964 até o processo de formação da assembleia constituinte de 1987, de forma que atenta para o seu peso diante de uma Constituição nascente.
Após seu estudo meticuloso, o autor conclui que o processo de aquisição da cidadania e a sua construção ao longo dos anos envolveram épocas de altos e baixos, de rupturas e permanências que não seguem uma linearidade necessária, uma vez que resultam das particularidades de cada período. Assim, da apreciação do autor, tem-se que a cidadania não é um fenômeno acabado e fechado em si, de modo que a Constituição de 1988 teve o foco de materializá-la para além do discurso formal, na tentativa de suprir as desigualdades que advêm desde o período escravocrata, como bem sustenta José Murilo, sendo que a carta constitucional, por fim, construiu-se a partir de diversas forças e interesses em confronto e é fortemente interligada ao fenômeno da democracia na sociedade brasileira.
Disciplina: Serviço Social, Direito e Cidadania.
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