O fim do carnaval abre alas para a seriedade que o ano exige. Até quase o fim de fevereiro, os dias andaram na direção do repouso e as horas não ficaram tão pequenas quanto poderiam. Mas isto há de mudar, se até então havia um pouco de privilégio ocioso, os afazeres do cotidiano se encarregarão de por fim ao descanso em um ritmo mais frenético que qualquer trio elétrico. O axé abrirá espaço às buzinas do trânsito parado que aguarda a normalidade nas metrópoles, o que se acentua com a volta às aulas nas escolas, e estas não são de samba.
O carnaval é a festividade que nos presenteia com a última loucura de um início que se procrastina dois meses a fio, ante a lucidez insana da realidade amena. Escaldados pelo sol do verão, tentamos em vão encontrar justificativas para aproveitar com o corpo o que a folia permite, em um embate que se torna mais nítido que nunca entre Eros e Thanatos. O carnaval é uma regalia regada à bebida alcoólica para que nem lembremos mais desse episódio ao longo do ano, sob pena de querermos voltar, ou aguardar as celebrações orgíacas dos próximos tempos.
Feriados também gozam de um clima pândego no Brasil, embora muitos sem a famosa agitação que bem conhecemos, suavizados pela religiosidade cristã que nos proporciona alguns dias livres. Carnavalizar é usar máscaras para deixar em segundo plano aquilo que escolhemos mostrar ao outro. No fim, o carnaval é uma festa ensimesmada, porque olhamos com uma alegria egoica para o nosso desejo, abrindo mão dos tabus e das convenções para mostrarmos, na medida do possível, quem na verdade somos, em uma trégua para o tão cansado fingimento de si.
Para quem pula carnaval, o fim da festa é insuportável, virar a página de algumas noites insones e se deparar com o cumprimento da vida, que nos recoloca no biorritmo, é como acordar de um sonho despreocupado com um balde de água fria, que até cairia bem nesse calor. O relógio circadiano agradece o retorno da regularidade dos dias comuns, que ditam os passos apressados na passarela dos compromissos. A ordinária busca pela satisfação do dever cumprido durará até o carnaval do próximo ano, que também nos tirará de órbita ante um universo de penugens e purpurinas, abrilhantando a monotonia do restante dos dias, cujo samba-enredo caberá a nós escrever e dançar.
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Biografia: Sobre minha pessoa, pouco sei, mas posso dizer que sou aquela que na vida anda só, que faz da escrita sua amante, que desvenda as veredas mais profundas do deserto que nela existe, que transborda suas paixões do modo mais feroz, que nunca está em lugar algum, mas que jamais deixará de ser um mistério a ser desvendado pelas ventanias. |