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O papeleiro, a biblioteca e a instituição acadêmica
Gilson Borges Corrêa

Resumo:
Li no último domingo, o artigo da jornalista Marielise Ferreira, de Zero Hora, sobre um catador de papéis que fez dos livros que encontrava uma biblioteca para a sua comunidade. Sensibilizado com o desprendimento do "papeleiro", fiz um crônica tecendo um paralelo com a nossa situação de bibliotecários (e bibliotecas oficiais) e a criação de uma biblioteca moldada no sentimento de compartilhar ao outro o conhecimento (e a emoção)



O artigo da jornalista Marielise Ferreira, na edição de domingo, 30/12/08, de Zero Hora, traz o texto sugestivo “Do lixo para as prateleiras, com o seguinte subtítulo: papeleiro funda biblioteca em Passo Fundo e leva a literatura à periferia.
No decorrer do texto, deparei-me surpreso e ao mesmo tempo emocionado com a atitude do Sr. Valdelírio Nunes de Souza, homem de origem simples, que estudou até a 5ª série fundamental, cuja sensibilidade aliada ao reconhecimento da importância dos livros, (os quais considera tesouros) abdicou do lucro de sua venda, para constituir uma biblioteca, visando compartilhá-la com os seus.
Nesta altura, fico me perguntando, enquanto bibliotecário e servidor público, o que temos feito com as nossas bibliotecas, o quanto de importância dedicamos a sua estrutura, ao seu acesso, à disponibilidade da comunidade. Talvez nos dediquemos com profunda dedicação às atividades cotidianas da biblioteca, desde o processamento técnico dos documentos até a sua distribuição no acervo físico. Quem sabe falta-nos uma integração maior entre os pares, uma mesma expectativa que conduza a mudança, que tire a poeira antiga dos velhos padrões. Talvez nos falte a sensibilidade e a ousadia do enfrentamento da realidade que nos cabe, imposta pelo mundo globalizado, cujas políticas desastrosas de governos anteriores nos transmitiram como herança jamais desejada. Talvez nos acomodemos no cenário de dificuldades que nos cerca e não bisbilhotemos a disposição do vizinho, o projeto “elencado” entre outros tantos para a transformação da realidade. Talvez não saibamos reivindicar nossos direitos e se o fazemos, somos barrados incólumes, por uma cultura ultrapassada e adversa de que recebe quem grita mais (ou chora com mais afinco).
Por outro lado, estas divagações me reportam as propostas dos candidatos a cargos superiores das instituições, que via de regra, em suas plataformas políticas, metaforizam a biblioteca como elemento aglutinador da comunidade acadêmica, utilizando-se exaustivamente de figuras criativas, produzindo apostos que a relacionam a órgãos nobres do corpo, quase sagrados. São estes: o cérebro, o coração, a própria mente, quando não muito, o subconsciente ou quem sabe, com o evoluir do abstracionismo mental, o próprio espírito subjacente que paira na atmosfera da academia.
Entretanto, se me parece, estes órgãos e demais processos psíquicos e até espirituais, aos poucos perdem o seu poder de barganha, sendo substituídos por um órgão mais obscuro, não tão elevado, talvez um excretor, não que este não possua extrema importância no desempenho do corpo humano. Se não vejamos, experimente o leitor acessar a página da biblioteca em um portal de uma instituição educacional. É uma tarefa quase inglória, caso não tivéssemos a pertinácia e desenvolvêssemos uma performance física para tanto. (E aqui falo em dezenas de instituições pesquisadas, excetuando-se a Furg, que já colocou em sua página um link para a biblioteca). Em geral, o nome biblioteca, que às vezes, surge emoldurada por serviços, centro de bibliografia, rede de informação, vem tão escondido que tememos tratar-se de palavrão, proibido a crianças desavisadas ao mergulharem no mundo da informação.
Não me absolvo enquanto profissional da área, porque atirado na rotina das questões pontuais, prescinda de utilizar os recursos de marketing, empregando as ferramentas indispensáveis para mostrar a biblioteca ao mundo, colocando-a no lugar em que merece, seja através de blogs, fóruns, ou na solicitação insistente aos órgãos responsáveis pela divulgação, corroborando assim na luta ferrenha para mostrar nosso trabalho. Que a biblioteca não seja propagada, abençoada, aliciada, almejada, amada somente nos períodos de eleição, mas que seja plena, visível e alicerçada em suas metas, durante o ano todo. Que cumpra a sua missão, que identifique os seus recursos, que indique caminhos, que vislumbre trajetórias novas e ágeis, que ouse. Talvez, assim, sigamos o exemplo do Sr. Valdelírio Nunes de Souza, um verdadeiro bibliotecário, cujo único título é reconhecer na sua concepção de vida, um projeto maior, no qual faz as escolhas que seu coração exige. Não apenas um especialista em sua área singular, um mestre na redoma ou um doutor em campanha.
Que sejamos assim, Valdelirios em nossa trajetória profissional e de vida, porque o mundo não espera, a roda das oportunidades e decisões gira e outros tomarão o nosso papel.





Biografia:
Bibliotecário e escritor. Literatura é respirar com sofreguidão a vida, nutrindo-a de sentido.
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