olhem-me
eu, luiz-liberto-da-falta,
venho aqui projetar minha saudade.
minha saudade tem uns versos na veia,
uns fotogramas romanescos no meio
umas cenas de amor e sexo
umas flores:
flores brandas flores breves flores
murchas
flores mortas, flores de morte
flores inverossímeis
flores flor flores,
flores de sangue.
de minha alegria,
não me infecciona mais
a válvula mitral,
e balança embalada pela
brisa mansa de agosto.
não amarga,
não está paginada nem dividida.
minha saudade já consegue
ser meu poema, meu rosto calmo,
ser capítulo de minha história.
estou sozificado, falta meu sofrimento.
sobram sua falta e minha memória.
minha saudade vive suspensa,
orbita pelo céu dos afetos
apagou apego medo solidão.
tem motivos pra ser só saudade e
é saudade até na extremidade.
saudade do s ao e,
e esclarece-se quando
comigo não se parece,
quando me esquece.
minha saudade tem um sol,
e sombras de pára-sóis-da-china
quando vier a primavera, e vier outro dia
outro setembro, outro outubro,
quando outros calendários forem
desfolhados,
que reste sempre alguns ml de poesia
nunca fomos a paris ou a veneza como
tantas vezes sonhamos
mas estivemos em tantas cidades
dirigimos pro tantas estradas
admiramos paisagens de tantas janelas
passeamos por tantas calçadas
abismamo-nos tanto de nossos medos
cansamo-nos de andar em tantas cidades
de ouvir conversas bêbadas músicas
eruditas
poemas malditos praias tristes, caretices.
tivemos tantos amigos dissemos tantas
coisas
furamos tantas ondas, desideiamos
tantas idéias.
admiramos os livros, os filmes, os cavalos
o cheiro de alfavaca no pasto.
polemizamos a cor da rebimboca da
parafuseta
- azul ou turquesa?
- turquesa com s ou com z ?
e aiuroca fica antes ou depois de
caxambu?
você libra eu câncer. brindamos e brigamos e
orgasdamos na cama no carro no rio no mar.
ouvimos o entardecer. maduramos sem perceber.
saudade madura?
você brigadeiro, eu goiabada.
ambos ambrosia, ambos cruzeiro.
freqüentemente um dos endereços
do paraíso era:
rua cláudio 145, apartamento 1001, prado,
onde ficou saudade plantada em vaso,
saudade pendurada na parede,
escondida no armário e na estante.
saudade marcando poema no livro de isabel
saudade no quarador.
de querelar!
de nosso quá-quará-quá-quá.
minha saudade agora é poema,
daqui a pouquinho
quero que se desprenda de mim e seja um
brinquedo,um nome de filme.
que seja o próprio filme,
um filme antigo
com ranhuras de filme antigo.
e, como filme antigo, que fique guardada
nas estantes climatizadas de minhas artérias.
sua exibição será sempre
uma exclusividade deste poema.
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Biografia: Luiz Edmundo Alves, nasceu em Vitória da Conquista, Bahia, em 21 de julho de 1959. Formou-se em Psicologia e já publicou Entre Outras Coisas, 1981, Metropolitano Aloucado, 1983 e Sopro 1990.
Produziu e dirigiu LAMPEJOS, vídeo-poemas, 1998. em 2002 lançou o livro na contra luz, e em 2005 Fotogramas de Agosto, ambos pela Anome Livros.
Mora em Belo Horizonte, onde é videomaker e editor da
revista eletrônica Tanto (www.tanto.com.br). |