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O Anjo
Cleyton Boson

Mergulharão, minhas lembranças,
na noite imensa do esquecimento.
Mas por enquanto, tomo de um copo
até a borda de vinho branco e sismo
com a aventura de existir.
Nossa vida se esvai, mas o universo é infinito.
Talvez isso explique nossa mania de ser efêmeros e
apaixonados pela eternidade.
"A morte é o fim de todos os milagres". Não sei se isso é Pessoa ou Bandeira,
mas discordo.
A morte é a porta de toda novidade. E os milagres. Esses
fenômenos incompreensíveis, razão de ser de padres, pastores,
esotéricos e cientistas. São novidades rompendo a monotonia de um
longo feriado.
A mortalidade humana. A mortalidade de tudo o que é construção humana.
Eis (para usar uma expressão sagrada) a chave de nossa eterna jovialidade.
de nossa eterna fome de criatividade e da constante transformação que é
nosso mundo.

Pessoas morrem todo dia, mas a juventude e o poder criativo persistem,
imunes ao envelhecimento de cada homem ou mulher.
Um começo sempre renovado exige o preço de um sempre renovado final.
Nessa ciranda morrem os amores, as crenças, as organizações sociais.
Os gostos morrem, as taras, os ódios, as preferências.
Morri não sei quantas vezes nos últimos dois anos
e sinto, escondido nas frestas de minha alma,
o nascimento de mais uma morte.
Desenho portos e sorrisos. Pontos de chegada dessa viajem
extraordinária que é estar vivo. Mas sei que são transitórios e mortais.
Conheço paisagens e pessoas. Suas formas, gestos e vozes se misturam
na composição de minha memória.
Até o passado. Aquele amontoado de coisas que não sabemos onde guardar
e que pensávamos definido, imutável. Rearranja-se e se modifica todo dia.
Hoje, não sei porque o som dos Titãs me irrita e Carlos Gardel soa como
chegada em casa depois de viajem longa.
Um amor inesquecível se desbota e outro amor inesquecível se
apresenta na cadeira ao lado no cinema.
E na tela grande, um filme alemão me faz pensar no Anjo da História.


Biografia:
Nasci numa cidade grande. Goiânia, em 1974, já contava com cerca de 800 mil habitantes e polarizava outros 600 mil moradores e trabalhadores das cidades vizinhas. O bairro onde eu cresci ficava na periferia da cidade e eram necessários dois ônibus para almoçar com minha avó, aos domingos. Eu ficava impressionado com a capacidade de meu pai de não se perder naquele emaranhado de ruas e prédios e acreditava que jamais iria conseguir me guiar sozinho naquele espaço. Os pais de meus pais eram oriundos do campo e haviam migrado para Goiânia na década de 60, com a finalidade fazer fortuna. A construção civil lhes havia dado emprego, luz elétrica, água encanada e meus pais puderam freqüentar a escola. Contudo, tanto meus avós maternos quanto os paternos, bem como seus irmãos, eram saudosos dos tempos da roça: lá, pensavam, havia fartura de alimentos, as pessoas eram mais unidas, não vivíamos trancafiados em nossas próprias casas. Prometiam a si mesmos, e proclamavam aos quatro ventos, que um dia voltariam a viver no campo, trazendo assim sua felicidade de volta. Nunca cumpriram a promessa, nem quando possibilidades concretas se apresentavam diante de seus olhos. Aos 14 anos fui para Brasília, uma cidade que me espantava mais que Goiânia por ser incrivelmente veloz, populosa e solitária. Goiânia passou a representar meu paraíso perdido: um local em que os vizinhos se conhecem pelo nome e se ajudam mutuamente; joga-se bola na rua até altas horas da noite; a vizinhança se compromete com a proteção das crianças, independendo se são ou não seus filhos; e o trânsito é menos agressivo. Mas não voltei a morar em Goiânia e minhas visitas se tornam cada vez mais curtas. Os paraísos perdidos e os novos paraísos que produzimos baseados nas representações que temos da modernidade contemporânea (urbana, fragmentada, multifacetada, impessoal, instável) e das comunidades tradicionais (rurais, baseadas em laços de afetividade e solidariedade mútuas, estável, mesmo que estas características estejam em transformação) são a origem das inquietações de meus trabalhos
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