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A Janela
fernando ceravolo

331

Um lindo domingo ensolarado descortinava-se para ele, com o piar dos pássaros, esporádicos carros nas ruas e algumas conversas de poucas pessoas nas calçadas, que ecoavam pelas paredes dos prédios.

Apoiado na janela do seu quarto, olhava abaixo a vida que seguia o seu ritmo inabalável. Sentiu a brisa fresca em seu rosto de olhos fechados, pensando como seria se pulasse. Um arrepio passou-lhe pelo corpo. Em um átimo, parecendo acordar de um sonho, afastou-se dela assustado, dando alguns passos para trás amedrontado e trêmulo.

A janela o encarava de forma sedutora e sensual, como uma deusa que o embevecia com suas formas, olhares e sons, hipnotizando-o e induzindo-o a segui-la, atravessando-a para o além. Estático, petrificado, não sabia o que fazer. Mas sentia uma forte atração, irresistível até. Ficou ali parado olhando-a fixamente com a claridade diáfana do dia transpassando-a, inundando de cores quentes o ambiente do seu quarto.

Saindo daquele torpor, talvez ainda sob o efeito de um sonho, não sabia direito o que acontecia. Abriu mais seus olhos e viu bem definida a janela do seu quarto. Estava estática e inerte em seu retangular formato. A deusa se fora.

Ficou ele com aquele fato incomodando-o, porque tinha medo de morrer. Mas agora esses repentes lhe acometiam.

-Por quê? E que deusa seria aquela vislumbrada na janela? Será que a vira mesmo ou fora imaginação?

O dia seguiu com ele remoendo o acontecido, até esquecê-lo. À noite, em seu quarto, deitado sozinho, voltou o seu olhar para a janela. Viu o escuro do céu, e a luz da iluminação da rua, projetando sombras deformadas e alongadas das pessoas e carros que passavam. Nada das visões da manhã. Deve ter sido um sonho esquisito, então.

Era tarde já, o ar que entrava em seu quarto era fresco, frio até. Ele se aninhou na cama aguardando o sono lhe embarcar para o mundo surreal e quem sabe reencontrar a deusa. Quem sabe!

Estava novamente no peitoril da janela olhando para a noite escura e límpida, fria e silenciosa, quando percebeu que não estava sozinho. Atrás dele a deusa lhe falou com uma voz forte e sedutora, ecoando as palavras pelo seu quarto como um mantra:

-Vamos, pule, verá que nada lhe acontecerá, terá uma sensação maravilhosa de liberdade e felicidade! Vamos!

Virou o rosto e nada viu, somente sombras negras balouçantes e indefinidas que pulsavam a cada palavra dita a ele.

- Não é real, você não existe! - replica para as sombras que riem profunda e guturalmente, o que o deixou confuso.

-Você precisa passar por mim e verá como sou real. É o seu desafio!

-Estou sonhando, isso não é real, se o fizer aqui nada acontecerá comigo, pois acordarei e estarei vivo. Óbvio!

Continuava ele junto à janela, estático e petrificado, sonâmbulo até, avaliando que talvez sendo um sonho, poderia fazê-lo. E, como gostava de desafios, pensou porque não?

Juntou a cintura ao peitoril com cabeça e tronco embicados para fora da janela, sentindo toda a tranquilidade e quietude da noite, aspirando o ar frio e seco passando por suas narinas dilatadas pela emoção, quando ouve as vozes sombrias:

-Isso, vamos para o paraíso, verá quão belo é estar livre e solto, sem amarras, sem o que se preocupar, somente fluir pelo desconhecido.

Ficou assim por alguns minutos, como na proa de um navio cruzando o mar tranquilo e calmo, sem medo. Uma paz nunca sentida, mas que sempre procurara lhe invadiu o ser.

Viu como seu corpo começou a se esvanecer, as mãos se transformando em algo difuso e sem forma que subia por seus braços, atingindo o seu peito, espalhando-se e envolvendo-o todo, soltando-o, sem amarras, sem nada que o impedisse de vagar por onde quisesse, pelo ar, mar, terra, por tudo. Um ser disforme, inorgânico, ele se tornou. Sentiu uma enorme felicidade da liberdade que tinha, e viu junto da janela do seu quarto, o seu corpo estático, de olhar esbugalhado e atônito.

Tornou-se como as sombras, que o acompanhavam também pelo ar etéreo e sem fim. A deusa não. Estava em outra janela aliciando mais alguém.
Ele fluía em paz pelo nada.


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