OS FANTASMAS DA CASA ABANDONADA
Quando minha família chegou de mudança do campo para viver naquela pequena cidade, fomos morar no começo de uma pequena rua sem saída. Porém, havia no seu final, como a olhar com enormes olhos para as outras, uma casa grande, a maior de todas, há muito tempo abandonada. Eu era muito pequeno ainda, contudo, eu ouvia os adultos comentarem o que lá se passava nas noites escuras. E que, os sons que de lá saíam quando eram de lua cheia —os vizinhos falavam a meia voz— eram de volume mais baixo, menos escandalosos, porque os espíritos lá dentro se aquietavam.
Eu, porém, não tinha medo, porque não entendia ainda as coisas de gente grande. Enfim, eu sabia de tudo, mas não compreendia. Como um dia que ouvi D. Maria, a vizinha do lado desta casa mal assombrada, dizendo pra D. Silvia, que não conseguiu dormir aquela noite, tal o barulho esquisito. Dizia que era como coisas caindo do teto e que, ao bater no piso, parecia estilhaçar, ora como vidro ora como pedras. Ninguém queria comprar a casa, onde uma família inteira havia sido assassinada e todos se perguntavam porquê, embora nenhuma pessoa daquela rua nem das outras soubesse explicar. Enfim, atrás daquela casa, como de todas as outras do mesmo lado direito, havia um pequeno pasto onde animais como vacas e cavalos do seu José Cardoso pastavam e eram seguros alí.
Pelas tardes ele levava restos de comida para os porcos que ele também engordava em um pequeno chiqueiro, localizado entre seu quintal e este seu pequeno logradouro atrás das casas. Uma manhã, me lembro de todos daquela rua comentarem como se um escândalo fosse que, ao verem um cavalo amanhecido morto com os pêlos das crinas enroladas como tranças e sinais de dentes no pescoço, dizerem que eram das garras de um vampiro a comerem sangue. Pouco tempo depois, D. Joaquina, outra vizinha ao lado da casa mal assombrada, disse que tinha visto uma mula sem cabeça passando frente à sua casa de madrugada e que, pensara em gritar pra todos verem, mas sua voz ficara embargada e nada saía. Outras vozes saíram em seu socorro e disseram que era a Mariazinha que, por sair escondida com o padre da cidade, nas noites de sexta-feira de lua cheia se transformava naquele bicho esquisito, uma mula-sem-cabeça.
Passado outro tempo, o vampiro atacou novamente e uma vaca apareceu morta com os mesmos sinais do cavalo. Todos começaram a comentar que daquele jeito, poderia ser também com as pessoas, principalmente àquelas que tivessem mais pecados. E todos se entreolhavam como a se perguntarem quem, entre todos daquela rua e mesmo daquela pequena cidade, seriam os mais pecadores. Zezinho da Rosa, muito gozador, dizia que deveriam ou poderiam ser o padre ou o pastor, que de santo era somente a vontade de parecerem como tais e que, santidade em humanos ele não acreditava. D. Zica achava muita graça e ria, concordando!!! Passado um tempo, Joãozinho da Rita quis aumentar a ansiedade naquela gente e, certo dia, escondido, fez um gato. Puxou um fio de energia para a tal casa mal assombrada, colocou uma lâmpada pisca-pisca num cômodo interno e de noite, quando ele ligava a luz, toda a casa parecia relampejar. Demorou uns dias, ninguém buscou saber o que era tal mistério e os arrepios de medo apareceram em muita gente. Porém, logo descobriram a malandragem do vizinho escandaloso e gozador.
Durante muito tempo, lembro-me bem, pouca coisa de interessante aconteceu, depois que tiraram os medos e as curiosidades da casa abandonada com a sacanagem do Joãozinho da Rita. Enfim, daquelas coisas que diziam serem fantasmas ou almas do outro mundo ou vampiros atacando animais, quase nada nunca se repetia e a ansiedade daquela gente parecia aumentar, louca por novidade. Somente que, muito raramente, levavam algum louco pra Barbacena, como um sinal depois de muitos anos de pesquisa comprovar que, o atraso não era somente do povo simples e analfabeto da minha pequena cidade.
Era de todo meu país, como de médicos, psiquiatras e psicólogos daquele famoso hospício! Enfim, estávamos e estamos todos vivendo ainda como os fantasmas, como os terraplanistas, negacionistas, anti-ciência e anti-vacinas das primitivas cavernas. Acho que nada mudou, somente a tecnologia que chegou pra enganar a minha e a sua evolução.
(borges joão)
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