CANTO GUAJIRA
Viegas Fernandes da Costa*
Galeano alertou: as veias da latina América estão hemorragicamente abertas.
O sangue dilui-se na água, e tinge de vermelho o Orenoco, o Amazonas, o Prata, o Grande.
Enrubesce o alvo dos altos dos Andes - até as montanhas se envergonham.
E a hera que cresce viçosa é filha daqueles que tombaram insepultos.
Por isso o "Canto Geral" - Neruda, podes me ouvir?
Os condores dão lugar aos abutres, como no passado, as lhamas deram lugar aos cavalos dos deuses.
Onde dormem Allende? Che? o Guarani anônimo? Onde dormem todos?
Repousam nos seixos do Atacama? Nas dobras da Mantiqueira?
Nos olhos das "guajiras"?
Querem que as estrelas sobre a América sejam únicas e mesmas.
Estrelas listradas.
Mas sei que não se dobra!
Seus olhos são miríades, e de tantas cores!
Frutos de tantas histórias!
Suas íris são janelas de muitas terras, que carrega sob as pálpebras...
... percebe?
E somos todos um só, ainda que diferentes!
E se uns acreditam no fuzil, e outros na palavra, a luta é a mesma.
Também daquele que sonha sob a lona, à beira da estrada.
Que rola sobre o catre ao concerto dos mosquitos na sinfonia da opressão.
Que sonha com o dia em que lhe devolverão a terra e a dignidade.
Guajira, tuas mãos cavarão covas, muitas covas, pequenas covas...
Não as grandes covas onde sumiram teus filhos, nossos irmãos...
Mas pequenas e cálidas covas onde investirás as sementes...
* Historiador e escritor, autor de “Sob a Luz do Farol” (Crônicas)
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