Login
E-mail
Senha
|Esqueceu a senha?|

  Editora


www.komedi.com.br
tel.:(19)3234.4864
 
  Texto selecionado
Bissextagem
Flora Fernweh

Não consigo imaginar algum outro mês do ano mais presunçoso que fevereiro, com sua agitada promessa de purificação. Essa época de libertinas alegrias esconde seus problemas debaixo de máscaras carnavalescas que logo têm seu fim. É somente quando fevereiro passa que o ano de fato começa com seriedade. Fébruo da morte, da decadência do espírito e da dispersão da racionalidade, último suspiro antes de uma fase que se alongará monótona pelas estações a fio.

No entanto, se nos aventurarmos por outros horizontes, descobriremos que se não fosse por este mês instável, não poderíamos resolver o desafio das horas quebradas que nossa geosfera demora para circundar o astro-rei. Estamos sempre um pouco adiantados em nossas comemorações de Réveillon, ao acreditarmos piamente que o novo ano se inicia com o badalo da meia noite. Caso contássemos algumas horas a mais em todo dezembro, que a meu ver é o mês da perfeição, não precisaríamos viver um dia a mais e estaríamos todos poupados desses épicos dias quadrienais de 29 de fevereiro.

Portanto, o segundo mês do ano atravessa um dilema contrastante entre apanhar para si o tempo rejeitado dos últimos anos anteriores, e isto lhe confere a autoridade de quem faz hora extra sem distribuí-las ou revezar-se entre tantos outros meses que compõem o ano. Fevereiro é por isso o ano da exatidão. O dia 29 só poderia se situar ao final do mês, nas proximidades de março, já que qualquer movimento de certeza antes desta data estaria fadado ao insucesso de um carnaval irresponsável, e porque o fim deste mês inaugura o ano daqueles que adoram comemorar com as serpentinas de uma vida bem aproveitada.

Creio que muitos comemoram o dia 29 de fevereiro, porque a humanidade vive correndo atrás de mais tempo, a todo o tempo. “Eu só gostaria de ter mais algumas horas em meu dia”, alguns dizem. Pois que aproveitem então este presente que coincide com os anos olímpicos. Talvez haja alguma explicação, os atletas realmente saberiam bem aproveitar suas horas complementares doadas por fevereiro, eis um bom presente que a materialidade não substitui: dispor de mais tempo para a lapidação de suas habilidades.

Agora nos perguntemos: por que não comemoramos vivamente esse dia que só ganhamos a cada quatro anos? A resposta é simples: porque o carnaval já passou, e o próximo tempo de celebração só poderá ser a páscoa no ocidente. Nada mais que isso, visto que a partir de agora, a austeridade do ano já pode ser sentida em cada poro de um estudante dedicado e em cada sobrecarga de um trabalhador convencional.

Só posso dizer que nunca entendi a lógica das fervuras ferveirinas, a um só tempo intensidade e ajuste, coloridos e recomeços, toque genuíno e transição para a maturidade, com a singeleza do último mês despreocupado e ocioso. Este mês já se vai tarde, nos deixando um dia a mais e já demorando para sair de cena. O próximo dezembro agradece: poderá ser um pouco mais fidedigno ao que todos comemoram no findar dos dias anuais, sem o peso de lembrar que as horas extras só serão cumpridas por fevereiro lá em 2028 e que até lá, esse dia não existirá.


Biografia:
Sobre minha pessoa, pouco sei, mas posso dizer que sou aquela que na vida anda só, que faz da escrita sua amante, que desvenda as veredas mais profundas do deserto que nela existe, que transborda suas paixões do modo mais feroz, que nunca está em lugar algum, mas que jamais deixará de ser um mistério a ser desvendado pelas ventanias. 
Número de vezes que este texto foi lido: 55589


Outros títulos do mesmo autor

Poesias No Princípio era o Verbo Flora Fernweh
Resenhas Resenha do livro Latim em Pó Flora Fernweh
Crônicas Despertada no REM Flora Fernweh
Resenhas Resenha do livro - O Leitor como Metáfora Flora Fernweh
Poesias Escrever não é meu hobby Flora Fernweh
Contos Tudo o que é denso não pode ser tão alto Flora Fernweh
Crônicas O medievo que nos habita Flora Fernweh
Crônicas O ser reflexivo Flora Fernweh
Crônicas Opiniões em titubeio Flora Fernweh
Crônicas Aos escritores, toda a minha afeição Flora Fernweh

Páginas: Próxima Última

Publicações de número 1 até 10 de um total de 404.


escrita@komedi.com.br © 2024
 
  Textos mais lidos
O DESAFIO DA INCLUSÃO - Simone Viçoza 60504 Visitas
Os Hackers, os Crackers e Nós - Max Bianchi Godoy 59755 Visitas
O CONTROLE É SEU - Vinicius Pereira Brito 58572 Visitas
Jazz (ou Música e Tomates) - Sérgio Vale 58408 Visitas
A Importância da Educação Digital no Ensino Fundamental - FERNANDO JUNIOR PEREIRA 58388 Visitas
Sucesso e Fracasso - Paulo R Rezende 57865 Visitas
🔵 Noite sem fim - Rafael da Silva Claro 57863 Visitas
APRENDIZAGEM SOB A PERSPECTIVA DO PSICOPEDAGOGO - Sandra Teixeira da Silva 57793 Visitas
Doença de médico - Ana Mello 57633 Visitas
Oficinas e pessoas - Ana Mello 57596 Visitas

Páginas: Próxima Última