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BALADA DO REACIONÁRIO
(de Rio Grande - RS)
Gilson Borges Corrêa

Resumo:
Uma crônica que pretende ser irônica e bem humorada do pensamento reinante da direita, que não se conforma com as mudanças que trazem melhorias nas classes mais pobres, com a implantação dos benefícios sociais.


     Eu odeio pobre! Como posso me mover entre centenas de transeuntes, uniformizados, correndo atrás de ônibus especiais, em direção ao serviço. Aquela gente estranha, mal cheirosa, vinda de nem sei de onde e se juntando com os pobres daqui, perfazendo o nº cada vez maior de assalariados na cidade, tudo por causa daquele tal de Lula, que trouxe para cá estas construções de plataformas e embarcações para a indústria do petróleo!Por que não deixou estas construções lá no exterior, bem longe, como queria FHC? Quem sabe, já não despachava esta plebe pra lá!
     Eu odeio pobre. Como pode esta gentalha enchendo as ruas com os seus carros zero, impedindo que nossos carrões circulem livremente! Como era bom no tempo do Fernando Henrique, do Collor, do Itamar, que carro de pobre era só empurrado pra pegar no tranco, e na maioria das vezes, só circulava nas vilas. E o Itamar ainda trouxe o Fusca a álcool, aquele sim era carro pra pobre, claro que comprado através de consórcio! E quem teve a infortunada idéia de sugerir à Dilma que abaixasse o IPI dos carros zero? Ou foi ideia desta guerrilheira, mesmo? Não tinha mais o que fazer, como por exemplo, seguir o modelo capitalista dos tucanos e cia. bela, como privatizar os portos, sucatear as universidades até conseguir a privatização e acabar com esta corja pobre nas universidades? Não, para desgosto maior da elite, ela criou ou continuou o prouni, aumentou as cotas e concedeu bolsas! Que absurdo! Qualquer dia, eles estarão se formando lado a lado com nossos filhos!
     Eu odeio pobre! Como podem circular belos e faceiros pelos supermercados, comprando ranchos e adquirindo surpérfluos, estes últimos produtos peculiares a minha classe, como iorgurtes, sorvetes, cookies e outros afins? Agora enchem os supermercados todo o dia, parece até Natal! No Natal, nós até dávamos um desconto, afinal, o coração nestas ocasiões se torna mole, sentimental. Embora nos esgueiramos por entre estantes, prateleiras e corredores repletos, fugindo da escória, suportamos com benevolência, quase amor, a mulher gorda que se posiciona na caixa, vestida numa na calça legging menor para seu tamanho, barriga de fora, segurando nas duas maos, como um trofeu, o peru transgênico. Ou vasculhamos entediados, mas com ar de consternação, porque é Natal, o olhar eufórico do homem mirrado, mas barrigudo, pesquisando no balcão do açougue, uma costela bem gorda para o churrasco. Até toleramos todo este tipo de gente, com uma certa náusea, é natural, quando é necessário comprar o presentinho da empregada. Coisas do Natal. Mas atualmente, o Natal parece eterno, estas pessoas usam cartão de crédito, enchem os bancos em filas quilométricas, se comprimem nas caixas eletrônicas, tomam avião, invadem os aeroportos com suas malas exuberantes e chapinhas coloridas! O máximo que se podia imaginar sobre um pobre era a faculdade de pilotar um avião de carrossel ou de controle remoto. Infelizmente não, hoje em dia eles chafurdam nos voos baratos. Por isso, surgiram tantas companhias populares, destruindo todo o glamour dos aeroportos, das viagens internacionais, dos vôos de gente de bem!
Eu odeio pobre!
     Além de curtir futebol, que é coisa pra povo mesmo, pricipalmente o esporte de várzea, agora inventaram de participar dos grandes jogos! Que despautério! Pretendem até assistir jogos da seleção brasileira! E a copa do mundo será no Brasil, imaginem. Não, é um sonho terrível, aquelas centenas de pobres presumíveis ascensores da classe média, investindo nas arenas, como se fossem um de nós! É um verdadeiro absurdo, um desastre para o próprio patriotismo!
     Ah que saudade daquele patriotismo de fachada do tempo da ditadura, aquela época que era saudável para nós, os da elite! Quando estudávamos OSPB e desconhecíamos a nossa história, quando a filosofia foi banida de nossos currículos e a história era mastigada pelos dentes selvagens dos poderosos. Pelo menos, somente nós viajávamos, participávamos dos eventos culturais, assistíamos os grandes jogos e o povo... ah, o povo, esse assistia pela Globo, ouvindo o “pra-frente Brasil”, aquela música encomendada pelos militares para anestesiar a platéia. Afinal, o povo não devia se dar conta do malogro descarado da Transamazônica, das calamitosas usinas nucleares, um negócio com a Alemanha, que lhe rendeu milhões de dólares, nem das torturas escabrosas contra os brasileiros que pensavam contrário ao regime. Isso, o povo desconhecia completamente, aliás, nem nós sabíamos e se soubéssemos, não fariamos nada, não tínhamos nada a ver com isso. Os torturados eram brasileiros iguais a nós, mas não passavam de tontos que pretendiam mudar o Brasil. Essa gente não tinha mais nada a fazer? Ah, que saudade da ditadura!

     Por isso, eu odeio pobres! Até esta gente que estava na linha da miséria está saindo para uma vida mais digna! Coisas da Dilma! Quem se interessa com eles, uma corja de vagabundos que só pensam em se dar bem! Ganham bolsa família para se locupletarem e se encherem de filhos! Um circo vicioso! Dizem que o bolsa família reduziu em 17% a mortalidade, mas quem se importa com isso? Pra que mais arruaceiros, crescendo soltos ai na rua para nos roubarem mais tarde? E que no Rio de Janeiro, reduziu a criminalidade, mas pra que esta gente viva? Que diferença faz? Ah, ainda alguns especialistas argumentam que este dinheiro faz girar o mercado, faz crescer as indústrias, pois mais gente se insere na economia, há mais compras, mais oferta e procura, e por conta disso, uma melhoria na indústria e no comércio. Não deveriam se preocupar mais com os juros e a bolsa de valores? E o pior de tudo isso, é a informação de mais de 40 países querem copiar o programa do bolsa família! O mundo está virando um caos!

     Melhor nem falar! O mundo tá de cabeça pra baixo, por isso devemos fazer algum protesto, pela volta da cuisine nouvelle, da década de 70, pelos branquette de veau (ensopado de vitela), um cassoulete, escargot ou caviar, para falar apenas das tradicionais ou um château lafite Rothschild 1787, um Cheval Blanc 1947, um Hermitage La Chapelle 1961. Devemos lutar por isso, fazer passeatas, manifestações pacíficas, esbravejar. Agora, pasmem, os pobres enchem os free shops comprando vinhos estrangeiros, perfumes e se não houver nenhuma oposição ferrenha por conta das autoridades, vão acabar igualando a sua culinária horrorosa, à nossa! Lutemos por isso!


     Odeio os pobres! Eles atualmente usam carro como qualquer um de nós (só falta contratarem motorista), tomam cerveja no happy hour e passeiam com cachorros de raça nas nossas ruas! Além de usufruírem de três refeições ao dia, como vaticinou o tal Lula.
     Ah, tem outra, estão se interessando pela leitura! Hoje em dia, compram mais livros, não sei, obviamente, de que gênero, provavelmente auto-ajuda, mas lêem! Sem dúvida, que diferem de nós, da elite, que não precisamos nos aprofundar na leitura, até mesmo o ato de ler é dispensável, a não ser a Veja e alguns jornais que nos representam, porque estes autores esquerdistas, não nos dizem nada. Afinal, o que vale é saber contar o que temos no banco.           
     Meu Deus e estas tais redes sociais, a que os pobres tem acesso! Feliz o tempo em que a Globo (e todo o seu monopólio) e somente ela era a única forma de informação. Ela soube muito bem esclarecer o caso do Riocentro, em 1981 (atualmente surgiu uma nova testemunha, mas deixa pra lá), além das das diretas-já, na qual custou-lhe entender o clamor das ruas, mas por fim, obrigou-se a mostrar, mais tarde, o caso do debate do Collor -Lula, e sua manipulação histórica, e entre tantos casos, o de Brizola, que foi chamado pela emissora de senil e esta obrigou-se a se retratar através de um Cid Moreira visivelmente constrangido. Cresceu bem, cresceu com a ditadura e se fez uma grande rede! Fez história e mudou a forma de pensar e de agir do povo brasileiro. Um padrão maravilhoso. Afinal, pra que as diferenças regionais que devem ser mostradas na tv, segundo a ótica destes comunistas de plantão? Que interesse o folclore de regiões afastadas do eixo Rio-São Paulo, e o teatro, a literatura, a música locais e toda a forma de expressão artística e cultural? Tudo deve ser padronizado, pausterizado. É o adequado, puro senso comum. Que interessa a Excelsior, a maior emissora da época, que faliu por conta da interferência do governo militar, em vista de sua conduta contrária à vigente, bem como a Empresa Aérea Panair, que foi forçada à falência pelo mesmo governo. Se deram incentivos importantes para o crescimento da nova rede de tv, que surgiu em 1965, por que não acabar com estes párias? E hoje, se ela não paga o fisco, é problema dela.
     Por isso, eu odeio pobre, querem agora se informar em qualquer blog vagabundo da internet!

                                                         Gilson Borges Corrêa


Biografia:
Bibliotecário e escritor. Literatura é respirar com sofreguidão a vida, nutrindo-a de sentido.
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