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Ensaio para um mergulho no escuro da piscina
(ou pequeno relatório das coisas que deixamos no caminho)
Cleyton Boson


      Depois da inesquecível tempestade que avassalou toda a terra no correr da noite espreguiçada sob o céu e os confins. Lá detrás de onde os suspiros mais doces se escondem, com medo de serem acorrentados pelo tempo escasso e tornarem-se tão efêmeros quanto a eternidade humana.
Pois é, lá detrás brota a madrugada trazendo no ventre, já dilatado, os raios mornos do dia, que ao queimar as faces dos amantes lhes trazem de volta a memória de suas roupas e a necessidade de cobrirem seus corpos e as marcas da volúpia, para mergulharem no mundo depois da janela. E é depois da janela que me perco de seus olhos no ziriguidum da multidão aparvalhada com o calor do meio-dia.
      Um meio-dia que é daqui para não sei onde, para quando você mira seu sorriso para além do Atlântico, enquanto, sentado em alguma praia chilena, aceno para um albatroz que desaparece no instante em que a água do mar me faz piscar.
      Na multidão me desfaço, nela você se desintegra e, agora, mergulhados no cotidiano do turbilhão que nos arrasta, nos tornamos rostos na memória que algum dia não terão mais nomes. Mas anotei tudo num papel, o nome de todas as coisas que consegui segurar contra o peito.
O problema é que a cada passo alguma delas cai e, como agora existem mais nomes do que coisas, algumas têm vários nomes e alguns nomes não fazem mais sentido...Ou fazem. São nomes sem coisa. Ausências que incomodam e propõem a busca ou o desatino. Não importa!
       Desafiado ou desatinado atravesso o turbilhão do meio-dia sentindo o sol na nuca e o arfar dos pulmões premidos pela ansiedade de me por a salvo. Depois, sentado confortavelmente sob um guarda-sol, confiro cada uma de minhas anotações e as lanço no ar antes de me deitar sobre a noite anterior, beijá-la, com uma fome incomum, para sorver toda a tempestade, e, só então, atirá-la nos dentes do mar.



Biografia:
Nasci numa cidade grande. Goiânia, em 1974, já contava com cerca de 800 mil habitantes e polarizava outros 600 mil moradores e trabalhadores das cidades vizinhas. O bairro onde eu cresci ficava na periferia da cidade e eram necessários dois ônibus para almoçar com minha avó, aos domingos. Eu ficava impressionado com a capacidade de meu pai de não se perder naquele emaranhado de ruas e prédios e acreditava que jamais iria conseguir me guiar sozinho naquele espaço. Os pais de meus pais eram oriundos do campo e haviam migrado para Goiânia na década de 60, com a finalidade fazer fortuna. A construção civil lhes havia dado emprego, luz elétrica, água encanada e meus pais puderam freqüentar a escola. Contudo, tanto meus avós maternos quanto os paternos, bem como seus irmãos, eram saudosos dos tempos da roça: lá, pensavam, havia fartura de alimentos, as pessoas eram mais unidas, não vivíamos trancafiados em nossas próprias casas. Prometiam a si mesmos, e proclamavam aos quatro ventos, que um dia voltariam a viver no campo, trazendo assim sua felicidade de volta. Nunca cumpriram a promessa, nem quando possibilidades concretas se apresentavam diante de seus olhos. Aos 14 anos fui para Brasília, uma cidade que me espantava mais que Goiânia por ser incrivelmente veloz, populosa e solitária. Goiânia passou a representar meu paraíso perdido: um local em que os vizinhos se conhecem pelo nome e se ajudam mutuamente; joga-se bola na rua até altas horas da noite; a vizinhança se compromete com a proteção das crianças, independendo se são ou não seus filhos; e o trânsito é menos agressivo. Mas não voltei a morar em Goiânia e minhas visitas se tornam cada vez mais curtas. Os paraísos perdidos e os novos paraísos que produzimos baseados nas representações que temos da modernidade contemporânea (urbana, fragmentada, multifacetada, impessoal, instável) e das comunidades tradicionais (rurais, baseadas em laços de afetividade e solidariedade mútuas, estável, mesmo que estas características estejam em transformação) são a origem das inquietações de meus trabalhos
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