Login
E-mail
Senha
|Esqueceu a senha?|

  Editora


www.komedi.com.br
tel.:(19)3234.4864
 
  Texto selecionado
Crítica ao fluxo de consciência
Flora Fernweh

Ao plantar a semente do imaginário, a literatura serve à contemplação artística livre que nos permite tirar conclusões próprias a partir de um fio de raciocínio poético emanado pelos personagens ou pelas circunstâncias do enredo. É preciso, todavia, que a literatura modere a sua convicção e permita diversas significações de uma mesma obra, porque é nisso que reside a certeza de uma boa escrita e o sucesso de um eterno clássico que até hoje ressoa em simbolismo. A não ser que seja um soco no estômago, como escreveu Clarice Lispector, a grande mestra em fluxo de consciência, um livro influenciável até as camadas mais reentrantes de nosso ser corre o risco de acender tribulações, e em uma esfera mais radical, é capaz de moldar o que devaneamos em nossas horas mais vãs.

O fluxo de consciência é uma técnica que aproxima o leitor das impressões pessoais descritas na trama. Por meio desse fenômeno, a literatura se faz em tons mais intimistas que conduzem aquele lê ao universo daquele sobre o qual se conta, de modo que o leitor raras vezes torna-se ciente do impedimento de ter pensamentos autônomos, visto que está condicionado pela mente de um personagem desconhecido, mas que se torna menos estranho ao abrir-se ao leitor que se permite aventurar pelo interior dos seus pensamentos. Essa fusão entre leitor e escritor aniquila as barreiras tênues entre dois sujeitos distintos, e despe o leitor de qualquer discriminação remanescente, uma vez que ele acata para si o pensamento de um outrem ficcional.

Por outra perspectiva, essa união se torna limitante ao evitar a autenticidade do leitor de interpretar o que leu a partir de sua própria experiência, sujeitando-o à visão de mundo de um personagem que por vezes não compactua com os ideais daquele que está com um livro aberto diante de si. A absorção do real pelo imaginário e a inexistência de separação entre dois mundos cria a brecha perfeita para manipulação do leitor, que sendo um bom leitor, se deixará levar pelas proposições de uma boa estória. A tecitura de uma narrativa bem construída tem o poder de fazer o leitor esquecer, por um breve momento, de sua identidade originária, e de sua incontestável existência, o que pode tornar essa imersão um incidente perigoso que não terminará na melhor das epifanias.

Assim se constrói um autoritarismo velado na literatura, que impede uma subjetividade livre em completude. Aqueles que discordam poderiam afirmar que o fluxo de consciência não é munido nem da eventual intenção de se fazer arbitrário ou de precipitar conclusões. Mas a verdade é que um fluxo de consciência, quando não bem aprofundado, leva o leitor por caminhos diferentes daqueles pelos quais seguiria. Ou seja, não é um simples efeito que um autor escolhe inserir em sua escrita, mas sim a violação do princípio ao qual a literatura se presta: despertar a imaginação respeitando a liberdade e os valores de quem a contempla.


Biografia:
Sobre minha pessoa, pouco sei, mas posso dizer que sou aquela que na vida anda só, que faz da escrita sua amante, que desvenda as veredas mais profundas do deserto que nela existe, que transborda suas paixões do modo mais feroz, que nunca está em lugar algum, mas que jamais deixará de ser um mistério a ser desvendado pelas ventanias. 
Número de vezes que este texto foi lido: 59586


Outros títulos do mesmo autor

Crônicas Bissextagem Flora Fernweh
Crônicas Textos ruins Flora Fernweh
Contos Um gato na campina Flora Fernweh
Crônicas Crônicas de Moacyr Scliar - impressões pessoais Flora Fernweh
Artigos Exílio, de Lya Luft - impressões pessoais Flora Fernweh
Poesias Confins de janeiro Flora Fernweh
Crônicas Crítica ao fluxo de consciência Flora Fernweh
Sonetos Lágrimas em minha janela Flora Fernweh
Contos Homens da Noite Flora Fernweh
Poesias Rio de Janeiro Flora Fernweh

Páginas: Primeira Anterior Próxima Última

Publicações de número 31 até 40 de um total de 410.


escrita@komedi.com.br © 2024
 
  Textos mais lidos
Meu desamor por mim mesmo - Alexandre Engel 59996 Visitas
Boneca de Mulher - José Ernesto Kappel 59980 Visitas
Roupa de Passar - José Ernesto Kappel 59979 Visitas
O estranho morador da casa 7 - Condorcet Aranha 59968 Visitas
Colunista social português assassinado por suposto namorado - Carlos Rogério Lima da Mota 59959 Visitas
Senhora da Escuridão - Maria 59959 Visitas
Conta Que Estou Ouvindo - J. Miguel 59951 Visitas
Ter - Anderson C. D. de Oliveira 59947 Visitas
Minha Amiga Ana - J. Miguel 59934 Visitas
Coragem, levanta! - Maria 59929 Visitas

Páginas: Primeira Anterior Próxima Última