É impressionante como nossa sociedade é hipócrita. Basta surgir algum escândalo envolvendo verba pública para a imprensa despejar seu veneno contra quem quer que seja, como se isso nunca tivesse acontecido. Às vezes, de tão graves, os crimes revelados acabam virando comédias nacionais. Lembram-se das passagens aéreas? Um bando de políticos se escondeu atrás das cortinas dos teatros da politicagem rasteira para não assumirem as falcatruas praticadas.
Durante semanas, não se via ninguém em Brasília, até mesmo o presidente Lula, que gosta tanto de prosear, preferiu o chimarrão argentino aos "abutres do jornalismo político". Quando a poeira começou a baixar, um a um, deputados e senadores, saíram da moita e aproveitaram os holofotes da mesma mídia que os apoquentava para tentar justificar o que já era injustificável.
As lágrimas de crocodilo desciam à face, teve até quem dissesse que usou as passagens aéreas para premiar a sogra porque ela era maravilhosa. Sogra maravilhosa? Nem em contos de Nelson Rodrigues. Se dissesse que era para a "megera" dar o fora, desaparecer do mapa, soaria melhor. E acredita que houve eleitores que acreditaram nas lorotas dos gatunos de colarinho branco?
Ficamos indignados com o uso indevido do dinheiro público, que beneficia poucos em detrimento dos milhões de contribuintes, mas o que causa espanto é que o uso desse mesmo recurso em compra de passagens aéreas e fretamentos de jatos já havia ocorrido no ano anterior, durante o carnaval de 2008, quando o governador Cid Gomes, do Ceará, resolveu promover uma festinha particular à cobra, quer dizer, à sogra e às mulheres de seus assessores, desfalcando em milhões de reais os cofres cearenses.
De uma só vez, as grã-finas torraram a grana dos pobres em hotéis e lojas luxuosa da Europa. E, assim como no caso recente, todo mundo tacou a lenha, a fogueira foi acesa e ninguém acabou tostada como a pobre Joana d'Arc, a tal heroína francesa; pelo contrário, as justificativas foram muitas, de todos os tipos, para todos os gostos, mas o que realmente interessava - a devolução do dinheiro aos cofres públicos e a punição dos envolvidos, ah, isso ficou para depois... Afinal, elas estavam constrangidas com o episódio, precisavam se refugiar em algum paraíso fiscal para recobrar as energias. Então, como levá-las a julgamento? E, aliás, o que fizeram de tão errado? Só viajaram, disseram alguns... Esqueceram-se apenas de dizer que à custa do dinheiro do povo!
Assim como no caso federal, depois da cobertura midiática exemplar, os fatos caíram no esquecimento e tudo acabou em pizza. E que pizza! O sabor? De corrupção! Em qualquer país civilizado, o mínimo que se esperaria seria a destituição desses que se intitulam os "servidores do povo", "os defensores da plebe", quando são, na verdade, as hienas que lhes comem a carne e o próprio bolso. Seria o mínimo!
Não bastasse, todo o dinheiro deveria ser devolvido com as devidas correções e a punição austera, fosse-a em forma de detenção ou em prestação de serviços comunitários - só não iguais aos do Silvinho Pereira, aquele ex-petista que recebeu um Land Rover de presente da GDK, porque aquilo não foi punição, mas estímulo ao crime. Imagine ver o presidente do Senado, José Sarney, varrendo a Praça dos Três Poderes, em Brasília? Precisaria punição maior que essa? Se estivéssemos em um país sério, sim; já que moramos no Brasil, só em vê-lo derramar à face algumas gotas de suor e se sentir "parte do povo", comendo uma quentinha debaixo do sol, ainda que por um dia, bastaria!
Infelizmente, aqueles que nos representam no Judiciário não pensam assim; preferem as obscuridades semânticas da lei à sua efetiva aplicação, até porque, como julgar aqueles cujos crimes assemelham-se aos de seus julgadores? Dessa forma, sem qualquer resquício de arrependimento, os podres são empurrados para debaixo do tapete... Imagine se alguém, um desses Robin Hood às avessas, resolvesse levantá-lo? Não quero nem imaginar, iriam faltar cadeias ou aviões para as fugas em massa. Tem dúvida de que isso possa acontecer? Eu não! Porque, parafraseando o matuto presidente Lula, "sou brasileiro e não desisto (de acreditar na Justiça) nunca".
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