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Declínio da sensibilidade
Flora Fernweh

Já se ausentam da percepção humana os toques e os detalhes, porque o alento introspectivo está em queda. A vagueza do sentir e as atribulações do mundo tomaram conta da cena das paixões que anteriormente arrebataram a alma. Pergunto-me em que momento perdemos a capacidade de deixarmo-nos levar pelos sentimentos que às vezes ainda insistem em fazer morada em nós, já que por enquanto não há ser mais propício a ceder por amor que o próprio ser humano, com todas as suas necessárias contradições. Talvez tenha sido na passagem para a modernidade, quando o último dos românticos andou sobre a Terra, ou então esse fenômeno foi abrupto e mais recente, iniciando-se na contemporaneidade. Não sei ao certo e jamais saberei, pois falo de uma casta a qual jamais vou pertencer, sou facilmente vulnerável pelo ímpeto de uma sensibilidade sorrateira por trás da arte ou do dia a dia. Mas quem sabe caminhamos todos desde os tempos mais primitivos rumo ao esquecimento do aparato sensitivo com o qual nascemos, sendo esse o destino derradeiro. Não estaríamos sofrendo com esse declínio silencioso que poucos percebem em consciência, sem que anteriormente tivéssemos sido chamados para sentir. Então o que nos levou a voltarmo-nos para as profundezas de tudo o que nos habita? Quando começamos a prestar atenção naquilo que tem verdadeira importância para os nossos sentidos? Eu também não sei responder, e suspeito que só poderemos responder a primeira quando entendermos sumariamente a outra, que evoca o início de tudo. É a prova de que o ato de sentir varia no tempo e não foi objeto central de análise por séculos, bem como varia no espaço, uma vez que culturas distintas não possuem a mesma relação com os sentimentos que nos povoam, ainda que sentir seja universal, há nuances singulares moldadas pelo jeito de encarar a realidade. Eu lamento que como raça, estejamos perdendo a capacidade de amar, porque era isso que nos tornava imbatíveis. Frequentemente não amávamos uns aos outros, basta olhar para o que a história do mundos nos conta, mas o amor e o ódio estão unidos por uma única origem: ambos são frutos de paixões truculentas, sendo preferível um sentimento desvairado ante à dura indiferença de seres feitos para amar, mas inaptos do mesmo pelas circunstâncias que ceifaram o amor. Quando o nada se manifesta, todas as esperanças fenecem. Mas quando ainda há um resquício de sentimento, embora perigoso, é possível ressuscitar uma sensibilidade benévola. Nossos hábitos estão mudando e a agilidade dos fluxos nos faz concentrar em outros gestos, tornam-se outras as nossas prioridades. Perdemos o que é primário, e sem isso, não conseguiremos ir além. Ser sensível é intrínseco a nós, e perder isso, significa o esquecimento de uma base sólida sem a qual nada pode emergir além daquilo que é banal. Tenho minhas dúvidas se ainda há tempo de consertar tamanha falha, muitos corações já não têm volta, pois batem em um ritmo frenético à espera do descanso após uma vida fria e sem cor. Contudo, não perdi minha sensibilidade, por conseguinte resta comigo minha esperança, e como indivíduo sensível, posso projetar de forma harmônica em minha mente imaginativa o reerguimento do elemento imprescindível que nos identifica. Não é preciso de um grande impulso para exercer a sensibilidade, sua forma mais pura é espontânea. Mas é preciso um grande esforço para reverter o constante desvio das paixões que já não nos acometem mais.


Biografia:
Sobre minha pessoa, pouco sei, mas posso dizer que sou aquela que na vida anda só, que faz da escrita sua amante, que desvenda as veredas mais profundas do deserto que nela existe, que transborda suas paixões do modo mais feroz, que nunca está em lugar algum, mas que jamais deixará de ser um mistério a ser desvendado pelas ventanias. 
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