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A Historia de Sambo
Luís Eduardo Fernandes Vieira

Resumo:
A historia de uma criança de rua que se tornou santo.

O Santo das ruas
Adaptação do poema de Jô Benevides
Peça teatral adaptada por: Duda Fernandes
Personagens:

Narrador
João – Sambo
Juvenal
O Homem fora da lei
O Dançarino
A Mulher de Roxo
O Palhaço
A Bailarina

Todos os Personagens no palco. Cada um numa atividade distinta, dormir e acordar, caminhando, comendo, sonhando e tendo pesadelos etc.

O Narrador:
Esta é a historia daquele menino que entrou na floresta. Qual o nome dele? Sambo! O negrinho Sambo. Mas, nesta versão da historia ele não tem cor. E não é uma historia cheia de “perguntas ou duvidas” esta aqui é uma sincera e atualizada versão integral! Vamos a ela: “Sambo entrou na floresta com sua jaqueta vermelha, sua calça azul nova e seus sapatos roxos. (os atores representam a historia que está sendo contada, João representa Sambo e outros os tigres) E com seu guarda chuva verde para se proteger do sol forte da floresta. Habitavam três tigres lá, e quando Sambo entrou, um por um, os tigres, roubaram cada peça de seu vestuário, até que Sambo ficou sem nada. Aí os tigres lutaram entre si para ver qual era o mais grandioso. Sambo ficou com muito medo, mas, é aí que a historia toma outro rumo! Sambo viu que o ultimo tigre que ficou de pé estava muito fraco e foi embora sem olhar para trás, não pôs de volta as roupas que os tigres roubaram, não senhor! Este Sambo saiu da floresta completamente nu. Mas, ele tinha algo mais precioso do que a jaqueta vermelha, a calça azul e os sapatos roxos. Ele tinha o seu próprio eu, nu. E ninguém podia de forma alguma tirar isso dele. Essa é a nossa historia!
(O Narrador sai e dá lugar aos meninos que já deixaram a floresta e os tigres de lado e são crianças de rua.)

Ver os meninos: de sinaleira-flanelinhas, os baleiros, vendedores de picolé, os malabaristas, vendedores de água, os “pivetes”, os “doleiros”, maconheiros-cheiradores de cola, os “braus”, traficantes etc. – elaborar dinâmica.

Flanelinha:
Vou deixar seu vidro brilhando! Ah! Sim, antes que eu termine ele estará brilhando. Enche-me de alegria ver um brilho desse! (pergunta fictício a alguém num carro) E o senhor também não vibra com isso? Não tem nenhuma obrigação de dar, mas eu aceito gratificações, Deus lhe abençoe e boa viagem, doutor!

De outro lado vem uma senhora andando com uma foto na mão. Ela mostra a foto para o publico, para os meninos que estão na sinaleira. Ela para no centro e fica com a foto na mão.

Mulher:
Viu o meu menino? Você viu? Ah, ele saiu de casa para ir na feira. Foi semana passada na feira, comprar legumes! Quem enche a casa é meu menino. Você viu? (pergunta ao publico) viu meu menino? (vai saindo)

O menino-flanelinha vem chegando com suas coisas embaixo do braço e um papelão noutro. Vai se ajeitando. Encontra neste lugar um velho que estava embaixo dum entulho de papelão.

Velho:
Ei, o que está acontecendo?


Menino:
Desculpa! Eu não sabia que você estava aí.

Velho:
Tudo bem! Mas, você pode se afastar um pouco?

O menino se afasta. O velho se ajeita. Agora os dois estão lado a lado. O velho olha para ele e respira fundo.

Velho:
Você acredita em Deus é garoto?

Menino:
Às vezes!

Velho:
Entendo. Às vezes ele está aqui, às vezes não.

Menino:
Pois é!

Velho: (o velho pega um vidro de comprimidos. Abre.)

Menino:
O que é isso?

Velho:
Isso aqui! É a coisa mais próxima de Deus que iremos encontrar.

Menino:
É droga! (ele afirma)

Velho:
Estes comprimidos? Não, são e não são! Ou seja, são genéricos! Distribuídos mensalmente pela ‘farmácia do povo’ os representantes de Deus na terra! Para continuar semi-vivo tenho que tomar dois ao dia! É o que mantém este velho e outros milhares de coitados dependentes deste vidrinho marrom. O problema é essa dor nas mãos! Elas me matam!

Menino:
Deixe-me ver.

(o Velho lhe dar as mãos. O menino massageias.)

Velho:
Eu tenho essas mãos tortas, garoto. Quando é tempo frio elas doem muito! Mas parece que está esquentando.

Menino:
E quantos comprimidos ainda têm?

Velho:
Poucos! O governo não faz muita questão dos idosos, nem dos ruralistas, analfabetos...

Menino: (interrompendo)
Dos menores?

Velho:
Tampouco! Bem, de qualquer forma: (solta a mão do garoto e mostra o vidro) eis o que mantém este velho vivo, ou quase! (toma um comprimido) Amém! (aproxima-se do menino) não me entenda mal, garoto. Eu já vivi muito, vi muita miséria nessa vida. E lhe digo uma coisa: se formos comparar isso não é nada! (olha para ele) Como é seu nome?

Menino:
João!

Velho:
De onde você é?

Menino:
Sou daqui mesmo, mas ando por tudo aí...

Velho:
Sei, eu sou do interior! Trabalhava numa fazenda de cacau em Itabuna. Mas, depois que soltaram a vassoura de bruxa acabou com tudo! Depois que o dono morreu de desgosto foi todo mundo demitido... Mas, isso é passado! É outra historia.

Menino:
Certo!

Velho:
Cuide de suas coisas, ou as perderá fácil aqui! No começo é difícil dormir, mas você se acostuma e pega o jeito!

Menino:
Você vive há muito tempo aqui?

(O velho ignora a pergunta e vira-se para dormir)
Velho:
Obrigado, rapaz! (solta as mãos do garoto) Vou dormir agora, garoto! O genérico está fazendo o seu efeito mágico. Oh, sim! Minhas mãos pararam de doer. (vai dormindo) lugares incertos... Pessoas incertas...

Menino:
Boa noite! (ajeita-se, mas não fecha os olhos)

Entram um palhaço e uma bailarina. Os dois brincam de borboleta e caçador.

Palhaço (caçador):
Menino vagante,
Vazio, falante, fugindo da noite.
Sem rumo, num instante!

Bailarina (borboleta):
Menino franzino,
O que buscas, nesse mundo distante?

Palhaço:
Se for comida que falta no prato,
E dinheiro que não se ganha de fato.
Brigas e contendas,
O que falta nesse mundo exato?

Bailarina:
Pra quê responder,
Se a vida lhe faz dar o pulo do gato?
E se agora sua vida vira historia
E sua historia vira vida por onde passa.

Palhaço:
E mostra que ser menino de rua
É ter uma vida vazia e nua.
Caminho distante,
Caminha-se para nenhum lugar.

A bailarina voa para longe e o palhaço vai atrás dela.

O menino desperta. Está sozinho, o velho deixou uma laranja para ele. Ele começa a chupar e pensa naquele sonho estranho. Depois levanta e vai saindo. Quando de repente um homem está parado em frente a ele.

Homem:
Menino, pequenino
Quase não te vejo!
Imponho-te que reclames
Teu ultimo desejo!

Menino, filhinho
Mas, por que corres?
Se mesmo com teu jeito fraquinho
Não me comoves!

(agressivo)
Anda, diga!
O que te inflama?
Meu jeito charmoso,
Ou tua cara de lama?
(gargalha)
(o menino tenta fugir, mas tropeça na laranja e cai)

Canja, canja!
Vou ter uma boa briga
Por conta de uma laranja!
(gargalha)

Menino: (levanta-se e vai até ele)
Agora eu sei
Tu és um adulto
E um fora da lei!

Não tenho medo
Sou pequeno, ingênuo e fraco.
Mas quem me aponta com o dedo
É sempre um covarde desonesto e velhaco!

(O homem sai, mas ainda avisa)

Homem fora da lei:
Menino, menino
Te deixo agora
Mas não esqueça
Se tiver um dinheirinho
Não tem demora
Traga pra mim, na mesma da hora,
Me obedeça e viverá mais que até agora!
(sai gargalhando)

(Muda o ambiente)
(entram o palhaço e a bailarina. O menino se abaixa e fica chorando. O Homem fora da lei levou-lhe o dinheiro de comer e a laranja foi esmagada.)

Palhaço:
Sua cama são os bancos das praças,
Sua casa? Algum viaduto!
Suas noites? Um verdadeiro luto!
Lugares incertos, pessoas incertas.

Bailarina:
Como fazer para ir ou voltar?
Na rua se aprende a roubar, fumar ou matar.
Mas, o que se tem dentro da alma não dá para se apagar.

Palhaço:
Vivendo nas ruas não tem como se negar,
Que para matar a fome, nas feiras
Teve que roubar, para apenas
A fome matar.

Bailarina:
Sorte sua, menino de rua,
Que encontrou alguém
Que juntou a mão com a tua.
Que vai lhe oferecer emprego e lar...

Palhaço:
Comida não irá faltar
Pense que sua vida irá mudar,
E, com certeza, vai chegar o dia
Que novamente terá um lar! (saem)
(entra um dançarino. Se sacudindo e dançando um ‘twist’.)

Dançarino:
Um, dois, três e yeah! Sabe qual é minha religião? Quer saber garoto? A minha religião é dançar! Vamos dançar: um, dois, três e yeah!

Menino: (rindo)
Mas, o que é isso? Jogaram pó de mico em você?

Dançarino:
Isso, criança, é dançar! Dançar! Se divertir... (gargalha)

Menino:
Sei. Você fala isso porque deve ter comido agora a pouco, ontem, anteontem e antes de anteontem também! Alem do mais deve ter casa, cama, cozinha, sala, televisão, geladeira e um monte de coisas então!

Dançarino: (assusta-se com o menino e para de dançar)
Você tem razão! Tem toda razão, minha cama é a grama, minha casa é a praça, meu teto é o céu e minha cozinha é o pipoqueiro dali da esquina... Nem por isso deixo de dançar! Vamos lá, tente um pouco é só balançar! (recomeça o balanço) Um, dois, três e yeah!

Menino: (primeiro fica desconfiado e depois tenta)
Um, dois, três e yeah! Um, dois, três e yeah! Um, dois, três e yeah!

(entra musica. Os dois começam a dançar. Depois o dançarino vai embora, mas o menino está se divertindo tanto que nem percebe. Entra o velho.)

Velho:
É bom vê-lo, garoto! Você até que se sacode engraçado. (gargalha)

Menino:
Apareceu um bacana aqui! Todo esquisito, ele dançava (ri) e fazia assim: um, dois, três e yeah!

Velho:
Sei, aqui tem muito disso, mesmo! Chega pra lá que consegui o almoço pra gente, mas quero esticar as canetas! (o menino continua dançando e não sai da frente) Oh, menino abusado! Eu preciso descansar pra voltar pra sinaleira, tenho que trabalhar! (ri e empurra o menino)

Menino:
Me desculpe, velho! (sai) Eu vou tomar um banho.

Velho:
Vai lá no chafariz. Mas toma cuidado com a mulher de roxo!

Menino:
Eu lá tenho medo de mal assombro.

Velho:
Quem avisa amigo é!

Menino:
Tchau! (sai)

(Mesmo sendo dia, aparece musica de mistério, relógio batendo. Uma voz cantando bem baixinho. Vai aumentando gradativamente.)

Mulher de roxo: (canção de ninar)
Me ame ternamente,
Me ame docemente,
E nunca me deixe partir.
Você completou minha vida!

Prometo que te amarei da mesma forma
Te amarei ternamente
Te amarei de verdade
Até que você sinta meu sonhar.
Vou viver pra sempre
Por ti, meu querido.

Me ame sempre ternamente
Me ame sempre, querido.
Você é meu carinho,
E ao seu lado, mamãe vai estar
Pode ter certeza
Que meu amor não vai faltar!

(A mulher canta com uma camisa nas mãos. O menino ouve e fica com medo a principio, mas depois se aproxima e para, ao lado dela.)

Menino:
Oh, minha senhora! Desculpe atrapalhar, mas eu queria tomar banho.

Mulher de roxo: (tira uma foto da bolsa e mostra. Vemos que é a mesma mulher de antes)
Você pode tomar seu banho! Estou esperando meu filho.

Menino:
Seu filho? Será que eu conheço?

Mulher:
Não sei, ele é um homem muito sacudido na vida!

Menino:
Sacudido? (pensa) Ah, eu sei quem é! Passou por aqui há pouco. Como a senhora é a mãe dele deve saber isso: Um, dois, três e yeah! Entendeu? (mostra)

Mulher: (sem entender aquilo)
Você viu meu filho? Viu meu menino?

Menino:
Ele fazia assim!

Mulher:
Não, meu filho é um homem sério rapazinho!

Menino:
Então sinto muito. Conheço poucos adultos... Sinto muito!

Mulher:
Vá tomar seu banho, meu filho!

Menino:
Licença! (sai)

Mulher: (baixa a cabeça e chora)
Onde está sua sorte menino de rua? Onde queres parar? O que queres encontrar? Olhe para cima quem está a te ajudar! Menino, qual é a tua? Buscas o perigo ou uma historia pra contar? Há dois caminhos: qual vai aproveitar? O que conduz a marginalidade, com vida curta? Ou aos que aos netos irá contar como conseguiu o sucesso alcançar? Sei que não é fácil, mas vais superar, se tem caráter e princípios, com dificuldades irá como estrela brilhar, e mostrar que é possível do poço sair! Meu filho, meu filho! (sai)

(O menino volta do banho. Procura a mulher. Pára no centro.)

Menino:
Jovem. Vinte e seis anos. Operário da construção civil e feirante quando tinha tempo. Saiu de casa, neste dia, para ir na feira. Não conseguiu chegar lá porque entrou numa emboscada da policia a caça de ladrões. As viaturas fechavam a rua bloqueando a saída ou a entrada no beco da quebrança. Roquelino Chagas Damasceno morreu ao fugir de uma ação corretiva educativa ativa opressora da ação policial. Diziam que o meliante fugiu sem se identificar, não devia a ninguém, mas, mesmo assim, pagou um preço alto. Por isso até hoje a mãe chora. Mas ela vai superar, vocês vão ver... Vão ver! (sai)

(O velho entra. Está na sinaleira limpando pára-brisas.)

Velho:
Mas, o que é isso? O que é isso? Uma beleza escondida atrás da lama desse vidro imundo. Resolvo isso agora, madame! (limpa) Pronto, assim está muito melhor. Viu? Sinta esse vidro que reluz a beleza da senhora! (gargalha) Muito obrigado, madame! Que a senhora tenha muitos filhos. (gargalha)

(entra o menino)
Menino:
Bom dia! Que bom humor, hein tio?

Velho: (vira-se para ele)
Tio? Eu sou irmão de teu pai, garoto? Não sabia disso!

Menino:
Desculpe! Retiro o bom humor, viu! Parece que dormiu com os pés calçados. (rindo)
Velho:
Se você soubesse a razão talvez até chorasse comigo, ouviu?

Menino:
O que houve?

Velho:
O mesmo de sempre! O homem do poder resolveu vetar o pagamento da aposentadoria de quem não vem contribuindo... e muitos blás, blás, blás! Bem, não estão pagando e pronto!

Menino:
Mas, o senhor não tira uns trocados aqui?

Velho:
Eu tenho família, garoto! Estou na rua, mas não sou sozinho... tenho mulher, filhos e filhas! E eles ainda dependem dessa aposentadoria. E agora? Não sei como vai ser, e... (para, olha o garoto e cai)

Menino:
Meu Deus! O que foi? Senhor, o que você está sentindo?

Velho: (se agarra no menino)
João! Eu tenho família, o governo precisa saber disso! Meus filhos são bons! Eles dependem de mim. De mim, João! Minha mulher depende de mim! (morre)

Menino: (chora com o velho nos braços)
Seu Juvenal... Seu Juvenal! Não faz isso comigo, pelo amor de Deus! Nós vamos voltar pra roça, como o senhor falou, levanta seu Juvenal! Não faz isso comigo! (os dois ficam assim. No meio da rua. Barulho de buzinas, gritos, carros freando. E João com Sr. Juvenal nos braços.)

Menino:
Meus braços estão pesados! Parece pedra. Talvez seja meu corpo chorando a partida do S. Juvenal. Driblar a vida ruim e fazer da lagrima o cristal para conquistar. Quantas coisas teve que aprender para continuar vivo? O coração que é bondoso, nada pode atropelar. A força que buscou em Deus, alivio para até aqui chegar! Se fosse num livro só contar, não conseguiria. Menino de rua eu já sei qual é a tua! Buscou na fé e na esperança, tudo que um lar destruído por bebidas, brigas e fome não poderia lhe dar. Saiu pra na rua ir buscar, um caminho e motivos pra mudar. Morreu nos meus braços o menino de rua mais bacana que já conheci.

(vêm do fundo dois anjos que guiam Juvenal para sair de cena. Ele acompanha com os olhos e não percebe a entrada da Mulher de roxo. Depois sai seguindo os anjos.)

(entra a mulher de roxo.)

Mulher de roxo:
Que alegria depois para o pobre João. Encontrou no amor a saída daquela vida de abandono. Dizem que chegou ao altar, e com boa moça foi se casar! Mas, certos momentos de sua vida, no coração jamais pode apagar! Adotei João como filho. E acertei com ele, os erros que cometera antes! Hoje tenho uma família de seis filhos e tenho dois netos, de João! Passado esse estagio da vida João tem novas historias para contar. Menino de rua, qual é a tua? Viver para o povo da rua! (entram todos os personagens)

Fim (?)


Biografia:
http://www.orkut.com/Profile.aspx?uid=803553379569265793
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