São Paulo de Piratininga, 24 de Janeiro de 2023.
Irmã, Sophie Scholl:
Onde estiver, espero que esteja bem! Saudades! Abraços aos seus pais, suas irmãs e irmãos! Minha cidade fará 469 anos neste 25 de Janeiro de 2023. Ela é gigante e ao mesmo tempo pobre! Pobre em cuidado e em amor pelo próximo. Ela não é mais a cidade que eu desejava ver. Não é mais a terra dos Demônios da Garoa e nem aquela que era possível ver o samba amanhecer. Não é mais a terra da garoa e sim das enchentes e da Cracolândia. É a terra dos assaltos, furtos e estupros.
São Paulo, querida mana, é a terra da discórdia apesar de ter o Largo da Concórdia. Não é mais a Vila de Piratininga de Tibiriçá e Bartira e nem a cidade de Mário de Andrade ou Guilherme de Almeida. É a terra da brutalidade, da falta de emoção, virou o túmulo do samba conforme afirmou Moraes. Nem o Juventus joga mais ao nível que jogava! Triste! São Paulo fede e cheira urina no centro, a cada chuva cai uma árvore e algum carro é destruído ou morre-se alguém.
Sophie, minha querida! Aqui, pode-se andar nove léguas que não há emprego mesmo com Pós-Graduação. Há gente faminta e desesperada que dorme pelas ruas. O Pateo do Collegio onde ela nasceu é lotada de mendigos e moradores de rua. O antigo Largo da Matriz, a Praça da Sé, idem. O ônibus para dar uma volta é o olho da cara e as pessoas nem falam mais "Bom dia". É preciso chegar antes do anoitecer para não ser furtado.
Os belos Campos de Piratininga, Sophie, viraram ruas que não escoam as águas. O Tietẽ fede apesar da gastança de dinheiro investida. Até o Vai-Vai sumiu da Bela Vista! Como pode? No aniversário da cidade só hasteiam bandeiras, cantam o Hino Nacional (nem do estado paulista tocam e muito menos da cidade), colocam duas coroas de flores aos fundadores em frente ao Pateo do Collegio diante de poucas pessoas que ainda são curiosas como eu e os políticos somem como fossem pessoas intocáveis.
Minha irmã! A cidade de São Paulo nos 469 anos não tem o que comemorar. Sinto falta de Germano Mathias, Osvaldinho da Cuíca e Adoniran Barbosa. Tento olhar a bela dama de vestido branco feita por Vicente Caruso exaltando o estado paulista e sua bela capital e viajo no tempo. Volto rápido diante de tantos problemas. O prédio ao lado da minha casa tira minha privacidade. Ver Bartira e Pe.Anchieta no Pateo do Collegio ainda dá algum ânimo ao som dos passarinhos.
A Pinacoteca do Estado é linda e o Jardim da Luz é impossível de andar e até entrar. O risco é enorme. O Museu da Arte Sacra perde-se pela Avenida Tiradentes como fosse inacessível diante dos carros. O Museu da Revolução de 1932 está em reforma no complexo da ROTA e o Museu do Ipiranga é impossível conseguir agendar uma visita mesmo com a prorrogação do prazo. Gastamos tanto e nem acesso livre posso ter como cidadão. Triste.
Não é fácil, Sophie! As pessoas nem comemoram mais o aniversário da cidade de São Paulo. Adoro ouvir músicas que lembram a cidade como "Isto é São Paulo" ou "Quarto Centenário". A primeira dos Demônios da Garoa e a segunda de Mário Zan. Curto também Alvarenga e Ranchinho com "Êh, São Paulo" ou ouvir a Hebe Camargo cantar "São Paulo Quatrocentão". Bons momentos que não voltam mais, Sophie!
Querida irmã! O Arnesto não convidou-me para o bolo do aniversário da cidade na Bela Vista porque não há mais. Não dá nem para andar pela Avenida Paulista porque posso ter meu celular furtado. O centro antigo ficou tão velho que há risco de alguns prédios caírem como já caiu num 1º de Maio. Beira o absurdo ter que pagar para visitar o túmulo do Cacique Tibiriçá na Catedral da Sé sendo que ele é um dos fundadores da cidade. Inaceitável.
O Largo da Memória, antigo Largo do Piques, está esquecido e novamente pichado. É o primeiro monumento da cidade. A Biblioteca Mário de Andrade teve até nazista passando por lá que acabou preso. O velho Clube de Xadrez São Paulo precisa de sócios e está esquecido pela população. É o mais antigo do Brasil. Esta é a cidade de São Paulo hoje, Sophie. É quase impossível reproclamar a República na mesma praça porque é possível ser assaltado. Uma lástima!
Quem sabe não encontro a paz na Praça Antônio Prado? Quem sabe, Sophie! Um passeio pela XV de Novembro recordando os velhos tempos paulistanos na principal rua comercial do século XIX. Não, não! Está arriscado demais. O negócio é ficar em casa. A cidade que não para virou um feudo da Idade Média. Escureceu, morreu. Cada casa é um feudo, cada feudo só olha para si.
Beijos de quem te ama muito! Vamos nos encontrar em breve.
Vander Roberto.
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