Login
E-mail
Senha
|Esqueceu a senha?|

  Editora


www.komedi.com.br
tel.:(19)3234.4864
 
  Texto selecionado
A curruira e o dente de leão
Gladyston costa


Os primeiros raios de sol mal rompiam a madrugada e a corruíra já se espichava toda no galho da tipuana. Sacudiu as penas, esticou as pernas e espreguiçou abrindo as pequenas asas. Sem ligar para o ruído do ir e vir dos carros na avenida resolveu gorjear.
Então mirou o viaduto e num ligeiro salto alçou vôo rasante, flores amarelas de dente de leão espremidas entre o cinza do concreto chamaram-lhe a atenção.
Naquela manhã de primavera era possível ver aqui e ali, em meio a tanto concreto armado, algumas raras flores anunciando a estação mais perfumada do ano.
Pousou desconfiado e espertamente saltitou pela marquise do viaduto alcançando a tão bela flor.
Num mundo extenso de concreto e asfalto há muito tempo tornara-se raro ver pássaros e flores nas entranhas da cidade.
A semente daquele dente de leão viajou no tempo e no espaço trazendo de gerações passadas a essência de sua existência.
Queria uma porção de terra e água fresca para germinar, achou na pequena fresta do viaduto a única possibilidade de continuar a sua existência.
Há tempos, corruíras e toda sorte de bichos celebravam a vida em meio a manacás, aroeiras, paus ferros e pitangueiras.
Tudo era verde até onde os olhos enxergavam e os bichos eram tantos que não se podia contar.
A primavera era mais colorida e perfumada.
Desde o inicio dos tempos a natureza tem nos seus ciclos o seu modo de ser e a cada primavera as sementes do dente de leão, quando chega à hora, flutuam como bolhas de sabão e se espalham para dar continuidade à vida.

E o bicho homem.
Voraz como uma máquina devoradora de si mesmo ao dissociar-se do universo ao redor, fez-se o único dos seres e do que era ciclo procurou fazer linha reta.
Hoje, os poucos pássaros que habitam a cidade voam sobre intermináveis ruas e avenidas que dividem o espaço em fragmentos lineares e ensimesmados.
Pedaços mudos de uma aquarela cujas cores não se misturam e que no seu todo fogem à sua compreensão.
A cidade desafia a beleza e sinuosidade cíclica daquilo que provavelmente o homem jamais será capaz de criar.
Se do alto as águas caem após longos ciclos, a seu modo o bicho homem torna rios sinuosos linha reta, tal como o Tiete.
A racionalidade se revela cega.
E assim, onde havia aroeiras, paus ferros, pitangueiras, arco-íris, rios, riachos e estrelas a perder de vista, hoje há asfalto e concreto.
O céu é enfumaçado.
Na natureza em nada há finalidade em si mesmo, a corruíra e o dente de leão em seu conjunto são mais que pássaro e flor.
E lá estava a corruíra, uma, duas, três bicadas e mais algumas sementinhas, um olhar ligeiro e desconfiado, um gorjear e mais algumas bicadas.
Na avenida logo abaixo o caos estava instalado e em meio a tanto ruído e fumaça quem poderia enxergar aquele pequeno pássaro e o dente de leão?
Entre idas e vindas em voos curtos, do viaduto ao seu refugio na tipuana, ficou ali pelas primeiras horas da manhã.
Já era quase meio dia e o sol alto dava mais brilho ao colorido daquela flor.
Então tendo enchido o papo e celebrando a primavera, a corruíra resolveu visitar outras paragens.
Alçou vôo e desapareceu no céu esfumaçado.



            Gladyston costa


Biografia:
-
Número de vezes que este texto foi lido: 52896


Outros títulos do mesmo autor

Crônicas Nós Gladyston costa
Poesias Solstício Gladyston costa
Poesias Taxonomia do choro Gladyston costa
Poesias Mormente Gladyston costa
Poesias Propriedade do mindinho Gladyston costa
Poesias Bicho de goiba Gladyston costa
Poesias Corre sapato Gladyston costa
Crônicas Nas asas da monarca Gladyston costa
Poesias Voo de palavras Gladyston costa
Poesias Lua e cidadeII "Lua de Sangue" Gladyston costa

Páginas: Primeira Anterior Próxima Última

Publicações de número 31 até 40 de um total de 48.


escrita@komedi.com.br © 2024
 
  Textos mais lidos
Saudações Evangélicas (Romanos 16) - Silvio Dutra 53956 Visitas
eu sei quem sou - 53955 Visitas
Viver! - Machado de Assis 53931 Visitas
viramundo vai a frança - 53923 Visitas
O pseudodemocrático prêmio literário Portugal Telecom - R.Roldan-Roldan 53898 Visitas
O que e um poema Sinetrico? - 53892 Visitas
A Aia - Eça de Queiroz 53842 Visitas
O Movimento - Marco Mendes 53841 Visitas
camaro amarelo - 53840 Visitas
OS ANIMAIS E A SABEDORIA POPULAR - Orlando Batista dos Santos 53827 Visitas

Páginas: Primeira Anterior Próxima Última