Lentamente entrou na Benjamim Constant trazendo tudo o que era seu: uma blusa cinza gasta pelo uso, a calça bege contrastando com o sapato social preto um tanto rasgado nas laterais, os cabelos brancos e encaracolados fazendo par a barba grisalha eternamente por fazer, uma dignidade ereta no corpo magro e envelhecido, um rosto vincado pelos anos de vida dura de trabalho ou invisibilidade nas ruas, um olhar duro e distante e uma gigante solidão, imensamente dele.
Ignorou a dor cotidiana e gratuita fazendo morada nas sarjetas e calçadas, pois já convivia com as suas, e devagar continuou ao seu destino, uma outra rua ou beco, alguma passagem ou endereço, algum lugar para olhar ou perceber ou falar, ou passar e ser percebido, e receber algum resíduo de atenção, alguma nesga de gentileza, algo que a maioria reserva aos amigos virtuais, aos carros, aos cães e gatos, aos amantes e as vezes, quando os percebem, aos mais velhos.
Em seu caminhar, parando próximo ao meio fio e mexendo nos bolsos da blusa rota, tirou alguns papéis e, com paciência e habilidade, transformou aquelas folhas em pequenos barquinhos de papel, jogando nas pequenas poças d'agua da sarjeta e fazendo navegar sua esquadra, armada de seus sonhos e fantasias.
E foi assim, andando devagar e soltando sua pequena embarcação que seu vulto sumiu no fim da rua, levando a outros mares bravios da cidade os seus barquinhos, uma fácil e estranha beleza surgindo entre os detritos, tão frágil e intensa quanto o sol no fim do dia.
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